China: um país bem
educado
Peculiaridades históricas, culturais, políticas e econômicas da China Qual é o segredo da China? Esta é uma pergunta que tem concentrado atenções de análises e estudos por todo o planeta. Todos os países querem compreender o que está por trás do impressionante e rápido crescimento da China - tecnológico, econômico e educacional - nos últimos 28 anos, desde a abertura de mercado que ocorreu após a morte do líder comunista Mao Tsé-Tung, que governou o país de 1949 a 1976. "Mudanças que países desenvolvidos demoraram cem anos para experimentar, a China viveu em um quarto de século", escreveu Cláudia Trevisan em seu livro "China - o renascimento do império". Na obra, ela afirma que, nas últimas décadas, "a China liderou o ranking do crescimento global, multiplicou por quatro o tamanho da sua Economia, tirou milhões de pessoas da pobreza e promoveu o mais intenso processo de urbanização já visto na História". E para fazer tudo isso, investiu pesado na Educação, que também registra grande evolução. Todos querem saber a "fórmula" que tornou tal revolução possível para, quem sabe, aplicá-la em seu próprio país. Mas a China reúne características únicas, o que a torna impossível de ser copiada. "Não dá para copiá-la, mas podemos aprender algumas coisas com ela, como o planejamento estratégico e o fato de saber o que o país quer ser no mundo", afirmou Cláudia, em entrevista ao Universia. Veja quais são as peculiaridades históricas, econômicas, políticas e culturais do país que construíram o cenário ideal para o seu sucesso, clicando nos respectivos links do menu à direita.
A relação simbiótica da Educação com a Economia "O maior segredo da China é: ela decidiu para onde caminhar e que tipo de país quer ser", resume Cláudia Trevisan, autora do livro "China - o renascimento do império" (Ed. Planeta). O país definiu exatamente o tipo de inserção que pretendia ter no mundo, traçou a meta e foi atrás dela. "A China decidiu que iria atrair investidores estrangeiros. A partir daí, procurou a estabilidade cambial, concedeu incentivos bastante generosos para atraí-los e começou o processo de internacionalização de suas empresas." Segundo Cláudia, essa capacidade de planejamento é herança do comunismo, que elabora planos quinqüenais até hoje. O país - majoritariamente agrário, com 82% da população vivendo no campo há 27 anos - também decidiu que tinha que se urbanizar, e investiu pesado em infra-estrutura, construindo rapidamente quilômetros de estradas, ferrovias, portos e aeroportos. "A velocidade de transformação da China não tem paralelo no mundo. E o processo de urbanização provoca um ritmo de crescimento da economia", afirma Cláudia. Um dos fatores que permitem tanta rapidez nas transformações é a mão-de-obra abundante de um país cuja maioria da população é pobre e está ávida por emprego - portanto, disposta a trabalhar sob quaisquer condições. Mas apenas mão-de-obra barata não é suficiente para alcançar tamanho crescimento. É preciso, também, ter profissionais qualificados. E é aí que entra o investimento na Educação. Toda a sociedade está empenhada nisso. "É por conta disso que o investimento nas universidades é focado em áreas ligadas à Engenharia e à Ciência e Tecnologia. No Brasil, tem mais gente querendo ser Jornalista do que Engenheiro, e a gente não precisa de tanto Jornalista. No ano passado, a China formou 600 mil engenheiros, número muito maior do que os Estados Unidos formam a cada ano", compara Cláudia. É crescente o número de empresas multinacionais que decidem abrir na China grandes centros de Pesquisa & Desenvolvimento, para os quais contam com o exército de cientistas e engenheiros formados a cada ano nas universidades do país. Hoje, além da mão-de-obra barata e abundante, o país oferece aos investidores estrangeiros um universo crescente de profissionais especializados com ótima formação. Isso por conta da desvalorização da moeda nacional, o yuan, que durante onze anos foi atrelado ao dólar. A indexação foi retirada em 2005, quando o Banco do Povo Chinês, o Banco Central local, anunciou que o yuan passaria a ser vinculado a uma cesta de moedas, em relação à qual passaria a flutuar dentro de uma margem estreita.
Além da estabilidade,
a manutenção do yuan em um patamar que os concorrentes dos chineses
consideram subvalorizado permite que as empresas instaladas no país vendam
seus produtos no exterior a preços imbatíveis quando convertidos ao dólar,
euros, ienes e até reais. A lista de atrativos chineses inclui ainda juros
baixos, que foram mantidos durante nove anos no mesmo patamar de 5,31% ao
ano para financiamentos de doze meses. Para efeito de comparação, a taxa
básica de juros brasileira, a Selic, é de 13,75% ao ano. "A imagem da China
como um país que produz só material barato já não é mais verdadeira.
Continua produzindo tudo isso, mas está sofisticando cada vez mais", diz
Cláudia. Exaltação do enriquecer Juntou-se à cultura da meritocracia, o sentimento de ambição do chinês, provocado a partir de 1978, quando passou-se a exaltar o "enriquecer", classificado de "glorioso" por Deng Xiaoping (o grande mentor de todas mudanças em prol da abertura e do desenvolvimento econômico, que assumiu o poder logo após a morte de Mao, lançando o processo de modernização na China).
Desde 1999, na China,
é publicada uma lista dos mais endinheirados, o Hurun Report. Naquela época,
eram considerados ricos os chineses com patrimônio superior a US$ 6 milhões.
Em 2004, o valor mínimo já estava em US$ 150 milhões e, pela primeira vez,
três bilionários integraram a relação. No ano seguinte, o número de
bilionários mais que dobrou, pra sete. Esses milionários e bilionários são
provenientes da nova iniciativa privada e integram a classe dos empresários,
que até 1978 era considerada abominável pelos dirigentes e grande parte da
população do país. Cultura A contribuição da filosofia confucionista O projeto da China, hoje, é ter universidades compatíveis às melhores do mundo e educação fundamental compulsória para todos. Os chineses têm contratado professores nos Estados Unidos e na Europa para terem centros de ensino de excelência. "Isto porque o país acredita que a Educação é a única forma de recuperar um país. A Educação sempre foi considerada um instrumento importantíssimo no qual se baseia o desenvolvimento", afirma o embaixador da China no Brasil, Chen Dung Qing, expressando uma mentalidade milenar, que vem da filosofia confucionista. O confucionismo tornou-se doutrina oficial na China no século II a.C. Criada pelo pensador Confúcio, ou Kung Fu Zi (551-479 a.C.), esta filosofia se baseava em uma nova ética social, na qual a sociedade poderia viver em harmonia desde que as prioridades fossem a ética, o respeito e a educação para todos - e não uma educação de elite. A cultura, segundo os princípios do confucionismo, pode ser traduzida por educação ou aprendizado. A educação, para ele, era uma forma de autoconhecimento, fundamental para compreender a essência humana. Defendia que a música, a pintura, a poesia, a caligrafia e a arte do arco-e-flecha seriam alguns dos meios para o ser humano descobrir e desenvolver seus potenciais. O estudo, para Confúcio, era a base da formação do homem, pois só a instrução assegurava a conduta reta, a justiça e a moral nos negócios públicos e na relação com as outras pessoas. Para Confúcio e seus seguidores, o comportamento baseado no ritual, na etiqueta, nas maneiras e na postura assegurava a interação entre os membros da comunidade e sua conexão com a ordem natural e a vontade do Universo. Defendia a importância do amor, do altruísmo e da justa distribuição do trabalho para que todos vivessem em harmonia. Ou seja: vem bem antes do socialismo - introduzido na China em 1949, por Mao Tsé-Tung -, o ideal de coletividade na China. "A sociedade oriental, não só a chinesa, dá mais valor à coletividade, não ao individualismo. Isso não vem do sistema socialista, mas da formação da civilização, que tem uma cultura de superação através da união do povo. O crescimento asiático, em geral, se deve à esse modelo. Na China, os trabalhadores não se importam em fazer horas extras porque estão trabalhando para o progresso", acredita Chen Dung Qing. Será? Esta discussão está aprofundada na matéria "Economia", que aborda as questões econômicas que tornaram o cenário chinês ideal para o progresso. Há dois mil anos, a filosofia confuciana vem determinando a vida política e o comportamento privado dos chineses. O concurso público e a idéia de uma burocracia estatal profissional existem na China desde o início do império, sob inspiração da filosofia confuciana. Diferentemente do Brasil, onde o "Q.I" (Quem Indica) e a cultura feudal tiveram um peso grande na ascenção social, na China ela sempre se deu por meio do mérito. "Eles têm uma tradição estatal muito forte. Lá, a função do Estado não é de poder, mas de equilíbrio", explica a historiadora Christine Dabat, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e autora de dissertação de mestrado sobre a Cooperativização na China, além do livro "Mulheres no Movimento Revolucionário Chinês" (ed. Universitária da UFPE, lançado este ano). "A visão clássica que a China tem de si própria é que o imperador e a classe dominante estão lá para preservar a harmonia. A classe no poder é uma classe de letrados, não são guerreiros, como em muitas sociedades. Na hierarquia da sociedade chinesa, as pessoas no poder são selecionados pelas suas competências", diz Christine. "As duas categorias que o Ocidente preza mais - comerciantes e militares - estão degraus abaixo na escala hierárquica chinesa. A prova de que eles prezam a cultura é que na hierarquia social de lá, primeiro vem o imperador, depois os mandarins, os camponeses, os artesãos e, em último lugar, os comerciantes e militares."
São chamados de
Mandarins essas pessoas letradas que estão no poder na China. E, a
princípio, todos podem se tornar um mandarim por meio dos concursos
públicos. "Há várias histórias de pessoas pobres que estudaram e tiveram
ascenção social. A base de todos os sistemas de exames e provas está no
conhecimento que se tem das obras atribuídas a Confúcio", explica Dabat.
Segundo ela, o confucionismo é uma orientação sobre como gerir uma boa
sociedade, desde a escala menor até a maior, que é o Império. "Dentro desta
filosofia, a Educação participa do governo, é elemento indissociável dele."
A escrita chinesa
Para Dabat, o tipo de
escrita chinesa - o sistema ideográfico - requer uma sociedade culta e com
uma boa formação, uma vez que é baseada em conceitos, e não em fonética. "É
muito alusiva, não basta só saber ler, mas interpretar o que está por trás.
Para tanto, é preciso ter cultura", diz. Além disso, segundo ela, como a
escrita chinesa não tem um pronúncia específica, é possível que as pessoas
não se entendam oralmente, portanto é preciso saber escrever para se
comunicarem, o que requer mais investimento na alfabetização. Política A influência do sistema socialista e do estado totalitário Até que ponto a liberdade de opinião de uma democracia atrapalha o progresso rápido? E até que ponto a censura deliberada de um sistema totalitário atrapalha este mesmo progresso? Essa é uma questão que intriga o mundo, já que muitos atribuem os velozes avanços chineses ao regime totalitarista, onde não há espaço para que tantas vozes se expressem, a censura é praticada abertamente, e o Estado decide tudo para o povo. A questão é polêmica. "Se alguém já pensou que a abertura do comércio e o progresso está atrelada à democracia, ledo engano. Na China, nunca foi. Todas as invenções que fascinaram tanto os jesuítas no Ocidente - a bússula, a imprensa e a pólvora - foram feitas por chineses, e nenhuma delas em regime democrático. Para os chineses, o essencial é manter o bem público, com sentimento de eqüidade mínima. Enquanto isto estiver sob controle, está tudo bem. Na visão deles, progresso não tem nada a ver com liberdade de pensamento, modernidade é inovação técnica", afirma a historiadora Christine Dabat, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e autora de dissertação de mestrado sobre a Cooperativização na China, além do livro "Mulheres no Movimento Revolucionário Chinês" (ed. Universitária da UFPE, lançado este ano). Segundo o embaixador da China no Brasil Chen Dung Qing, a mentalidade do sistema socialista - implantado na China em 1949 por Mao Tsé-Tung, fortaleceu a valorização da difusão da Educação na China e, ao mesmo tempo, o sistema de meritocracia, uma vez que considera que o governo deve dar condições iguais para todos, mas cada um deve ganhar de acordo com sua capacidade. Christine explica que o princípio do comunismo/socialismo é cada um contar com suas próprias forças, mas todos têm de ter o mesmo acesso a tudo. Para o embaixador, a censura não atrapalha o crescimento, ao contrário. "Democracia é ótimo, mas para nós não é o fim, é o meio. Em excesso, vira anarquia ou demagogia. Nós acreditamos que o sistema educacional na China tem que ter mecanismos de incentivo para fazer com que os melhroes se destaquem, e de punição para primeiro e segundo graus, para dar disciplina. Quando um estudante é admitido numa universidade, não pode fazer o que quiser - em termos de barulho, horário, namoro", explica. Cláudia Trevisan, autora do livro "China - o renascimento do império" (Ed. Planeta) questiona o valor do autoritarismo para o progresso. "Não dá para medir a influência que o totalitarismo teve para o progresso. Cada país tem a experiência histórica que é possível ter. Há grandes exemplos de países desenvolvidos e democráticos. A China tem características próprias. Durante séculos foi um país fechado em si mesmo. E esses valores democráticos tão arraigados no Ocidente não tiveram influência lá, não houve contribuição do Iluminismo, da Revolução Francesa. Mas, apesar dos abusos de poder do partido comunista, da supressão individual, eles pretendem construir uma sociedade inclusiva. E, para um país crescer de maneira sustentada, quanto mais educada for a população, maior o crescimento", diz Cláudia. Para ela, o fato é: a população está satisfeita com o sistema. "O que pesa é a questão do crescimento econômico. Ele é a principal fonte de legitimação do sistema. A maioria esmagadora dos chineses está otimista em relação ao futuro, percebem a melhoria das condições de vida, estão tendo acesso a bens de consumo. Enquanto o país continuar a crescer, é pouco provável que surja qualquer movimento organizado de resistência a ele." A China encontrou um modo de que o Ensino Superior pudesse conviver com a censura. Cláudia Trevisan explica que o foco da pesquisa na universidade é nas áreas de exatas e tecnológicas. E os estudos de antropólogos, sociólogos e afins estão sempre ligados ao Partido Comunista, com a abordagem ideológica deles. Quem se comporta de maneira agressiva, é perseguido. A única época em que a Educação esteve prejudicada pelo regime foi durante a Revolução Cultural, entre 1965 e 1976, quando a economia do país ia de mal a pior e por isso começou a haver mais resistência contra o regime de Mao Tsé-Tung.
Então, houve um enorme
esforço de transformação ideológica e uma violenta depuração partidária,
mexendo com toda a estrutura política do país. Mao encorajou a formação de
comitês revolucionários, compostos pelas mais diversas forças (militares,
camponeses, elementos do partido, governo) e destinados a tomar o poder onde
necessário e realizar a caça contra os que questionavam o regime, muitos
destes eram intelectuais, docentes e pesquisadores. O Ensino Superior foi,
então, praticamente desativado no país. "A Revolução Cultural prejudicou
três regerações: docentes, estudantes e crianças. Nesta época, muitos dos
bons professores e estudantes foram embora do país", conta o embaixador da
China no Brasil. Controle de natalidade A China tem uma enorme taxa de poupança, equivalente a cerca de metade do PIB (Produto Interno Bruto) do país, um dos maiores índices do mundo. Segundo Trevisan, os chineses guardam dinheiro para emergências e o futuro com uma perseverança pouco vista em outras partes do globo. A maior motivação para tanta economia é a Educação dos filhos, segundo estudo do Banco Popular da China (o Banco Central chinês). Quase 40% dos chineses poupam por este motivo. "Só foi possível cobrar anualidade nas universidades públicas das famílias por conta da política de um só filho por casal", afirma o embaixador chinês. Para ele, Programa Nacional de Planejamento Familiar, implementado pelo Partido Comunista em 1977, foi um dos responsáveis por facilitar o acesso de mais crianças e jovens à Educação. Segundo os dirigentes chineses, tal medida conseguiu evitar que a população do país estivesse hoje em 1,6 bilhão de habitantes. O controle de natalidade é exercido por meio de um sistema de prêmios e castigos, que implica a concessão de vantagens para os que têm apenas um filho e severas penas para os que desrespeitam a regra, entre as quais estão pesadas multas e até a perda do emprego. O aborto é legalizado e pode ser feito a um custo próximo a US$ 50.
O Programa foi
declarado política básica de Estado nos anos 80, e incluído na Constituição.
Durante muitos anos, no entanto, se viu materializado principalmente através
de regulamentos locais e medidas administrativas, enquanto as discussões
para decretar uma lei nacional neste sentido acompanhavam a execução do
programa. A Lei de População e Planificação Familiar se materializou por um
difícil processo, já que a mesma passou por mais de 40 revisões desde 1977.
História O progresso que a China vive é apenas um resgate do que já foi O sucesso está nos genes dos chineses. Os avanços tecnológico e econômico da China não vêm de hoje, são sustentados por uma civilização milenar, que começou a ser construída há quase cinco mil anos, e tem um background de sucesso. A supremacia econômica de países asiáticos foi a regra na maior parte da História da humanidade depois de Cristo. A exceção são os últimos 200 anos, nos quais o Ocidente se impôs graças às inovações tecnológicas que desagüaram na Revolução Industrial. Na época do Império do Meio (de 221 até 1911), a China (chamada de "País do Meio") era uma das principais economias do mundo. Entre o ano 1 e o fim do século XVIII, ela e a Índia respondiam por mais da metade do PIB global, segundo cálculos do economista Angus Maddison, professor emérito da Universidade de Groningen e um dos mais respeitados especialistas em história econômica do mundo, que fez estimativas de PIBs para os últimos 2 mil anos. A maior parte desse período foi marcada pela sofisticação e prosperidade, que colocaram a China entre as maiores economias do globo e permitiram o surgimento de invenções que revolucionaram a História, como o papel, a tinta, a pólvora e a impressora. Grande parte do esplendor da civilização chinesa ocorreu na disnastia Tang (618-907), quando o Ocidente estava mergulhado na Idade Média. A reprodução da palavra escrita se tornou possível com o desenvolvimento de um sistema de impressão que utilizava blocos de madeira, inventado pelos chineses cerca de setecentos anos antes de Gutenberg criar sua máquina de impressão, em 1440. A dinastia Tang também experimentou uma explosão de criatividade artística e literária e de influência da civilização chinesa sobre outras regiões da Ásia, como Japão, Coréia e Vietnã. O período Tang também viu o surgimento da Ópera Chinesa, da pólvora e do papel-moeda, que só viria a ser adotado no Ocidente a partir do século XVII. No entanto, muitas das invenções chinesas são anteriores ao período de ouro Tang. O papel foi desenvolvido por Cai Lun no início da era cristã e, no século III, os chineses já haviam entendido o princípio magnético que levaria à criação da bússola, usada na navegação a partir do século XI. A seda começou a ser produzida na China 2,6 mil anos antes de Cristo e a tinta surgiu na mesma época do papel. Os chineses foram ainda os primeiros a criar pipas, que na sua origem eram pedaços de seda fixados a estrutura de bambu, destinados à diversão das crianças. A agricultura já tinha, no início da era cristã, um grau de sofistição que só seria atingido séculos mais tarde nos países ocidentais. E a imprensa era utilizada para disseminar novas técnicas entre os agricultores, por meio de livros ilustrados e folhetos. O Estado também promovia a irrigação, o uso intensivo de mão-de-obra, ea disseminação de fertilizantes naturais, o que levou a uma alta produtividade agrícola. "A China se viu obrigada a achar meios para se desenvolver devido à sua geografia. Havia muita gente, pouca terra e muita água. Tirando os desertos e as montanhas, sobrava pouco espaço para a agricultura. Para alimentar a população e domesticar a água, foi preciso desenvolver esses sistemas agrícolas e hidráulicos. É por isso que, desde muito cedo, antes de Cristo, desenvolveram sistemas de irrigação, drenagem, controle do curso dos rios, e canais", explica a historiadora Christine Dabat, professora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), e autora de dissertação de mestrado sobre a Cooperativização na China, além do livro "Mulheres no Movimento Revolucionário Chinês" (ed. Universitária da UFPE, lançado este ano). A prosperidade no país fez com que a população se multiplicasse por quatro entre os séculos XIII e XIX, com relativa estabilidade da renda per capita. Os chineses também tiveram seu grande navegador, o almirante Zheng He, que liderou frotas maiores e mais sofisticadas que as de Pedro Álvares Cabral e de Cristóvão Colombo, e realizou sete expedições entre os anos 1405 e 1433 para o Sudeste Asiático, África, Golfo Pérsico e Índia. Os barcos do almirante chinês chegavam a ser cinco vezes maiores que as caravelas que levaram Colombo à costa da América. Segundo Maddison, as expedições chinesas não tinham a intenção de estabelecer colônias, mas estender a idéia de que a China era um país superior e, com isso, ter Estados tributários, como a Coréia e o Vietnã.
O que levou à China à
decadência, segundo Maddison, foi justamente a crença de que o país era
líder, tinha tudo o que precisava, e não precisava saber o que os outros
faziam. Com esta mentalidade, se isolaram do mundo. A idéia de embaixadas,
por exemplo, já comum na Europa no século XVIII, era inexistente na China,
onde missões estrangeiras eram autorizadas a permanecer durante poucos dias,
sob intensa vigilância do Estado. Acabaram se chocando com o Império
Britânico, que investiu no comércio exterior e acabou se sobressaindo. Os percalços da reforma A ponta oposta do sucesso: os novíssimos problemas chineses Toda essa rapidez dos avanços na China também trouxe várias conseqüências negativas para os chineses. "Apesar de todo o país estar crescendo, há importantes desafios para enfrentar: a má distribuição de renda, o desnível social nas diferentes regiões do país, o desemprego, o nível econômico médio relativamente baixo e maior inovação tecnológica", admite o embaixador da China no Brasil Chen Dung Qing. As reformas e a urbanização aconteceram às custas da qualidade de vida de milhares de trabalhadores e da desigualdade social. Explorados, milhares de camponeses invadem a cidade para preencher os postos de trabalho da construção civil - processo que se repete em todos os grandes centros urbanos do país. No livro "China - o renascimento do império", Cláudia Trevisan relata que, em muitas construções, os turnos são ininterruptos e os operários trabalham à noite, iluminados por imensos holofotes fixados aos guindastes. Moram em alojamentos apinhados de outros camponeses, ganham algo entre US$ 50 e US$ 100 por mês, não têm descanso remunerado e nem assistência médica, mas continuam a chegar, empurrados pela falta de trabalho no campo. Segundo Cláudia, a China não possui uma rede de segurança social que se supõe existente em regimes comunistas. A maior parte da população tem de pagar por serviços de saúde, a aposentadoria é um benefício que existe para poucos e as universidades, mesmo as públicas, cobram anualidades que crescem a cada ano. A idéia de um sistema de saúde público e universal, com assistência gratuita ao menos para os mais necessitados, não é disseminada na China de hoje. "Até os mais desprovidos têm de pagar por tratamentos médicos e o próprio governo admite que várias famílias de camponeses terminaram endividadas para tratar de doenças como câncer ou Aids", diz. Para que fosse possível o acesso de parte da população à Educação de qualidade, o nível de renda de parte da população aumentou, em detrimento da queda de renda da maioria. "A nova China que aparece no Ocidente tem um endereço certo: ela é representada pela classe média emergente que vive nas grandes cidades da costa leste do país, como Pequim, Xangai, Shenzhen, Nanquim ou Guangzhou. Essa região liderou o crescimento econômico dos últimos 27 anos e se distanciou do restante do país, especialmente das províncias pobres do oeste. O Partido Comunista, que, por definição, deveria reduzir injustiças, vive o dilema de dirigir um dos países no qual a desigualdade aumenta mais rapidamente em todo o mundo. As disparidades são crescentes entre as regiões leste e oeste, entre o campo e a cidade e entre ricos e pobres. Os 58% da população que vive na zona rural viu pouco dos benefícios trazidos pela expansão da economia a partir de 1979", relata Cláudia em seu livro. As disparidades entre a população urbana e rural são enormes. Em 1990, a população urbana ganhava em média 2, 2 vezes mais que a rural. A distância subiu constantemente desde então, atingindo 3,11 vezes em 2002 e 3,22 em 2005. Apesar de empregar a maior parte da população, a agricultura contribui com apenas 13,1% da economia nacional, de acordo com os novos números divulgados pelo governo chinês em dezembro de 2005. Enquanto que a atividade industrial representa 46,2% da economia e o setor de serviços, 40,7% - mais do que os 33% estimados anteriormente. O desequilíbrio é registrado pelo índice Gini, utilizado internacionalmente para medir as disparidades de renda dentro de uma mesma população. Entre 1991 e 2004, o indicador passou de 0,28 para 0,44, o que coloca a China em pior situação que a de seu antigo adversário ideológico, os Estados Unidos, que têm índice Gini de 0,41, e do ainda comunista Vietnã, que exibe a marca de 0,36. Apesar de aparentemente caminhar para a 'latinização' de sua sociedade, com o aumento dos contrastes sociais, a China ainda está distante do Brasil, um dos campeões da desigualdade no mundo, com índice Gini de 0,54. A China como um todo está mais rica e conseguiu neste século ultrapassar a barreira do US$ 1 mil de renda per capita anual, mas no campo o rendimento médio gira em torno de US$ 400 ao ano. Entre 1979 e 2002, o crescimento econômico retirou da pobreza 400 milhões de pessoas, segundo dados do Banco Mundial. Nesse período, o índice de pobreza na China caiu de 49% para 6,9% da população total. Apesar dos avanços, o Banco Mundial calcula que o país ainda tem quase 90 milhões de pessoas que vivem com menos de US$ 1 ao dia, linha que define pobreza para a instituição. O governo chinês utiliza um critério diferente e reconhece a existência de 28 milhões de pobres. Entre os pobres da China, os mais desfavorecidos são os migrantes rurais, um contingente estimado entre 130 milhões e 150 milhões de trabalhadores que 'sobram' no campo e têm de vagar pelo país em busca de emprego. Esse grupo tem pouca escolaridade e está disposto a trabalhar por baixos salários e em condições precárias, contribuindo para um dos principais elementos do milagre chinês: um exército de mão-de-obra abundante e barata. "Os canteiros de obras das cidades são ocupados por migrantes rurais, que trabalham seis dias da semana com um salário mensal que varia de US$ 50 a US$ 100. A cada mês, recebem uma quantia suficiente para despesas básicas, como alimentação, e só são remunerados pelo trabalho no fim de um ano de contrato. Os migrantes enfrentam ainda problemas para ter acesso a serviços de saúde e educação nas cidades. A China possui um antigo sistema de registro dos moradores em seus domicílios chamado hukou, adotado para evitar a migração interna. Para ter direito a registrar seus filhos na escola, por exemplo, os habitantes precisam apresentar sua identificação como residentes da cidade, o que os migrantes rurais não possuem. Outro problema são os constantes atrasos no pagamento de salários ou o simples calote das empreas", relata Trevisan.
A Política de
Planejamento Familiar também traz vários problemas sociais. Hoje há 40
milhões de homens a mais do que mulheres na China. A desproporção entre
gêneros ameaça o crescimento saudável, harmonioso e sustentável da população
do país e desencadeia crimes como casamentos por dinheiro, seqüestros de
mulheres e prostituição, segundo Li Weigiong, um dos responsáveis pela
questão populacional no governo chinês. Pedagogia torta O mesmo sistema de meritocracia que, a princípio, torna possível que todos sejam vencedores, oprime e pressiona os chineses, inclusive as crianças, obrigadas a estudarem arduamente para serem "as melhores". Há campeonatos nacionais em diversas áreas do conhecimento que mobilizam crianças e jovens a varar madrugas estudando, como o de caligrafia chinesa, no qual participam cerca de 3 mil crianças e jovens, pressionados pelas escolas para conseguir uma boa colocação no ranking nacional. Os vencedores ganham aulas extras e são aplaudidos em cerimônias que reúnem estudantes do país inteiro. Tudo isso fruto do estímulo à competição e ao aprimoramento dos talentos individuais, dirigidos a transformar o país numa fábrica de gente qualificada e competitiva para atuar na economia global. É essa mesma vontade de ser a "número 1" do mundo que leva a rigidez na cobrança de disciplina nas escolas na China. Vira e mexe a imprensa divulga escolas que usam de castigos corporais para "educar" as crianças. É o caso da West Point, um acampamento que recebe o nome da famosa academia militar dos Estados Unidos. Segundo informações divulgadas pelo Los Angeles Times, em setembro deste ano, as conseqüências do mau comportamento nesta escola são chicotadas sem camiseta, mesmo no inverno mais rigoroso e diante de toda a escola. Os alunos também podem ser obrigados a engolir uma concha de molho de pimenta ou mastigar uma erva chinesa amarga que deixa a língua amarela durante horas.
Fonte: UniversiaBrasil, Bárbara Semerene, 8/11/2006.
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