Entrevista com a pesquisadora Florence Belladonna Travesti
25 de janeiro de 2022
Imprensa ADUR-RJ
Florence Belladonna Travesti é historiadora pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e atualmente cursa o mestrado em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ). Florence é a primeira travesti em uma pós-graduação da Rural, sobretudo no stricto sensu da Universidade.
A pesquisadora nasceu no interior do Rio Grande do Norte, na região do Seridó, zona rural do estado. Florence passou grande parte da infância entre a pequena cidade de São João do Sabugi e o município de Caicó, onde começou a cursar a faculdade de História. Em entrevista à Imprensa ADUR-RJ, Florence contou como foram seus processos de entendimento pessoal e identitário até entrar no ensino superior.
“Eu já saí do ensino médio pensando em fazer história porque vivi uma vida até a adolescência de um não-lugar, no sentido de que eu não me encontrava espelhada. E eu compreendi aqui que se tudo teria história, logo, a história poderia me explicar também um pouco sobre as questões do preconceito, do rechaço social que pessoas LGBTs vivem”, relatou.
Florence, que é cotista, destacou a importância que tem para ela reafirmar e demarcar a ocupação do seu espaço na academia e do seu direito de luta, não apenas por conta de processos de transfobia, mas também levando em consideração aspectos de acessibilidade.
“Entrei em história e logo entrei também em uma lacuna de não-explicação até que em 2016, uma professora e um professor substituto lançaram um curso sobre estudos decoloniais e foi quando eu tive o primeiro contato com estudos decoloniais, queer, pós-estruturais e estudos interseccionais de raça, gênero e classe. Foi então quando eu encontrei explicações e conteúdo que pudesse compreender a realidade que eu vivo, de gênero, de classe… a realidade de uma travesti interiorana, criada e crescida no mato. E também como essas ambiências poderiam se desenvolver, em relação a mim, e em relação minha com elas. Estudando sozinha e lendo autores destes campos de estudo, eu acabei compreendendo a importância de permanecer na academia”, descreveu a pesquisadora.
Ela considera que a academia é um marcador social de como as realidades podem ser mudadas a partir da educação e afirma a necessidade de se pensar em possibilidades de inclusão, uma vez que grande parte das travestis tem o direito à educação negado ainda na escola.
“Nós estamos falando de um grupo social que cerca de 90% dele está fora da educação e apenas 0,02% destas pessoas trans do Brasil estão no ensino superior, de acordo com estudos feitos por travestis. Então, precisamos pensar e demarcar estes locais de acessibilidade, mas claro que quando a gente pensa em um montante tão grande quanto 90% de um grupo social, a gente entende que cotas para pessoas trans ainda são insuficientes, precisamos pensar em uma mudança de realidade estrutural para essas pessoas. Me refiro à possibilidade mínima de renda, que é por meio de bolsas de permanência para pessoas trans na graduação e na pós-graduação, sobretudo no stricto sensu”, pontua.
Florence conta que, ainda na graduação, todos os anos, ela ficava olhando os calouros que davam início ao curso na esperança de ver pessoas trans chegando para ocupar estes espaços, mas isso nunca acontecia. Florence sempre foi a única pessoa trans nos espaços onde ela estudou.
“Além da gente não ter uma representação fortificada, também tem o fato da gente ter uma instabilidade muito grande na permanência nos cursos de graduação e pós-graduação, porque a sociedade normativa não nos emprega. E aí, como é que fica você estuda sem ter renda? Se a sociedade normativa, preconceituosa, não emprega travesti? A gente precisa pensar nisso, nessas possibilidades”, questiona Florence.
Para Florence, o acolhimento familiar que recebeu de sua mãe foi o que fez com que ela se tornasse um ponto fora da curva nas estatísticas de violência, de trabalhos subalternizados e de marginalizações vivenciadas por pessoas trans no Brasil. No entanto, a estudiosa reforça que apesar disso, não está livre, porque a qualquer momento, pode ter a vida totalmente desestabilizada pelo preconceito, pelas normatividades.
“A academia precisa pensar nisso enquanto uma dívida histórica, até porque, quando a gente vai pensar essa construção de conhecimento, e sobretudo esse contra-conhecimento político que estamos abordando, as travestis se colocam para pensar outras possibilidades epistêmicas, a gente está pensando em uma academia que também deu o nome às pessoas subalternizadas, que também fortificou e fortaleceu preconceitos”, ressalta.
Com relação às expectativas para o futuro, Florence comenta que quer poder ter estabilidade para continuar estudando e que estudar para ela não seja estressante, com questionamentos sobre permanência, por conta da dependência de fatores externos, como a já mencionada questão das bolsas de estudo.
“Para o futuro, eu espero isso: possibilidade e tranquilidade de terminar o mestrado, de continuar no doutorado, de ser professora, de fazer ciência em um país muito violento para as dissidências de gênero, mas que também nos possibilita, a partir da educação, mudanças drásticas de vida”, conclui ela.
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