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ADUR Online #38: Paulo Freire, seu centenário e a pandemia

ADUR Online

 30 de abril de 2021

Por Aristóteles Berino

 

“Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual, se propõem a si mesmos como problema” (FREIRE, 2005, p. 31).

 

Não o acaso, mas a história, fez com que o centenário de Paulo Freire (1921-2021) ocorresse em um dos anos mais terríveis vividos no Brasil. Ao folhear rapidamente a sua obra mais famosa, mundialmente conhecida, a Pedagogia do oprimido, bati os olhos em uma das suas passagens, logo bem no seu início, que me pareceu não apenas introdutória ao seu pensamento, mas extremamente oportuna para o ano que atravessamos. Estamos ainda nos primeiros meses de 2021, mas a ansiedade é grande, diante do que foi o ano anterior, mas também das incertezas para os próximos meses e mesmo anos. 

 

A “dramaticidade da hora atual” é nada mais nada menos do que uma pandemia que já matou três milhões de pessoas no mundo e trezentas e setenta mil no Brasil, quando escrevo este artigo, no dia 18 de abril. A situação não é a mesma em todos os países, todavia no Brasil está entre as mais sentidas, se olharmos a fotografia do momento e o que ela já revela sobre o que nos espera, não apenas em razão da grave crise sanitária sem solução próxima, mas também dos problemas sociais com os quais convivemos historicamente e que a emergência epidemiológica piora. Estamos falando da insegurança alimentar, vulnerabilidade da educação pública e degradação do mundo do trabalho, sobretudo.   

 

É bom que se diga que a “dramaticidade da hora atual” não é um episódio da história natural. A pandemia da Covid-19 foi criada por nós, humanos, como afirmou David Quammen em artigo publicado em 2020 e que agora é prefácio da sua obra Contágio. Problema que não escapa de uma análise a respeito do capitalismo atual e sua consequente inviabilidade ambiental, tema da obra Capitalismo e colapso ambiental, de Luiz Marques. O problema somos nós, portanto. Mas não de forma indiferenciada, é claro. Somos indivíduos sociais e participamos do drama atual do planeta de acordo com as nossas condições existenciais, em uma linguagem freireana.

Paulo Freire é alguém que chega aos cem anos ainda lúcido para nos ajudar frente aos desafios da nossa era. No Brasil, mas em todo o mundo, vivemos também tempos de pós-verdade, fatos alternativos e fake news. Há um revival dos fascismos, que nunca desapareceram exatamente, mas agora estão em alta. Falando nisso, por aqui existem Bolsonaro e as milícias se expandindo no território das cidades. Mas como Paulo Freire poderia nos ajudar? Ele partiu em 1997, mas possuímos o seu legado e a sua própria história de vida como qualidades para juntarmos ao nosso pensamento e ação política – e agora, em regime de urgência, se desejamos sair da “dramaticidade da hora atual”, ainda em condições de viver e seguir lutando.

 

Como expresso na Pedagogia da indignação, Paulo Freire observou que se a educação sozinha não transforma a sociedade, por outro lado, sem ela a sociedade não muda também. Para Paulo Freire, portanto, o campo da política é também da educação. Está claro o significado, então, quando ele pergunta em Pedagogia da autonomia: “Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?” A educação freireana é indiscutivelmente política e não poderia ser de outro modo. Toda educação é sempre política. Paulo Freire explicita o que não deve permanecer velado sobre a natureza mesma da educação, ela faz parte da nossa visão de mundo.

 

Fortemente influenciado pela fenomenologia e pelo existencialismo, Paulo Freire formulava a educação politicamente como um ato de conhecimento a propósito da nossa presença no mundo e ação libertadora para uma existência integral. Especialmente a partir da década de 1970, sua concepção de mundo é acentuadamente marxista também. Mas importante observar: Paulo Freire manipulou vastas referências filosóficas e possuía conhecimento dos autores que discutiam a sociedade brasileira até a década de 1960, quando precisou partir para o exílio após o golpe de 1964. Segue-se uma trajetória internacional e muitas outras aquisições intelectuais. Assim, é possível dizer, organizou seu pensamento de modo complexo e original, difícil de ser interpretado de modo unidimensional. Usar Paulo Freire é um trabalho de criação também.

 

Agora que nos afligem a pandemia e outros demônios, Paulo Freire, nos seus cem anos, é também uma fonte para nutrir nossas esperanças quando tudo parece estar se fechando sobre a sociedade brasileira. Inclusive, o Paulo Freire da década de 1990 foi um combatente contra o fatalismo neoliberal. Ele já percebia como o perigo de um abatimento poderia sacrificar nossa coragem e produzir a desesperança. O último Paulo Freire falou diversas vezes sobre a importância da utopia e do sonho para continuar lutando. Conhecer e estudar sua obra para seguir firme na luta com confiança. 

 

REFERÊNCIAS

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 51ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Ed. UNESP, 2000. 

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 44ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

 

MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. 3ª ed. ver. e ampliada. Campinas: Ed. Unicamp, 2018.

 

QUAMMEN, David. Prefácio: Nós criamos a epidemia do coronavírus. In: Contágio: infecções de origem animal e a evolução das pandemias. 2ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2020. 

 

Aristóteles Berino é doutor em Educação, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ) e do Departamento de Educação e Sociedade (DES/IM/Nova Iguaçu) e líder do Grupo de Pesquisa/CNPq Estudos Freireanos Contemporâneos e Currículo.

 

*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes  e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.


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