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ADUR Online #60: “DIEESE – um projeto ainda necessário”

ADUR Online #60

27 de setembro de 2021

Por Mahatma Ramos dos Santos ¹

 

Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2021.

 

No Brasil, o custo médio da cesta básica de alimentos em 17 capitais pesquisadas² foi de R$ 569,10, em agosto de 2021, valor 21,3% superior ao apurado em agosto de 2020, segundo o DIEESE. O tempo médio de trabalho necessário para adquirir os produtos da cesta básica foi de 113 horas e 49 minutos. O preço da cesta básica já equivale a 51,7% do salário mínimo nacional vigente (R$ 1.100,00), o qual, por sua vez, é 5,08 vezes inferior ao salário mínimo necessário³ estimado pelo DIEESE, que, em agosto de 2021, equivalia a R$ 5.583,90. 

Ao mesmo tempo que a carestia eleva a insegurança alimentar e a pobreza no Brasil, o desemprego continua a crescer. Segundo a PED (4)  do DIEESE/CODEPLAN, a taxa de desemprego total no Distrito Federal, em julho desse ano, atingiu 18,2% da população em idade ativa. 

As condições de negociação coletiva e recomposição do poder de compra dos salários está cada vez mais difícil nesse contexto. No primeiro semestre de 2021, das 5.826 unidades de negociação coletiva analisadas pelo SAS-DIEESE (5), 50,3% delas registraram reajustes salariais inferiores a variação do INPC-IBGE (perdas salariais), cerca de 32% dessas negociações registraram reajustes iguais ao índice de preços e apenas 17,5% delas conquistaram reajustes reais, acima da inflação. A variação real média dos reajustes salariais apurados foi negativa (inferior a inflação), equivalente a -0,71%, nesse primeiro semestre de 2021. 

Em resposta ao rebaixamento das condições de vida dos trabalhadores/as, entre janeiro e junho de 2021, foram realizadas 366 greves no Brasil, segundo o SAG-DIEESE (6), que totalizaram mais de 15.000 horas paradas. Do total de greves realizadas, 91,8% registraram reivindicações de caráter defensivo, isto é, lutavam pela manutenção de direitos já existentes ou contra deterioração ou descumprimento de direitos estabelecidos por lei, acordo ou convenção coletiva. Cerca de 18% dessas greves tinham em sua pauta reivindicações de caráter propositivo, que incluíam novas conquistas ou ampliação daquelas já asseguradas. E aproximadamente 10,5% das greves realizadas envolviam reivindicações que tinham um caráter de protesto, ou seja, que extrapolavam o âmbito das relações de trabalho.

Todos os dados e informações citadas nos parágrafos acima foram produzidos pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Uma organização criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro desde 1955, que foi e é um instrumento importantíssimo e ainda necessário na construção ativa pelo movimento sindical e pelos trabalhadores/as de um saber técnico-científico autônomo, metodologicamente potente e politicamente engajado sobre as condições de vida dos trabalhadores – formais e informais.

Além de ajudar a iluminar e compreender, mesmo que parcialmente, temas e debates essenciais para os trabalhadores/as, tais como a carestia, desemprego, negociação coletiva e da luta dos trabalhadores pela manutenção de direitos e do poder de compra dos salários.  Uma produção autônoma e da classe trabalhadora de conhecimento, dados, estatísticas e interpretações políticas sobre a conjuntura nacional e, em especial, das relações de trabalho ainda é uma tarefa urgente e central na luta social hoje. Sobretudo em tempos marcados pelo (i) desmonte sistemáticos das quantificações públicas sobre a realidade nacional e por (ii) uma batalha (política e ideológica) em torno da produção de conhecimento e, em especial, do saber técnico-científico.

Fundado por 20 entidades sindicais, todas elas do estado de São Paulo, há cerca de 66 anos, o DIEESE tem hoje uma abrangência nacional e cerca de 700 entidades sindicais associadas.  Não previsto pela estrutura sindical oficial, o DIEESE, esse espaço intersindical, é produto e (re)produtor de um arranjo institucional singular do heterogêneo movimento sindical nacional. Criado com objetivo de assessorar e subsidiar as representações sindicais dos trabalhadores nas negociações coletivas com o patronato, o DIEESE foi além. 

Ainda nos anos 1950, mais precisamente em 1959, quando iniciou a produção das pesquisas do ICV-DIEESE (7) e da PNCBA (8) com metodologia e conhecimento técnico próprio, o DIEESE e o movimento sindical romperam com o monopólio estatal e superam uma dependência em relação a quantificação pública da carestia na cidade de São Paulo. Esse movimento de luta no espaço público sobre as quantificações de categorias como custo de vida, inflação e salários foi essencial tanto para disputa entre capital e trabalho, quanto para legitimar política e tecnicamente esse novo arranjo intersindical diante do heterogêneo movimento sindical nacional e da opinião pública em geral. 

A edificação e desenvolvimento dessa competência técnica na produção sistemática de pesquisas, estatísticas e estudos sobre o mundo do trabalho a partir de uma ótica dos trabalhadores é uma marca do DIEESE, preservada ainda hoje por fração majoritária do sindicalismo nacional. O reconhecimento público dessa competência técnica ocorreu tanto por sua capacidade de fiscalizar a produção pública de estatísticas, como no episódio em que denunciou as fraudes de Delfim Neto dos indicadores de custo de vida durante o Regime Militar (1964-1985), quanto por sua capacidade de interlocução e cooperação metodológica e institucional com outras instituições de pesquisa estatais e não estatais, tais como o IBGE, SEADE, Ministério do Trabalho, etc.

Outro movimento disruptivo do DIEESE foi sua imersão na realização de cursos de formação sindical, ainda nos anos 1970, e, posteriormente, o desenvolvimento de atividades de educação que estão na gênese da Escola DIEESE de Ciências do Trabalho, criada em 2012. Consolidava-se assim o tripé – Assessoria, Pesquisa e Educação – no qual se estrutura, historicamente, a produção técnica do DIEESE.

Não obstante, o DIEESE não se constitui apenas a partir de seu caráter técnico e na produção de estatísticas. O DIEESE é o resultado de múltiplos pactos de caráter eminentemente político, que coexistem e são os eixos dinâmicos dessa instituição. O primeiro deles é o pacto existente entre as diversas frações políticas que integram o movimento sindical brasileiro. É esse pacto que funda, mantem, atribuiu singularidade e dinamiza esse arranjo institucional intersindical. E o segundo pacto existente é entre as lideranças político-sindicais dessa entidade e o corpo técnico que a compõe. Esse último, orienta o projeto técnico do DIEESE e, ao mesmo tempo, garante a autonomia técnica necessária para que esse conjunto de cientistas sociais engajados produza um conhecimento capaz de subsidiar a ação política dessa direção sindical. Em outras palavras, o DIEESE é também um espaço de intersecção entre o conhecimento político de suas direções sindicais e o saber acadêmico desse corpo técnico.

O DIEESE e os pactos que o estruturam são permeados por tensões internas e externas, associadas as transformações objetivas da conjuntura intersindical e nacional. Historicamente, os embates no interior do movimento sindical ou entre as representações de trabalhadores e outros setores da sociedade – o Estado e empresariado, por exemplo, – são dinâmicas que produzem coesão e distensões no interior desse arranjo intersindical. Essa tensão entre unidade e diversidade é intrínseco ao DIEESE, é o que o caracteriza como um espaço de “tensão produtiva” (CHAIA, 1992). É o motor que ao longo de desses quase 66 anos de história fomentou a capacidade do DIEESE e do movimento sindical em resistir a repressão nos anos de chumbo ou aos atuais desafios impostos a ação e organização dos trabalhadores pela Reforma Trabalhista e Sindical (Lei n° 13.467/2017), e que assegurou a produção de estudos e análises socioeconômicas que subsidiassem a ação política dos trabalhadores.

Há, portanto, entre a instituição DIEESE e o movimentos sindical uma relação de interdependência e constituição mútua que, historicamente, é transformada e repactuada com objetivo de responder aos desafios e particularidades de cada conjuntura. Essa relação, por um lado, evidencia a permanente capacidade das lideranças sindicais de compreender a situação política e transformar/adaptar o projeto técnico-científico do DIEESE a suas necessidades. E, por outro lado, também aponta os limites desse projeto político intersindical, o qual ancora-se em uniam singular entre sindicalistas e intelectuais em um torno de um “racionalismo pelo reformismo social, mantendo distante, se não afastada, a ideia de revolução” (CHAIA, 1992, p. 190).

Em síntese, o reconhecimento das tensões e limites inerentes ao projeto político que o DIEESE representa não o fragiliza, pelo contrário, reforça sua importância como espaço de interlocução intersindical e produção autônoma de um saber da/para classe trabalhadora. Ademais, nesse contexto de erosão acelerada de nossa democracia e desmonte sistemático das quantificações públicas e do debate sobre políticas públicas, é imprescindível e urgente o engajamento e debate sistemático das diversas lideranças sindicais na (re)pactuação política e fomento do DIEESE, uma organização que tem como horizonte político a defesa da classe trabalhadora no âmbito local, regional e internacional e que, tal como nos anos 1950, ainda hoje é um projeto necessário.

 1  Doutorando em Sociologia e Antropologia do PPGSA-UFRJ.

A pesquisa abrange as seguintes capitais: Porto Alegre, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Campo Grande, Curitiba, Brasília, Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Belém, Natal, Recife, João Pessoa, Salvador e Aracaju.

3  Esse cálculo ancora-se nos preceitos constitucionais que define um salário mínimo capaz de atender as necessidades básicas vitais do trabalhador e sua família com moradia, alimentação, educação, saúde lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo. (Constituição Federativa do Brasil, art. 7″ – IV). Para o cálculo, considera-se uma família composta por 2 adultos e duas crianças, que por hipótese, consomem como 1 adulto.

Pesquisa de Emprego e Desemprego realizada pelo DIEESE e a CODEPLAN (Companhia de Planejamento do Distrito Federal).

5  Sistema de Acompanhamento de Salários do DIEESE.

6 Sistema de Acompanhamento de Greves do DIEESE.

7  Índice de Custo de Vida da Cidade de São Paulo (ICV-DIEESE).

8 Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA), que a época abrangia apenas a cidade de São Paulo, mas hoje abrange 17 capitais, incluso o Distrito Federal.

 

Referências

CHAIA, M. W. Intelectuais e sindicalistas: a experiência do DIEESE. 1. ed. Ibitinga-SP: Humanidades, 1992. 

 

Mahatma Ramos dos Santos é  Doutorando em Sociologia e Antropologia do PPGSA-UFRJ

 

*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.


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