Futebol e política: da Copa América ao nacionalismo do esporte
Reportagem da Semana
16 de julho de 2021
Imprensa ADUR-RJ
Por Pollyana Lopes e Larissa Guedes

Seleção brasileira que disputou a Copa América 2021, sediada pelo Brasil. Imagem: Reprodução Extra Online.
A Copa América 2021 terminou no último sábado, 10 de julho, com o jogo da final consagrando a vitória da Argentina sob o Brasil em pleno Maracanã. A seleção argentina venceu após ter feito um único gol em uma partida acirrada pela rivalidade em campo dos dois times, em um campeonato marcado pelas contradições e desorganização em sua realização por conta da pandemia da COVID-19.
Após negociação com a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), a prefeitura do Rio Janeiro autorizou que, no jogo da final, o Maracanã tivesse 10% da capacidade do estádio ocupada, ou seja, uma média de 5 mil pessoas. Em entrevista coletiva, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, defendeu a realização do evento por considerar que se tratava de uma “excepcionalidade”, mas afirmou que outros jogos permanecerão acontecendo sem a presença de torcidas.
A Copa América 2021, que já havia sido adiada desde 2020, só aconteceu no Brasil porque as sedes anteriores, Colômbia e Argentina, se recusaram a receber o evento por conta de problemas sociais, políticos e sanitários ocasionados pela pandemia da COVID-19: a Colômbia vivia uma onda de protestos agravados pela crise econômica gerada pela pandemia e a Argentina passava por um surto no número de casos da mesma doença.
Com a data do torneio se aproximando, a Conmebol recorreu ao Brasil – mesmo este sendo o segundo país com maior número de mortos pela COVID-19 no mundo – cujo governo federal imediatamente aceitou sediar o evento. O presidente Jair Bolsonaro, seguindo na contramão de todas as recomendações de segurança sanitária, afirmou que o Brasil poderia receber o campeonato, porque já estão acontecendo outros jogos no país, como os da Libertadores.
Como forma de “agradecimento” ao Brasil, por ter sediado o evento após uma decisão às pressas, a Conmebol enviou ao país cerca de 20 mil doses de vacinas contra a COVID-19, recebidas pela organização pela farmacêutica Sinovac. Em nota, a Conmebol definiu a doação como “um gesto de solidariedade com o povo brasileiro”.
No entanto, desde o anúncio da realização da Copa América no Brasil, especialistas e profissionais da saúde criticaram a decisão do governo Bolsonaro e alertaram para o risco de agravamento da situação da COVID-19 com a realização do evento e a circulação de tantas equipes de localidades diferentes pelo país. Então, logo após o fim do campeonato, na segunda-feira, 12 de julho, o Instituto Adolfo Lutz identificou uma nova variante do coronavírus no Brasil, a chamada B. 1.216, proveniente da Colômbia e relatada em Cuiabá, no Mato Grosso, uma das cidades sedes do torneio.
No total, foram registrados 168 contágios confirmados de COVID-19 entre os envolvidos na realização da Copa América, quase o triplo de gols marcados em toda a competição, apenas 60. No início do mês de junho, quando o anúncio de que o evento seria realizado no Brasil foi divulgado, o país tinha cerca de 460 mil mortos pela COVID-19. No fim do campeonato, a marca ultrapassou 530 mil óbitos.
Após o fim do campeonato, um dos jogadores da seleção brasileira, o lateral Danilo Luiz, se manifestou em suas redes sociais sobre a realização da Copa América no Brasil diante do grave quadro da pandemia no país. O atleta afirmou que considerava um momento inoportuno para a realização do evento no Brasil: “Naquilo que quer dizer ser humano, sobre empatia e pensar no próximo, acredito e considero que não era o momento para a realização do torneio em nosso país. Sendo tudo resolvido e aceito num piscar de olhos, desrespeitando todos os tipos de problemas que estamos enfrentando como nação”, escreveu Danilo em sua conta no Instagram.
Futebol: um símbolo cultural nacional

Torcedores brasileiros durante jogo da seleção na Copa do Mundo de 2014. Imagem: Reprodução CNN International.
Quando se fala em futebol, é comum a divisão dualista entre os que gostam e os que não gostam do esporte, entre os críticos e os apaixonados. Entre os que chamam de alienação, que apontam os casos de corrupção e violências múltiplas presente nas estruturas internas dos times e federações. E os aficionados (ou nem tanto), os apreciadores do jogo, das conversas sobre a última rodada do campeonato, da capacidade de sociabilidade proporcionada pela paixão por um time, e pelo esporte.
Os estudiosos do futebol apontam que o esporte, principalmente no Brasil, ultrapassa uma questão de apreço pessoal: ele é um dos principais fenômenos culturais nacionais e se configura, portanto, como uma ferramenta para compreender a sociedade brasileira. O futebol é um fenômeno de massa, e tem manifestações muito diversas. As instituições, como as estruturas internas dos times de futebol, a CBF, e até mesmo a FIFA são uma dessas expressões. E, de fato, os casos de corrupção são incontáveis.
Mas um aspecto pouco discutido nas mesas de bares, apesar de estudado e analisado na academia, é a relação dos torcedores, com o time, entre si, entre torcedores de times rivais, etc. O futebol proporciona um tipo de sociabilidade específica, na qual as diferenças são demarcadas, a rivalidade é motivo de piadas, gozações e incontáveis brincadeiras (às vezes pouco saudáveis); mas que também partem de um princípio dialético, de que, é a existência do diferente (do time e dos torcedores diferentes do seu próprio) que proporcionam toda a relação.
A professora do CTUR/UFRRJ, Regina Cohen, é uma torcedora convicta e sócia do Clube de Regatas Vasco da Gama e conta que o futebol, para ela, é uma possibilidade de aprendizado. “O futebol me fez ver uma série de coisas importantes na sociedade, não apenas como um lazer, mas também como uma forma de inserção social e política, uma forma de conhecer pessoas, trocar informações e conhecimentos, etc. O futebol, para mim, é como se fosse uma escola”.
Torcer por um time não é algo simples de explicar, mas Regina conta que sua relação com o Vasco vai além da emoção, ela também é uma admiradora da história do clube:
“Eu sempre encarei o futebol como um lazer, porém, por eu torcer por um clube muito tradicional do Rio de Janeiro, eu procurei saber sobre a história do clube, que traz muitas lutas pela inclusão social. É um clube que sempre valorizou as causas dos trabalhadores. Até a década de 50, sediava todos os desfiles de 7 de setembro e os discursos dos trabalhadores no 1º de maio. Além de ser um time de futebol, é um clube que eu frequento e faço parte do lado político”, comenta.
Ela acrescenta, ainda, sobre a relação do seu clube com as causas sociais. “O Vasco da Gama tem movimentos que lutam pela causa antirracista, pela causa LGBTQIA+, além de ter um colégio dentro dele para colocar na escola as pessoas que não podem estar dentro da sala de aula, programas de auxílio financeiro para os atletas, o que é muito importante porque valoriza o esporte e a formação do indivíduo enquanto ser inserido na sociedade. Eu enxergo o Clube de Regatas Vasco da Gama como uma instituição totalmente à frente do seu tempo quando trabalha o social, o político e o esporte enquanto desafios da sociedade como um todo”.
Apesar do apreço político e social pela história do seu time, a emoção, obviamente, também é essencial para a torcida de Regina. “Eu sinto muita emoção e alegria pelo meu time que é meu clube. Sinto esperança de coisas melhores por viver momentos alegres, porque meu clube é um clube social, de inserção”, conta Regina, que também comenta sobre as rivalidades entre os times. “É claro que eu não gosto quando as pessoas falam mal do meu time e ainda desmerecem o clube. Eu fico chateada, mas não fico revidando certos tipos de brincadeiras. As pessoas gostam muito de falar mal e fazer zombações com Clube de Regatas Vasco da Gama, classificam como um time de segunda, etc. Isso me dói muito o coração, me sinto muito triste com isso”.
A relação entre futebol e política
O futebol é reconhecido como o esporte nacional. Esse título poderia ser justificado por sua popularidade, mas também é possível observar a questão “ao contrário”: ele é popular porque é o esporte nacional. O futebol chegou ao Brasil no final do século XIX, e nas primeiras décadas do século XX foi ganhando popularidade. Mas foi a partir do governo Vargas que ele se tornou um símbolo de nacionalidade.
Foi durante o governo de Getúlio Vargas que a ideia de certo tipo de patriotismo brasileiro começou a ganhar centralidade. A criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), um órgão público voltado para a censura e para propaganda estatal, foi uma das ações neste sentido. Não à toa, foi durante este período que o rádio teve sua época de ouro. Além dos shows de calouros, radionovelas e noticiários jornalísticos, a Rádio Nacional também transmitia, por todo o país, jogos de futebol.
A associação entre a Seleção Brasileira de Futebol e a representação nacional se torna evidente, principalmente, durante as Copas do Mundo. O campeonato recebe uma extensa cobertura midiática, toda a publicidade se volta para o assunto, há uma grande mobilização popular, com ruas enfeitadas, telões em locais públicos, famílias e amigos unidos para assistir aos jogos da Seleção Brasileira. Torcer, vestir a camisa da seleção brasileira, sob estas condições, comove um sentimento de pertencimento e de coletividade.
Porém, a partir de 2016, quando manifestações conservadoras pedindo o impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff, tomaram as ruas se apropriando das cores verde e amarela, e da camisa da seleção brasileira, vesti-la ganhou outros sentidos. A associação entre o patriotismo conservador e a camisa tornou-se comum. No carnaval carioca de 2018, a escola Paraíso do Tuiuti roubou a cena com uma sátira na qual apresentava, no seu desfile, foliões vestidos com o uniforme da seleção brasileira, apelidados pela escola de samba de “manifestoches”.
No entanto, a associação dos símbolos nacionais citados ao conservadorismo político não é recorrente. O movimento dos Caras-Pintadas que, em 1992 tomou as ruas para pedir o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, utilizou assiduamente o verde e amarelo. O movimento era organizado principalmente por grupos progressistas ligados às causas sociais, a partidos de centro-esquerda e esquerda, e organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes (UBES).
Um movimento no sentido da reapropriação das cores nacionais pelos grupos de esquerda aconteceu nas eleições presidenciais de 2018, quando o candidato do PT, Fernando Haddad, mudou as cores da sua campanha no segundo turno – disputado contra o então candidato do PSL Jair Bolsonaro –, para o verde e amarelo da bandeira do Brasil como forma de se apropriar dos símbolos nacionais, então associados à extrema-direita bolsonarista.
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