ADUR Online #73: “A República de chinelos – Bolsonaro e o desmonte da representação”
23 de maio de 2022
#ADUROnline
Por Eleonora Ziller
A República de chinelos – Bolsonaro e o desmonte da representação é o título do recém-lançado livro de Luciana Villas Bôas, professora do Departamento de Letras Anglo Germânicas e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da UFRJ.
O livro é composto por dois ensaios e na contracapa, uma pequena síntese nos apresenta o coração do argumento: “Um presidente que se deixa fotografar de chinelos em pleno exercício do cargo no Palácio da Alvorada. Um mandatário que se comunica com a esfera pública por meio de vídeos e mensagens de celular em linguagem chula. O que se poderia à primeira vista ser interpretado como meras transgressões ou excentricidades revela-se um modus operandi que atinge o nervo das sociedades democráticas.” A partir daí, a autora se debruça com delicadeza e atenção refinada, analisando em detalhe como essas construções dizem muito mais sobre o processo que vivemos e reclamam um entendimento mais aprofundado do que simplesmente serem mera cortina de fumaça para ocultarem tenebrosas tentações.
As patacoadas do presidente, bravatas que se dissolvem na complacência política de nossas instituições, são submetidas a uma reflexão acurada de Luciana, que articula ciência política, história e estética, num exercício de crítica raro e ao mesmo tempo, urgente. Tendo sido puxado o fio desde a campanha eleitoral, a coerência do projeto bolsonarista não disfarça seus objetivos. Isso por si só deveria nos servir de alerta para o imbróglio que vivemos hoje. Sem alarmismos, mas o impasse é real e não convém menosprezar. Desde sempre o atual governo quis abrir caminho para um golpe autoritário que suprima as liberdades democráticas, os direitos da cidadania e tudo que representa as conquistas de 1988. Avançaram algumas casas, mas ainda não conquistaram o controle do jogo.
Desarrumando o senso comum, Luciana coloca em questão a compreensão corrente do que é “representação”, sua crise e o papel central que ainda desempenha na vida política. O exercício da democracia é terreno instável por excelência, é frágil e muitas vezes contraditório. As armadilhas estão por toda a parte, pois muitas vezes estamos sendo compelidos a defender instituições e tradições que queremos ver superadas. A observação de Newton Bignoto, no posfácio, é precisa: saímos da leitura do livro com a sensação de termos lido sobre o que já sabíamos, ou que sempre pensamos que soubéssemos, mas com uma provocação capaz de trazer nova iluminação a uma paisagem que, de modo muito perigoso, vai se tornando cada vez mais familiar.
Em seu segundo ensaio, Luciana traz a potência da contraimagem que se disseminou no segundo turno das eleições de 2018, quando fomos convidados a ir votar carregando livros, produzindo uma resposta simbólica a uma outra imagem que havia se disseminado no primeiro turno: as armas de fogo que foram fotografadas sobre as urnas na cabine eleitoral. Sabemos que apenas os livros não serão suficientes para nos proteger do que virá nos próximos meses. Mas ainda são antídotos que devemos manter ao alcance das mãos nesses tempos de corrosão e desagregação. Inclusive esse, que recomendo a leitura!
Eleonora Ziller possui graduação em Português-Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987), mestrado e doutorado em Letras (Literatura Comparada) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001), onde trabalha desde 1986. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura e sociedade, literatura brasileira, poesia contemporânea, com estudos sobre Ferreira Gullar e Francisco Alvim . Desenvolve projetos de extensão e de pesquisa com ênfase na construção de novas práticas para a leitura e a crítica literárias, e na proposição de novos parâmetros para o ensino de literatura. Foi diretora da Faculdade de Letras da UFRJ de 2010 a 2017. Durante o ano de 2018 iniciou pesquisa de pós-doutorado na Università Degli Studi di Napoli Federico II desenvolvendo estudos de Literatura e Cinema.
(Informações coletadas do Lattes em 23 de maio de 2022).
*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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