Governo lança programa de incentivo para mulheres negras, indígenas, quilombolas e ciganas na ciência
A Universidade Federal do Pará (UFPA) foi o local escolhido pelo governo Federal para lançar o primeiro programa de ações afirmativas voltadas exclusivamente para cientistas negras, quilombolas, indígenas e ciganas. O Atlânticas – Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência é uma iniciativa do Ministério da Igualdade Racial em parceria com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ministério das Mulheres (MMulheres) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e vai oferecer 45 bolsas de estudos de doutorado sanduíche e pós-doutorado em universidades do exterior. As inscrições vão até 31 de janeiro de 2024.
Para se inscrever na categoria doutorado sanduíche no exterior (SWE), as candidatas deverão estar matriculadas em cursos de doutorado reconhecidos pela Capes, ter conhecimento do idioma da instituição de destino, ser brasileira ou estrangeira com visto permanente.
Para o Pós-doutorado no exterior (PDE), as candidatas deverão ter o título de doutorado no momento da inscrição e se dedicar integralmente às atividades programadas pela instituição de destino. Podem concorrer ex-bolsistas de doutorado no exterior de agências nacionais que cumpriram o prazo mínimo exigido pela instituição. Também é requisito o cumprimento do interstício mínimo de três anos entre dois pós-doutorados no exterior com bolsa do CNPq.
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Diversidade na Ciência
No lançamento do programa a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, destacou que pessoas com diferentes identidades e experiências podem trazer novas questões de pesquisa e desenvolver outras abordagens metodológicas e analíticas para a solução de problemas, e que isso é fundamental para o desenvolvimento da nossa Ciência.
“A ciência do nosso país ainda é predominantemente branca e, apesar das mulheres serem a maioria entre os mestres e doutores, os postos mais altos da carreira científica ainda são ocupados majoritariamente por homens. Assim, o Atlânticas veio para impulsionar uma ciência no Brasil com a nossa cara de mulher negra, favelada, indigena, quilombola e cigana”, declarou a ministra.
A professora do Departamento de Ciências Sociais da UFRRJ, Luena Nascimento Pereira, sobrinha da intelectual e militante que dá nome ao Programa Beatriz Nascimento de Mulheres na Ciência, explica que objetivo desta política afirmativa é fortalecer e dar um salto qualitativo na formação e inserção de mulheres não-brancas no mundo acadêmico. Outro objetivo é visibilizar os obstáculos que mulheres não-brancas encontram na carreira acadêmica, sobretudo nos estudos de alto nível, ou seja, a partir do doutorado.
“Apesar das mulheres terem alcançado um nível educacional equivalente ou superior aos homens, existem duas características muito marcantes. Primeiro que as mulheres avançam na carreira mais lentamente do que os homens. E em segundo, existe um gap muito acentuado entre mulheres brancas e mulheres não-brancas na ocupação de postos superiores na vida acadêmica. Até mesmo entre homens não-brancos e mulheres não-brancas essa diferença é acentuada. Então esses dois atravessamentos deixam as mulheres negras em estado de desvantagem, tanto frente a mulheres brancas, como de homens não-brancos”, explica a pesquisadora.
De acordo com dados apresentados pelo Ministério da Igualdade Racial, apenas 4,9% das bolsistas de doutorado sanduíche são mulheres negras, enquanto as brancas possuem 30,9% das bolsas financiadas pelo CNPq. Já no pós-doutorado no exterior, as mulheres brancas detém 37,7% das bolsas, enquanto as mulheres negras ficam com 12,6%.
Beatriz Nascimento: intelectual, militante e heroína da pátria
Além de dar nome ao primeiro programa exclusivo para cientistas negras, quilombolas, indígenas e ciganas, em 2023 Beatriz Nascimento foi incluída no Livro de Heróis da Pátria. Criado em 1992, o livro reúne protagonistas da liberdade e da democracia que dedicaram a vida ao país. A inscrição de um nome depende de lei aprovada no Congresso, e no caso de Beatriz Nascimento, a proposta de inclusão foi feita pelo senador Paulo Paim (PT-RS).
A intelectual é considerada internacionalmente uma das expoentes do feminismo negro e se dedicou à pesquisa sobre a formação dos quilombos no Brasil e a resistência da cultura negra. Nascida em Aracaju, no Sergipe, Beatriz migrou junto com a família para o Cordovil, bairro do subúrbio carioca.
Sua trajetória acadêmica começou na UFRJ, quando cursou História. Nesse período também foi estagiária do Arquivo Nacional, sob a orientação do historiador José Honório Rodrigues. Em seguida, a historiadora fez uma especialização em História na UFF.
Beatriz também atuou como professora na rede estadual fluminense, foi poeta, militante do Movimento Negro Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), que mais tarde se tornou o Movimento Negro Unificado (MNU).
Hoje, a UFRRJ tem entre o corpo docente uma das herdeiras do legado de Beatriz Nascimento. Luena Nascimento Nunes Pereira é antropóloga e sobrinha de Beatriz Nascimento. A professora conta que traz essa herança da educação da família, e que a intelectual está incluída dentro de um contexto mais amplo.
“Beatriz não foi a única professora da minha família, meu pai também era. Eu tinha uma outra tia que também era professora. O interesse pela pesquisa sempre foi uma coisa que eu tive muito presente, tanto pela influência da Beatriz quanto do meu pai, José Maria Nunes Pereira, que também foi sociólogo. Ele estudou África e tem teses sobre Angola. Então acho que escolhemos o mesmo caminho da docência”, conta a professora.

Luena Nascimento Nunes Pereira é professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRRJ, na Área de Antropologia.
Legado
Sobre a homenagem do Ministério da Igualdade Racial ao dar o nome de Beatriz Nascimento para programa de mulheres na ciência, Luena acredita que existe um interesse em resgatar as contribuições que intelectuais negros e negras tiveram na nossa história.
“Uma série de autores e intelectuais negros eram considerados pela academia e pelo pensamento hegemônico brasileiro como meramente militantes, e suas produções não tinham validade acadêmica. Então quando a barreira entre pensamento militante e pensamento acadêmico passa a ser questionado, o trabalho de Beatriz Nascimento e de outros intelectuais negros e negras passam a ser vistos de outra forma”.
Para a professora, o ingresso de mulheres, negros, indígenas e quilombolas na universidade foi o que provocou essa mudança e a partir disso, o pensamento acadêmico passa a estar associado à luta política. Ela também defende que as ideias de Beatriz Nascimento devem ser revisitadas, recuperadas, relidas e re-situadas dentro deste novo contexto em que vivemos.
“A sua tese histórica e historiográfica sobre o quilombo, a ideia do quilombo como um processo histórico de longa duração. A ressignificação de conceitos e noções como território, corpo, memória eram proposições que ela fazia há décadas e que recentemente tem vindo à luz. São teses avançadas para o tempo que ela formulou essas ideias”.
Luena indica o filme Ôrí como ponto de partida para conhecer o pensamento de Beatriz Nascimento. Nesta obra cinematográfica dirigida pela cineasta e socióloga Raquel Gerber, Beatriz é a narradora e roteirista que documenta os movimentos negros brasileiros das décadas de 70 e 80, e as conexões entre Brasil e África. A partir de sua história pessoal, Beatriz apresenta o quilombo como ideia central de um contínuo histórico. Na língua yorubá Ôrí significa cabeça, também atribuída a intuição espiritual e destino.
Para além do filme, a professora acredita que a melhor forma de manter viva a herança de Beatriz Nascimento é estar sempre em contato com a sua vasta obra. “Os textos dela são muito variados. Tratam dos dilemas do movimento negro, das problemáticas raciais, da história, são questões muito pungentes. Eu acho que uma pessoa interessada em Beatriz vai encontrar um universo muito interessante para ser explorado. São textos ricos para serem lidos e refletidos”, finaliza.
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