ADUR Online #17: Eleição Municipal: Quem venceu?
20 de novembro de 2020
Por Luiz Martins de Melo
Toda eleição como, uma competição esportiva, os analistas querem logo declarar os vencedores e vencidos. Na competição esportiva ou pelo, menos na maioria delas, é sempre possível saber quem é o vencedor. O futebol é exceção. Talvez por isso a grande maioria dos analistas esteja a afirmar quem perdeu, mas estão com dificuldades em definir o vencedor. Respondem à questão de quem ganhou a eleição municipal com uma reposta que não estava posta na pergunta: o centro político.
Analisar os resultados de uma eleição pela quantidade de vitórias locais de cada partido não diz grande coisa. Mas um fato é sempre um fato. Mesmo que não seja decisivo é necessário levá-lo em conta.
Um sinal relevante que se pode retirar dos resultados eleitorais de 2020 é de que a onda bolsonarista não saiu vencedora e a antipolítica patrocinada por ela e pelo lavajatismo foi derrotada pela volta da boa e tradicional “política” ou como a chamam depreciativamente da “velha política”. Portanto, neste artigo a denominação será aa clássica sem adjetivos: a volta por cima da “política” sobre a onda bolsonarista iniciada em 2018.
A onda bolsonarista não foi derrotada por uma onda contrária de esquerda. Longe disso. Foi barrada pelas velhas estruturas da política tradicional (clientela) enraizadas na nossa tradição conservadora-autoritária que fez parte da transição da ditadura civil-militar para a democracia a partir da década 1980. Essa tradição conservadora-autoritária avançou nas eleições atuais nas pequenas cidades. O desempenho do PSL e do Republicanos os partidos mais representativos da onda bolsonarista mostra bem isso cresceram 200% e 102% respectivamente em número de prefeituras em relação a eleição de 2016.
Esse “baixo clero” conservador foi aquele que colocou freios ao impulso reformador social, nacionalista e democrático da Constituinte de 1988. Esse conservadorismo-autoritário é herdeiro da alta representatividade das regiões mais conservadoras do país criada pela “reforma eleitoral” da ditadura em abril de 1977. Essa fração conservadora-autoritária aliada aos liberais-conservadores vai formar o Centrão que apoiou e aprovou as reformas neoliberais dessa mesma Constituição, a Lei do Teto do Gasto e a reforma trabalhista com Temer, e a Reforma da Previdência com Bolsonaro e Guedes. Reformou para pior os melhores capítulos da Constituição de 1988.
A hegemonia política que saiu do processo de transição da ditadura para a “Nova República” foi liderada pelo MDB, PSDB e PT. Não devemos ter ilusões de que esse mundo de antes da Lava Jato e Bolsonaro vai voltar. PT, PSDB e MDB continuaram perdendo prefeituras em 2020, assim como PSB e PDT. O Centrão a grande frente inorgânica que venceu a eleição de 2020 são os herdeiros do espírito conservador-autoritário e (neo)liberal-conservador do DEM. Todas essas tradições de fazer política que estavam presentes na Nova República hoje constituem o grupo que domina o Congresso Nacional enraizado no DEM, no PP, no PSD, no PL e demais partidos integrantes ou ex-integrantes do Centrão.
O importante é entender que tal conservadorismo age politicamente para conquistar espaços de poder no aparelho estatal com absoluto pragmatismo. Foi uma barreira que impediu o autoritarismo de Bolsonaro durante a pandemia, mas o protegeu do impedimento. Patrocinou e aprovou o golpe institucional e o impedimento de Dilma Rousseff sem nada que parecesse com as afrontas de Bolsonaro à Constituição. A eleição de 2020 acabou de tornar Bolsonaro ainda mais refém da política do Centrão.
Do ponto de vista da motivação eleitoral para votar ao que parece prevaleceu uma reação a política do Bolsonaro no enfrentamento da pandemia. A resposta perante a Covid-19 parece muito significativa para explicar a preferência pela continuidade e a rejeição a experimentar novos prefeitos.
Porém, será um erro crasso subestimar Bolsonaro pelo resultado das eleições de 2020. Provavelmente vai acelerar o seu comportamento oportunista em aliança com o Centrão e procurar fazer o mesmo movimento que fez quando transformou o auxílio emergencial em seu.
No entanto, para isso, vai ter que enfrentar a mãe de todas as lutas políticas atuais: a preservação ou não do teto do gasto público federal, a maior limitação política à retomada do crescimento econômico, para a geração de empregos e a diminuição da desigualdade social. E em sendo mantido, o teto de gastos vai aumentar a crise social, econômica e política no início de 2021.
Essa é uma matéria que divide o Centrão. Existe o Centrão da Faria Lima e Guedes com BabyMaia e o Centrão dos prefeitos que vão assumir no início de 2021 sem receitas para atender as suas promessas de campanha.
A lei do teto de gastos como o seu irrealismo em 2021 – pelo limite a repasses federais para municípios e ao auxílio emergencial, e pelo efeito da estagnação do PIB sobre a arrecadação tributária- vai gerar uma crise enorme que ode levar uma conjuntura próxima da de 2013. Se a resultante da luta política for o fim do teto do gasto ou a sua flexibilização, melhor será para o país, mas também para Bolsonaro.
Difícil para Bolsonaro será manter a moderação que foi escolha preferencial dos eleitores. Bolsonaro não vai levar isso em consideração dado o seu ideário político e o seu objetivo de avaliar tudo pelo seu sucesso em 2022 e pela liberdade da família. Esse poderá ser outro ponto de tensão com o Centrão.
Nesse quadro a direita (neo)liberal, pretensamente moderna representada ela grande mídia e pelas viúvas de Moro tenta lançar a alternativa de centro apelando para o que aconteceu nos EUA: o Biden brasileiro por oposição ao Trump brasileiro. Estão decretando para 2022 o fim da polarização com a moderação do centro.
Essa visão é falsa. Joe Biden foi eleito porque teve o apoio da esquerda progressista do Partido Democrata, na qual a maior parte dos expoentes nasceu justamente de lutas contra o racismo e o preconceito. A direita liberal-conservadora que se pretende detentora do direito de representar o centro moderado tem que primeiro descobrir o que dizer ao povo e arrumar um candidato, entre os muitos que ela tem. Ela nunca conseguiu isso. Nunca teve voto para tal. O Centrão nunca lançou um candidato para presidente. Conseguirá Bolsonaro ser este candidato em sua reeleição?
Luiz Martins de Melo é professor do Instituto de Economia da UFRJ.
ADUR ONLINE é um espaço da base do Sindicato. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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