O
homem-chave do PTB
O
caso que se vai ler e ver (...) é um microcosmo da corrupção
no Brasil. Dá arrepios pensar que a mesma coisa está
ocorrendo agora em milhares de outras repartições,
prefeituras, câmaras municipais...
O deputado Roberto Jefferson,
presidente do PTB, e Marinho, o corrupto pego com a mão na massa:
"acertos"
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Mauricio Marinho, diretor dos Correios, foi filmado e gravado
embolsando um pacote de dinheiro dado por um corruptor. |
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Maurício Marinho – A gente procura agora ter muito cuidado com
telefone, falar o mínimo possível. (...) Uns têm escritório, a gente
vai direto no escritório. Para evitar conversa, para evitar problema.
Interlocutor 1 – É que eu achei que era o contrário. Eu achei
que ia ser problema entregar aqui o dinheiro.
Maurício Marinho – Aqui é mais seguro que lá fora, aqui não tem
problema.
(Nisso, um dos interlocutores saca o dinheiro e estende o maço a
Maurício Marinho, enquanto outro interlocutor explica o significado
desse pagamento.)
Interlocutor 2 – Eu queria trazer para você o valor inteiro...
Maurício Marinho – Entendi, entendi.
Interlocutor 2 – É só para assegurar aquela conversa que a
gente tá tendo...
Maurício Marinho – Tá jóia!
Interlocutor 2 – É uma questão até de estratégia, você vai
entender isso. (...) Agora fica mais simples a gente fazer o resto.
Entenda isso como um sinal, um agradecimento à boa vontade.
Maurício Marinho – Não tem erro.
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Há
uma cena recorrente na política nacional: são os políticos disputando, com
unhas e dentes, a ocupação de cargos em todos os níveis de governo, da
Esplanada dos Ministérios às câmaras municipais. Agora mesmo, uma parte do
PMDB tem feito tudo para complicar a vida do Palácio do Planalto porque não
conseguiu emplacar seu candidato a diretor de engenharia da Eletronorte, uma
das grandes estatais elétricas do país, cujo patrimônio chega perto de 10
bilhões de reais. Por quê? Por que os políticos fazem tanta questão de ter
cargos no governo? Para uns, o cargo é uma forma de ganhar visibilidade
diante do eleitor e, assim, facilitar o caminho para as urnas. Para outros,
é um instrumento eficaz para tirar do papel uma idéia, um projeto, uma
determinada política pública. Esses são os políticos bem-intencionados. Há,
porém, uma terceira categoria formada por políticos desonestos que querem
cargos apenas para fazer negócios escusos – cobrar comissões, beneficiar
amigos, embolsar propinas, fazer caixa dois, enriquecer ilicitamente. Quem
tem intimidade com o poder em Brasília sabe que esses casos não são exceção
– e em alguns bolsões de corrupção são até mesmo a regra. Raro, mesmo, é
flagrar um deles em pleno vôo. Foi o que VEJA conseguiu na semana passada.
Há um mês, dois
empresários estiveram no prédio central dos Correios, em Brasília.
Queriam saber o que deveriam fazer para entrar no seleto grupo de
empresas que fornecem equipamentos de informática à estatal. Foram à
sala de Maurício Marinho, 52 anos, funcionário dos Correios há 28, que
desde o fim do ano passado chefia o departamento de contratação e
administração de material da empresa. Marinho foi objetivo na resposta à
indagação dos empresários. Disse que, para entrar no rol de fornecedores
da estatal, era preciso pagar propina. "Um acerto", na linguagem do
servidor. Os empresários, sem que Marinho soubesse, filmaram a conversa.
A fita, à qual VEJA teve acesso, tem 1 hora e 54 minutos de duração. É
uma aula de corrupção, arrematada por uma cena lapidar: os empresários,
a título de adiantamento de propina, colocam sobre a mesa um maço de 3
000 reais, Marinho pega o bolo de dinheiro, olha rapidamente e, sem
conferir, coloca-o no bolso esquerdo de seu paletó. Antes e depois de
embolsar os 3 000 reais de entrada, Marinho narra detalhes operacionais
dos esquemas que patrocina nos Correios.
Conta em que |
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negócios é mais fácil
roubar, quais os porcentuais de propina mais adequados para cada negócio
e como os pagamentos podem ser feitos. "Várias formas", ensina.
"Dólares, euros, tem esquema de entrega em hotéis. Se é em reais, tem
gente que faz ordem de pagamento, abre conta." |
Nos trechos mais relevantes
da conversa, Maurício Marinho explica que está ali em nome de um partido, o
PTB, e sob ordens de um político, o deputado Roberto Jefferson, presidente
do PTB. "Ele me dá cobertura, fala comigo, não manda recado", diz Marinho,
mostrando toda sua intimidade com o cardeal petebista. "Eu não faço nada sem
consultar. Tem vez que ele vem do Rio de Janeiro só para acertar um negócio.
Ele é doidão." Em entrevista a VEJA, concedida através de uma ligação de
celular, Marinho disse que não é filiado a nenhum partido e alegou que mal
conhece Roberto Jefferson, a quem teria encontrado só duas vezes. "Uma vez
no aeroporto e outra num evento, há um ano, alguma coisa do partido", disse
ele. Na fita, a realidade é outra. Marinho chefia um departamento
subordinado à diretoria de administração dos Correios. Desde o ano passado,
o diretor de administração é Antonio Osório Batista, ex-deputado do PTB da
Bahia, que chegou ao cargo por indicação de Roberto Jefferson. Na conversa
gravada, Marinho conta que o diretor, um assessor e ele próprio integram um
mesmo grupo e executam uma mesma missão para um mesmo patrão.
"Nós somos três e trabalhamos fechado. Os três são designados pelo PTB, pelo
Roberto Jefferson", comenta o funcionário. "É uma composição com o governo.
Nomeamos o diretor, um assessor e um departamento-chave. Eu sou o
departamento-chave. Tudo que nós fechamos o partido fica sabendo." Será que
Maurício Marinho, querendo parecer mais importante do que de fato é, começou
a inventar? VEJA checou os episódios a que ele faz referência na conversa e,
nos casos verificados, conclui-se que ele não tinha intenção alguma de
projetar uma imagem falsa para seu interlocutor. A certa altura, ele conta
que, depois de dois anos de luta, o PTB finalmente vai nomear o diretor de
tecnologia dos Correios. "O novo diretor é da nossa agremiação. Quem vai
cobrir a diretoria de tecnologia é o Fernando Bezerra, líder do PTB no
Senado, com o apoio do Roberto Jefferson." E quem será o diretor? "O
Ezequiel", diz Marinho. Na semana passada, o ministro das Comunicações,
Eunício Oliveira, confirmou a VEJA que o novo diretor de tecnologia será
Ezequiel Ferreira de Souza. "Recebi da Casa Civil a determinação de trocar o
diretor de tecnologia por uma indicação do PTB, feita pelo senador Fernando
Bezerra", informou o ministro. Bingo.
Em outro trecho, Marinho fala sobre um projeto dos Correios para fornecer
medicamentos mais baratos a seus funcionários. Diz que haverá uma licitação
para contratar a empresa que se encarregará de comprar remédios e credenciar
farmácias. "É uma brincadeirinha de 60 milhões de reais", contabiliza
Marinho. Ele diz ainda que o edital foi preparado por sua turma de tal forma
que as vencedoras sejam quatro empresas indicadas por políticos amigos. "Nós
temos de atender às quatro que vieram indicadas pelo deputado A e pelo
senador B", afirma. "Ele (refere-se ao diretor de recursos humanos, indicado
pelo PMDB da Paraíba) é que vai fechar a participação. O acerto é dele.
Dessa participação dele, vai uma parte para o nosso partido. A licitação vai
estar saindo nos próximos dias", completou. Na semana passada, apareceu no
site dos Correios o edital de convocação para empresas interessadas em
participar da licitação de 60 milhões de reais. Bingo, de novo.
Quando narra o empenho no esquema do deputado Roberto Jefferson, o homem que
lhe dá cobertura e não manda recado, Marinho também não parece fantasiar.
VEJA ouviu um ex-freqüentador da alcova petebista, que já ocupou alto cargo
federal por indicação do partido. Pedindo para não ter sua identidade
revelada, ele conta que Roberto Jefferson promove reuniões periódicas com
seus indicados para avaliar resultados financeiros. "Chega a ser
constrangedor. Nas reuniões se fala abertamente das possibilidades de
negócio, de quanto vai render e de como será feita a distribuição do
dinheiro. Não há meias palavras", diz. Há casos em que são fixadas até
metas. No fim do ano passado, por exemplo, o diretor de uma estatal
controlada pelo PTB recebeu a visita do corretor de seguros Henrique
Brandão, amigão de Roberto Jefferson. Na visita, Brandão disse ao diretor
que, a partir daquela data, ele tinha de arrecadar 400 000 reais mensais
para o PTB. Até ensinou como: fazer acordos com credores dispostos a pagar
comissão sobre o que recebessem. Procurado por VEJA, Henrique Brandão, cujo
escritório no Rio de Janeiro abriga uma peculiar coleção de 200 corujas
empalhadas, confirmou que é amigo de Roberto Jefferson, mas disse que suas
incursões políticas se limitam a defender os interesses dos corretores de
seguros.
Fundado em 1945 pelo presidente Getúlio Vargas, o PTB de hoje não mantém nem
parentesco distante com sua origem trabalhista e seu discurso nacionalista.
Sufocado na ditadura militar (1964-1985), o partido só voltou ao cenário
político nos anos 80 e, na década seguinte, aliou-se ao então presidente
Fernando Collor, levado pelas mãos de José Carlos Martinez, morto num
desastre aéreo. O deputado Roberto Jefferson, que é filiado ao PTB há mais
de vinte anos, celebrizara-se pelo empenho com que integrou a tropa de
choque de Collor. Desde o impeachment, o PTB participa de todos os governos,
sempre beliscando um cargo aqui, outro cargo ali. Agora, no governo petista,
porém, adquiriu força e vigor ímpares. Estima-se que o PTB tenha hoje cerca
de 2 000 cargos de confiança no governo, mesma cifra sob controle do PL do
vice-presidente José Alencar. O mais vistoso é o Ministério do Turismo,
ocupado por Walfrido Mares Guia, cujo orçamento é de 1 bilhão de reais. Mas,
além do ministro, o PTB tem outros cargos valiosos.
Nos escalões superiores, os petebistas ocupam mais de uma dúzia de cargos.
Entre eles, há potências como a presidência da Eletronorte, ocupada pelo
correligionário Roberto Salmeron. Uma das três maiores estatais elétricas do
país, a Eletronorte tem mais de 5 000 funcionários e um orçamento de 940
milhões de reais. O PTB também cravou sua bandeira na gorda diretoria
financeira da Transpetro, que cuida da frota que transporta o petróleo
brasileiro e tem 350 milhões de dólares em investimento. O diretor
financeiro da Transpetro, Álvaro Gaudêncio Neto, também faz parte da
comissão que comanda a licitação para a compra de 42 petroleiros, aquisição
de 1,9 bilhão de dólares. O PTB tem, ainda, a diretoria de operações e
logística da BR Distribuidora, ocupada por Fernando Cunha, pela qual passam
negócios de mais de 800 milhões de reais por ano. Somando-se os cargos de
alto escalão, incluindo uma portentosa vice-presidência da Caixa Econômica
Federal, o partido tem sob seu comando 14,5 bilhões de reais – fortuna
equivalente à metade do PIB do Uruguai.
Com tanto terreno ocupado no governo petista, o PTB já protagonizou outros
casos de corrupção. Em julho de 2003, seu indicado para a diretoria
financeira do Departamento de Infra-estrutura de Transportes, Sérgio
Pimentel, foi demitido sob a suspeita de que vinha cobrando propina para
liberar pagamentos do órgão. Em setembro do ano passado, o PTB apareceu no
centro de outro escândalo. VEJA noticiou que o PT comprara o apoio do PTB,
pagando 150 000 reais a cada deputado. O homem da mala, que se encarregou de
levar a primeira parcela do pagamento aos deputados, foi o senhor Emerson
Palmieri, que já foi tesoureiro do PTB. Palmieri é personagem tarimbado em
histórias esquisitas. Em 2002, quando o jornal Folha de S.Paulo revelou a
existência de um caixa dois do então prefeito de Curitiba, Cassio Taniguchi,
Palmieri aparecia como beneficiário de 560 000 reais. Palmieri era um dos
coordenadores da campanha presidencial de Ciro Gomes, que o afastou depois
do escândalo. Hoje, reabilitado pelo PT, ele é diretor de administração e
finanças da Embratur, cargo que controla 165 milhões de reais. O que andará
fazendo Palmieri com poder sobre tanto dinheiro público? Ninguém perde por
esperar.
Na origem da praga da corrupção no governo estão os 25 000 cargos de
confiança no governo federal, que são ocupados por indicação política.
Estima-se que, do total, os petistas ocupem 16 000 cargos. Os outros 9 000
estão sob o controle dos partidos aliados. Se, por hipótese, 95% dos que
batalharam para ocupar esses postos foram movidos por objetivos íntegros,
pelo interesse de fazer política à luz do dia e executar idéias defendidas
nos programas de seus partidos, ainda assim haveria 1 250 cargos nas mãos de
pilantras. É uma floresta de cargos. A forma mais eficaz de evitar que esse
festival de irregularidades prossiga é reduzir o número monumental de 25 000
cargos de preenchimento político – todos eles, um a um, controlados pelo
chefe da Casa Civil, o ministro José Dirceu. Na Inglaterra, cada novo
governo dispõe de algo em torno de 100 cargos para preencher. Na França, o
número não passa de 1 000. Nos Estados Unidos, são 5 000. "A superdimensão
da patronagem no Brasil gera distorções perigosas, abre a porta para a
corrupção, para o nepotismo e quebra a rotina da administração, o que
aumenta a ineficiência do Estado e os gastos públicos", analisa o cientista
político Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro, o Iuperj.
As intenções espúrias são tão escancaradas que, nos últimos anos, até os
cargos preferidos foram mudando – e sempre por razões pecuniárias. No
primeiro governo tucano, por exemplo, os alvos prediletos eram estatais com
farta carteira de investimentos e aquelas que seriam objeto de privatização.
Atualmente, em função do rígido ajuste fiscal implementado pelo ministro
Antonio Palocci, o interesse dos políticos migrou para cargos que ficam fora
do alcance do contingenciamento do Orçamento. É o caso da Eletrobras,
Furnas, Correios, Itaipu, Infraero, Petrobras, todas empresas com autonomia
orçamentária. Antes, o Ministério dos Transportes e suas autarquias eram
cobiçadíssimos pelos políticos – tanto que, nessa área, havia um feudo
indomável do PMDB. Era uma época em que esses órgãos recebiam cerca de 50%
do que se previa no Orçamento. Hoje, os políticos nem falam mais de órgãos
nos Transportes. Examinando-se o Orçamento, descobre-se por quê: a liberação
orçamentária atualmente mal passa de 10%. Entre os cargos preferidos hoje,
incluem-se ainda postos nos ministérios da Saúde e da Educação. Só porque
administram verbas cujo repasse é obrigatório.
Com um punhado de cargos e montanhas de dinheiro, o PTB, mesmo assim, não
está satisfeito com seu quinhão no governo. No vídeo em que achaca dois
empresários, Maurício Marinho diz que o esquema ainda é malfeito. "O partido
é muito desorganizado", reclama. Para enfrentar as próximas eleições, ele
defende que a logística da propina seja planejada com antecedência. "Nós
temos de ver quantos vão ser os candidatos, o que é que vamos dar pra cada
um, o que é que compete aos Correios, à Infraero, à Eletronorte, à
Petrobras." Em tempo: o PTB tem apaniguados ocupando cargos em cada uma das
quatro empresas citadas. Em seguida, Marinho conta seus planos de assumir,
ele mesmo, uma diretoria dos Correios em abril do ano que vem, quando muitos
deixarão os cargos para se candidatar nas eleições. Na semana passada,
porém, quando VEJA já investigava o caso de corrupção em que se envolveu,
Marinho foi afastado da chefia do departamento pelo diretor Osório Batista,
o ex-líder do PTB baiano. "Ele é um profissional competente, com currículo
espetacular", diz Osório Batista. Então por que foi afastado do cargo?
Problemas de saúde. "Sou diabético e estou tratando do fígado", explicou
Marinho. Será que o deputado Roberto Jefferson sabia disso? Procurado por
VEJA, o deputado preferiu manter silêncio.
Com reportagem de
Otávio Cabral e Alexandre Oltramari
Fonte: Revista Veja, Policarpo Junior, Edição 1905 de
18/05/2005 |