Ditadura nunca mais!
31 de março de 2023
Celia Regina Otranto / Prof ª da UFRRJ
A década de 1960 deixou no Brasil cicatrizes que marcam o país até os dias atuais. Em 1º de abril de 1964, que depois passou à história como 31 de março, para evitar alusões ao “dia da mentira” irrompeu no cenário nacional o golpe empresarial-militar, destituindo o presidente João Goulart e implantando no país uma ditadura que durou mais de 20 anos. Em pesquisa realizada para estágio pós-doutoral, supervisionada por Dermeval Saviani, na Universidade de Capinas, investiguei os impactos da dessa ditadura na Universidade Rural, que deu origem ao livro intitulado “Uma viagem no túnel do tempo: a ditadura militar vista de dentro da universidade” (OTRANTO, 2010).
Logo depois golpe, no dia 5 de abril de 1964, a Universidade Rural era notícia nos principais jornais da época, que acusavam o reitor Ydérzio Vianna de ser subversivo e de armar alunos para um confronto com os militares. O exército invadiu a Universidade, com base na denúncia de um professor da Agronomia, Milton Cavalcanti. O reitor foi “cassado” e para seu lugar foi nomeado o interventor, Frederico Pimentel Gomes, que ficou por um ano dirigindo a universidade. A partir deste período, o estilo de vida na Instituição mudou radicalmente. Não havia mais liberdade para a comunidade universitária se expressar livremente, pois passou a existir um total controle do que era falado ou escrito na Instituição. Tudo era recolhido e revisado pelos militares. O medo passou a imperar nos corredores e nas salas de aula. O reitor ficou preso por 40 dias no Quartel do Exército de Paracambi, conhecido por “Paiol”. Foi o único reitor cassado e preso no país. Junto com ele estavam vários estudantes, professores e técnicos administrativos. Aqueles considerados mais “perigosos” ficaram em celas individuais e, os demais, em celas coletivas.
Nesta época a Universidade estava muito dividida, pois tinha um grupo de direita que apoiava a ditadura e outro que a combatia. Dentre os nomes mencionados no estudo, houve destaque especial para um professor da Veterinária, chamado de Heitor Barreira. Segundo depoimentos de professores e alunos que foram presos e fizeram parte da pesquisa, Barreira encaminhou ao exército uma lista de “subversivos” com 40 nomes, dentre os quais o primeiro era o do reitor. Dentre os estudantes, muitos foram presos ao longo dos anos, nas várias incursões que os militares fizeram na Universidade. Dentre eles, dois ficaram excepcionalmente marcados pela tortura a qual foram submetidos: Lorenzetti e Dorremi. Ambos eram alunos da Agronomia, sendo que o primeiro era presidente do Diretório Acadêmico. Foram presos à noite dentro da Universidade e, na manhã seguinte foram encontrados na estrada em frente à Instituição, com as mãos atadas, olhos vendados e muito machucados. A violência deixou marcas impossíveis de serem superadas pelos dois jovens. Lorenzetti nunca conseguiu se recuperar das torturas, apesar dos tratamentos. Não aguentando mais a pressão, suicidou-se alguns anos depois.
São muitas as histórias como esta relatadas no livro, fundamentadas em depoimentos de antigos professores, alunos e técnicos e em fontes primárias, como a transcrição de alguns “documentos confidenciais”, salvos da máquina que obrigatoriamente os triturava, localizados alguns anos depois em um dos cofres da Universidade, que me foram entregues para fundamentar a pesquisa. Dessa forma, foi possível descortinar parte da violência a que a Universidade Rural e sua comunidade acadêmica foram submetidas durante a ditadura.
Em marco de 1967, o presidente da república, general Arthur da Costa e Silva, assinou um decreto transferindo para o Ministério da Educação todos os órgãos do Ministério da Agricultura. A então Universidade Rural do Brasil, referência nacional na érea agronômica, era vinculada ao Ministério da Agricultura. Era a Instituição de Educação Superior mais importante daquele Ministério. Ao ser transferida para o Ministério da Educação passou a ser somente mais uma e, para agravar a situação, era uma das menores. Já no primeiro ano da transferência viu seu financiamento reduzido pelo governo federal em 50%, sendo obrigada a diminuir drasticamente o número de vagas discentes que disponibilizava todos os anos. Sua denominação a partir de então passou a ser Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que se mantém até a presente data.
Esse breve relato é apenas um pequeno extrato dos primeiros anos da ditadura militar na UFRRJ. Não deixem de ler a continuidade dessa história na década de 1970, com o AI 05, o DCE–Livre, a criação da ADUR e do SINTUR.
Referência
OTRANTO, Celia Regina. Uma viagem no túnel do tempo: a ditadura militar vista de dentro da Universidade. Seropédica/RJ: EDUR, 2010.
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