Diploma
muy amigo
Brasileiros acorrem às faculdades em países vizinhos
para
A paulistana Renata Maria Turcato, hoje com 22 anos, inscreveu-se em três vestibulares de escolas públicas de medicina. Não passou em nenhum deles, retida no funil que oferece no país inteiro apenas 260.000 vagas gratuitas para 2,2 milhões de candidatos. Renata resolveu então cursar uma faculdade particular – mas fora do Brasil. Aconselhada por amigos, matriculou-se numa universidade de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde receberá o diploma no ano que vem. A decisão facilitou muito sua vida acadêmica. Primeiro, como acontece em boa parte das faculdades em países vizinhos, ela não precisou submeter-se a um vestibular – apenas a um teste de conhecimentos, não eliminatório. O curso custa o equivalente a 4.000 reais por ano. Numa boa universidade particular brasileira, Renata desembolsaria sete vezes mais. Cada vez mais estudantes brasileiros atravessam as fronteiras para conseguir um diploma em países vizinhos e do Caribe. Estima-se em pelo menos 8.000 o número de universitários brasileiros apenas na Bolívia, na Argentina e em Cuba. É um número cinco vezes maior do que uma década atrás. Desse total, cerca de 95% cursam medicina. Os demais se dividem entre odontologia e engenharia. Atravessar as fronteiras para fazer um curso superior parece um ovo de Colombo, mas não é bem assim. Em primeiro lugar, é grande o risco de cair numa faculdade em que o ensino é precário. Há dois anos, uma equipe do Conselho Federal de Medicina visitou dez universidades do Paraguai, Cuba, Argentina e Bolívia. Os médicos brasileiros ficaram assustados com o que viram. Muitas não dispunham sequer de microscópios. Outras usavam bonecos em vez de cadáveres nas aulas de anatomia. "Em Cuba faltam equipamentos modernos considerados essenciais no Brasil e em qualquer parte do mundo, como aparelhos de tomografia", relata Isac Jorge Filho, presidente da seção São Paulo do Conselho Federal de Medicina.
O segundo motivo pelo qual estudar em países vizinhos ou do Caribe pode se transformar num pesadelo é que boa parte dos alunos não consegue revalidar seus diplomas ao voltar para o Brasil. Fica impedida, portanto, de exercer a profissão na terra natal. No fim dos anos 70, um acordo de cooperação acadêmica firmado entre países latino-americanos e caribenhos previa que os diplomas obtidos num país seriam automaticamente revalidados por outro. Em 1999 o Brasil deixou de participar do acordo. Hoje, para ter seu diploma reconhecido no Brasil, o formando que vem do exterior deve prestar exames específicos em universidades públicas. A taxa de reprovação é altíssima. "A maioria não consegue passar nos exames por falta de instrução mínima", diz Ana Lúcia Gazzola, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. Resta ao reprovado pedir na Justiça a revalidação do diploma, alegando que começou a estudar antes que o acordo latino-americano fosse extinto. No ano passado, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul realizou 143 revalidações de diplomas, todos de alunos de medicina que estudaram na Bolívia, Argentina e Cuba. Só um deles passou no teste – os outros 142, que não conseguiram a nota mínima, entraram na Justiça, ganharam a causa em primeira instância e receberam registros provisórios para exercer a profissão de médico. "As revalidações feitas judicialmente, ou seja, a maioria, são a maior prova de que os alunos estão despreparados e que estudaram em universidades muito ruins", diz Isac Jorge Filho. Evidentemente, há quem consiga superar os obstáculos e revalidar seu diploma por mérito. Os mineiros Carlos Bahia, de 31 anos, e sua mulher, Roberta Garcia Roriz, de 28, concluíram o curso de medicina na Universidade del Valle, em Cochabamba, na Bolívia, em 2003. Voltaram ao Brasil no ano seguinte e passaram no exame de revalidação. "Entrei numa universidade boliviana mambembe, que nem sequer tinha biblioteca. Decidi então procurar outra universidade na própria Bolívia, pois viajei com o intuito de me tornar um bom médico", diz Carlos. A caravana de estudantes brasileiros em direção às faculdades latino-americanas começou em meados da década de 90, época de valorização do real diante do dólar. Hoje, a Bolívia é o país que mais recebe brasileiros. Só na Universidade Aquino da Bolívia (Udabol), com campi em Cochabamba, Santa Cruz de la Sierra e La Paz, há 3.000 brasileiros cursando medicina. "Numa pesquisa feita em 1996, constatamos que muitas das universidades bolivianas dependiam do dinheiro de alunos brasileiros para se manter", disse a VEJA o vice-ministro de Educação Superior da Bolívia, Gustavo Rodríguez Ostria. A Argentina é também muito procurada. A goiana Tâmara Merhi, de 24 anos, mudou-se há dois anos para Buenos Aires para cursar medicina na Fundação Héctor Barceló. "Nem tentei vestibular no Brasil, pois sabia que era muito difícil, e aqui as exigências são menores", diz ela, que paga 500 reais de mensalidade e gasta 1.000 reais por mês para se manter. "Vim para estudar e voltar, como todos os brasileiros que estão aqui", completa. A mesma Fundação Héctor Barceló abriu, há cinco anos, uma unidade na cidade argentina de Santo Tomé, estrategicamente localizada diante de São Borja, no Rio Grande do Sul. Lá há 200 alunos brasileiros. Cuba também se transformou num pólo de estudantes oriundos do Brasil: há 600 deles só na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), em Havana. A diferença é que Cuba oferece bolsas aos estudantes. A maioria deles é formada por filhos de membros de partidos políticos de esquerda e movimentos sociais de vários países. "O problema começa quando esses estudantes completam o curso e vão exercer a medicina fora de Cuba", comenta Genário Barbosa, coordenador da Comissão de Ensino Médico do Conselho Federal de Medicina. "A formação que eles recebem pode servir para as necessidades internas de saúde da ilha, mas não para os parâmetros de qualidade adotados no Brasil." Por afinidade ideológica, o governo do PT ensaiou reconhecer sem maiores formalidades os diplomas de medicina emitidos em Cuba. Acabou recuando diante do protesto das entidades médicas brasileiras. Agora, o MEC estuda, sem pressa, um novo modelo de revalidação de diplomas obtidos no exterior.
Fonte: Revista Veja Edição nº 1903, Gabriela Carelli, 4/5/2005.
Veja: MEC descarta validação automática de diplomas de outros países |