China: um país bem educado
(Parte 3 - Final)

 

 

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Um quadro comparativo com o Brasil e o que a China pode nos oferecer

Fechamos a nossa série de reportagens sobre o Sistema Educacional na China com este último bloco de matérias, que vai abordar as semelhanças e diferenças entre o país asiático e o Brasil nos campos econômicos e educacionais e as oportunidades para o nosso país via China.   

Fizemos este especial porque nas últimas três décadas, a China vem progredindo em ritmo extraordinário – já é a terceira potência comercial do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha –, e os impactos disso no mundo todo têm ficado cada vez mais evidentes. Com 1, 3 bilhão de habitantes - 20% da população mundial – em um território praticamente do mesmo tamanho que o do Brasil, a China tem 1 trilhão de dólares de divisas acumuladas. Cresce entre 9% e 11% ao ano (só a título de referência: a previsão de crescimento do Brasil este ano é de 3,5%, segundo o Banco Central). O volume de reservas internacionais da China superam as do Japão e somam US$ 941 bilhões - mais do que todo o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil.  

O país oficialmente comunista em termos políticos, mas de economia capitalista, tornou-se um dos mais abertos do mundo quando se compara a soma das exportações e importações com o valor do PIB. Em 2004, ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o maior exportador mundial de bens de tecnologia da informação. Em 2005, o fluxo de comércio da China chegou a US$ 1,4 trilhão, o equivalente a 64% de seu PIB. O valor só é inferior aos volumes registrados pelos EUA e Alemanha. O país asiático é o segundo maior consumidor de petróleo do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, e compra quantidades crescentes de minério de ferro, cobre, níquel e alumínio. Estatísticas de investimentos chineses no exterior crescem de forma acelerada desde 1990: naquele ano, a China tinha um estoque de US$ 4,5 bilhões investidos em outros países, comparados a US$ 38,5 bilhões do Brasil. Em 2004, segundo a Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento), os investimentos brasileiros tinham crescido 67% em relação a 1990, totalizando US$ 64,4 bilhões, enquanto os chineses deram salto de 762%, chegando a US$ 38,8 bilhões. 

E o que tem a Educação a ver com isso? Ela é uma das áreas que o país investiu pesado e que está intimamente ligada ao crescimento econômico, principalmenmte no longo prazo. É usada como ferramenta para o desenvolvimento do país em todos os segmentos. "Os chineses precisam de excelência para manter o ritmo de crescimento. A Educação está altamente ligada à estratégia global deles", explica Maximilian Steinbrenner, conselheiro do Faubai (Fórum de Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais) e assessor internacional da Universidade Federal Rural da Amazônia.  

Não seria possível compreender toda a realidade que fez a China chegar onde está em apenas uma reportagem, na qual abordamos, em quatro blocos de matérias, como aconteceu a revolução educacional, cada ponto deste sistema e todos os aspectos – culturais, históricos, políticos e econômicos – que sustentam estas mudanças, comparamos a realidade brasileira à chinesa e, por fim, pontuamos todas as oportunidades para o nosso país via China.  

Semelhanças e diferenças Brasil – China  

Compare os indicadores educacionais e econômicos dos dois países 

O Brasil tem alguns pontos de identificação com a China, o que torna o país extremamente sedutor aos olhos brasileiros. Mas há pontos em que são também essencialmente diferentes e que devem ser levados em consideração antes de querermos adotar modelos chineses de atuação.  

Na Educação, tanto Brasil quanto China têm realizado mudanças significativas em seus sistemas de ensino, afinadas com as propostas do Banco Mundial para reforma da educação em geral e para a reforma do ensino superior em particular. Elas variam em virtude das especificidades de cada país, mas percebe-se a introdução de uma perspectiva de gestão empresarial ou "de mercado", afetando sobremaneira os objetivos, o comportamento, a administração, a organização, o financiamento, o acesso, os cursos oferecidos, a definição e desenvolvimento de atividades de pesquisa - o referencial de avaliação do ensino superior. "A diferença é que no Brasil ocorre uma inversão de valores: ensino fundamental público de menor qualidade e ensino superior público de maior qualidade. É uma perversão do modelo chinês", pondera Cláudia Trevisan, autora do livro "China – O Renascimento do Império" (Ed. Planeta). 

Economicamente, assim como nós, eles são um país em desenvolvimento, com problemas inflacionários e de corrupção. Ambos são países essencialmente agrários. No entanto, segundo Trevisan, é muito difícil copiar o modelo chinês. "A sociedade brasileira tem uma sofisticação que a sociedade chinesa não tinha quando desenhou seu modelo. O Brasil tem um estágio de desenvolvimento muito maior do que a China tinha em 1978, quando começaram as reformas, e muito maior até do que a China atual", afirma. Trevisan diz que o sistema de saúde pública do Brasil é melhor do que o da China. Além disso, o Brasil não tem uma mão de obra abundante e disposta a trabalhar como a China. 

"Por outro lado, o Brasil não sabe que tipo de inserção no mundo ele quer ter, enquanto a China decidiu um caminho a seguir, criou um modelo exportador, e se empenhou em atrair investidores estrangeiros, estabelecendo uma série de medidas – como conceder incentivos bastante generosos aos investidores, estabeleceu o mesmo câmbio há uma década para garantir a estabilidade cambial, internacionalizou suas empresas. Já aqui não adotamos modelo nenhum, e temos limitações estruturais que acabam atrapalhando muito o país, como a instabilidade cambial", explica Trevisan. 

Outro ponto de divergência que ela cita é o fato de a China investiu em infra-estrutura para se urbanizar, enquanto o Brasil está há anos sem investir em infra-estrutura. Brasil cresce pouco e não sabe o modelo de desenvolvimento que o país quer. 

Os quadros comparativos mostrados a seguir procuram esmiuçar os principais itens em que os dois países divergem e se aproximam nos campos educacional e econômico.

 

 

Oportunidades para o Brasil na Educação chinesa 

Invista em cooperação científica e tecnológica, estudantil e docente 

A abertura do mercado chinês incluiu também a Educação. A necessidade de formar pessoas e prepará-las para o mercado de trabalho – que não pára de crescer neste país em pleno desenvolvimento – é urgente. Por isso, grupos estrangeiros da área de ensino são bem-vindos. Todo o tipo de investimento na China é possível, seja abrir uma universidade, oferecer cursos presenciais ou a distância, desde que haja parceria com uma instituição local.  

Por outro lado, receber os estudantes chineses e capacitá-los aqui pode ser uma opção mais vantajosa e prática, pois toda a estrutura já está montada. Seja qual for a escolha de investimento, antes de qualquer coisa é essencial divulgar o trabalho das instituições de ensino superior brasileiras na China para despertar o interesse pelo país. "O grande referencial internacional para os chineses são os Estados Unidos, a Inglaterra e os países europeus em geral. O Brasil deve aproveitar a necessidade que a China tem de mandar estudantes para o exterior e trazê-los para cá", diz o árbitro da Organização Geral do Comércio, professor da pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (UCAM) e primeiro advogado da América Latina a abrir um escritório na China, Durval de Noronha Goyos Junior.  

O Universia levantou algumas possibilidades de negócios com o país asiático para as instituições de ensino superior brasileiras e qual o caminho para realizá-los. Conheça as opções.  

1) Filial na China

É possível abrir uma instituição de ensino superior na China, desde que o investidor estrangeiro o faça em parceria com uma organização educacional chinesa. A lei que regulamenta a abertura de estabelecimentos de ensino com capital estrangeiro, no entanto, não explicita qual o limite máximo de participação deste na parceria. Mas há uma proibição explícita: grupos religiosos não podem ser proprietários de nenhum tipo de organização na China. Outra restrição é quanto ao idioma oficial da instituição, obrigatoriamente o mandarim. Alguns cursos, no entanto, podem ser ministrados em língua estrangeira. Além disso, o presidente ou autoridade máxima no gerenciamento do negócio deve ser cidadão chinês.  

Depois de firmada a parceria, o caminho para aprovação começa junto às autoridades locais – seja governo da província, municipal ou outro departamento encarregado pelo conselho de estado (o mais alto poder executivo do Estado chinês). O primeiro processo é chamado "preparo para estabelecimento".

2) Oferta de cursos

As universidades de Harvard e da Pensilvânia venderam cursos de graduação e pós-graduação para universidades chinesas, e o Brasil poderia fazer o mesmo, desde que em inglês. Embora o adido cultural da Embaixada da China no Brasil Shu Jianping acredite que seja um mercado de difícil penetração para as instituições brasileiras – por conta do idioma – ele destaca algumas áreas nas quais seu país de origem é mais carente, como MBAs em Administração e cursos em Engenharia Eletrônica e Hidráulica. 

Com a abertura da China para o mundo, tudo é possível desde que se encontre uma instituição chinesa interessada. Isto quer dizer que é factível montar cursos para serem realizados por professores chineses em escolas daquele país, assim como oferecer o curso e professores que possam ministrá-los localmente em inglês. Não há restrições na regulamentação de educação chinesa para isto. Ou seja, vale a lei da oferta e da procura.  

Na hora de assinar um convênio ou parceria com as escolas e universidades chinesas, todos os cuidados devem ser tomados. O diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes (UCAM) Beluce Bellucci diz que os documentos da parceria têm que ser vistos com atenção. "As universidades chinesas são bem abertas para a cooperação internacional, mas fazer o convênio é complicado. Deve-se estudar o processo antes e analisar muito bem os documentos, que normalmente são em mandarim e em português, para não haver surpresas desagradáveis", diz ele, que já firmou parcerias com diversas instituições daquele país para intercâmbio de alunos para o Brasil. Como em todos os países, há instituições bem e má intencionadas.  

Atualmente, o mais comum no Brasil são instituições que firmaram convênios internacionais, possibilitando o intercâmbio de tecnologia ou de alunos entre os dois países.  

3) Possibilidades a distância

Os chineses também parecem interessados no Brasil quando o assunto é educação a distância. Apesar de não haver nenhuma parceria consolidada via Secretaria de Educação a Distância (Seed) do MEC, a Escola do Futuro da USP já recebeu algumas vezes a visita de comitivas de agências governamentais chinesas. "Eles queriam observar nosso trabalho com acervos digitais e objetos de aprendizagem", conta o presidente da ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância) e coordenador científico da Escola do Futuro da USP (Universidade de São Paulo) Fredric Michael Litto.  

Ele, que já participou de reunião sobre o assunto na China, acha que há neste país oportunidades para EAD. "Acredito que haja mercado para cursos a distância via internet feitos por empresas ou universidades brasileiras para o ensino de português. Mas para isso é preciso o apoio de parceiros chineses para a divulgação, financiamento e apoio ao aluno", diz.  

Outra possibilidade vista pelo presidente do IBCDE, Sérgio de Moraes, é para cursos vendidos a empresas, com o objetivo de treinamento de funcionários, como de matemática financeira, vendas corporativas e outros. Em inglês, evidentemente.  

4) Intercâmbio de alunos 

O Programa Executivo de Cooperação Internacional Brasil-China foi assinado em Pequim, no final de 2005, com foco na difusão do português e do mandarim. Por meio deste convênio, ambos os países se comprometiam a trocar professores e materiais didáticos, ensino das línguas nos cursos de graduação e treinamento de professores. De concreto, ainda nada saiu do papel. O que não significa que as instituições brasileiras tenham de ficar esperando.  

O que acontece na prática é que as universidades interessadas já estão fazendo convênios diretamente com instituições chinesas. Em um primeiro momento, algumas estão recebendo alunos para estudar português e cursar outras disciplinas na graduação. O segundo passo é o caminho inverso: enviar estudantes brasileiros interessados para estudar mandarim na China.  

Segundo o adido cultural da Embaixada da China no Brasil Shu Jianping, apenas a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a PUCRS e a UCAM (Universidade Cândido Mendes) já receberam alunos chineses.  

O projeto da UCAM é em longo prazo. Há cinco anos, o Centro de Estudos Afro-Asiáticos da universidade ampliou a cooperação com a China e, desde então, estreitou os laços com instituições deste país para receber alunos que queiram fazer a graduação aqui no Brasil. 

No início de 2005, a universidade recebeu 30 alunos para o estudo do português. A partir do próximo ano, eles já poderão escolher seu curso de graduação. Segundo Beluce Bellucci, diretor do centro, a maioria indica uma predileção pelos cursos de Direito, Administração, Ciências da Informação, História e Relações Internacionais. Com tudo pago pelo aluno. "E há muitas instituições interessadas em convênios deste tipo", afirma Bellucci. 

Na UFRGS estiveram, por um ano, 24 estudantes, uma professora que veio fazer mestrado e um professor de mandarim. Ambos os professores lideraram o curso deste idioma oferecido pela instituição brasileira. Segundo o secretário de Relações Internacionais da universidade gaúcha Paulo Visentini, o contato com a universidade que enviou o grupo foi feito em uma feira de Educação na China. "Estas pessoas eram do programa de Jornalismo internacional, que previa o aprendizado do inglês e de uma outra língua. Estes alunos haviam optado pelo português", conta.  

Embora este grupo tenha ido embora no final do primeiro semestre de 2006, a universidade espera receber outros, já que o convênio fica em vigência por cinco anos. Visentini explica que a universidade ofereceu o curso gratuitamente, mas que os alunos pagavam pela hospedagem e demais custos.  

Para ele, a universidade ganhou e muito com a experiência. "Neste convívio direto com os chineses, nossos alunos puderam superar muitos estereótipos. E daqui a um semestre já haverá um grupo preparado para ir estudar na China, com um nível suficiente de mandarim", conta. Atualmente, na UFRGS, há 60 alunos (entre universitários e pessoas da comunidade), divididos em três níveis, aprendendo o idioma oriental.  

Na PUCRS, foram 19 intercambistas por um ano, aprendendo o português e assistindo aula na Faculdade de Comunicação e na de Letras, todos oriundos da Universidade de Comunicação da China.  

Apesar de ainda não ter nada concreto, a Capes está em vias de fechar um acordo com o país. Além desta possibilidade de receber alunos estrangeiros, há ainda a viabilidade de se enviar brasileiros para cursos na China, seja para aperfeiçoamento do mandarim ou pós-graduação. Hoje já existem bolsas oferecidas pelo governo chinês – 10 integrais para estudo de pós-graduação e 20 parciais para estudar mandarim in loco. E, segundo o adido cultural da Embaixada da China no Brasil Shu Jianping, nem todas foram preenchidas por falta de procura.  

O interesse pelo mandarim parece realmente crescer. Várias universidades brasileiras, em geral as públicas, oferecem ou já ofereceram em algum momento aulas do idioma. Uma experiência interessante foi a da UEM (Universidade Estadual de Maringá). Através de um programa do governo do estado, a instituição paranaense abriu o curso para uma turma de 20 pessoas, sorteadas em um grupo de 150. "Foi incrível como isto movimentou a cidade", conta o coordenador do projeto de mandarim da UEM. "Vários institutos particulares passaram a oferecer o curso porque perceberam que havia os mais diversos interesses e motivações entre as pessoas da cidade".  

Apesar de ser um idioma de difícil aprendizado para brasileiros, por utilizar ideogramas e ter uma lógica de construção diferente das línguas ocidentais, o esforço por parte de universitários e pós-universitários em aprender o mandarim pode valer muito a pena. Isto porque a China está em pleno crescimento e precisa de pessoas formadas em praticamente todos os campos, pois tudo pode contribuir para o desenvolvimento do país. 

"O mais interessante é fazer esta troca, investir na formação de pessoas nos idiomas, estimular os bolsistas e fazer intercâmbio em projetos de pesquisa científica. Este é o primeiro passo", diz o adido cultural Shu Jianping. E o professor Noronha corrobora. "O conhecimento do mandarim, ainda que em um patamar não acadêmico, favorece as relações comerciais com a China e também as oportunidades acadêmicas". Por isso, vale a pena incentivar os alunos a aprender o idioma.

 

Fonte: UniversiaBrasil, Bárbara Semerene, 24/11/2006.


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