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ADUR Online #39: Bolsonaro e o Presidencialismo de Coalizão

7 de maio de 2021

ADUR Online

Por Theófilo Rodrigues

*Texto publicado originalmente no site da Revista Escuta

 

Imagem: Reprodução. Fonte: Evaristo Sá / AFP.

 

Em 21 de julho de 2018, em meio ao processo de campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro definiu assim o chamado Centrão:“a alta nata de tudo que não presta no Brasil” (1). Em 28 de maio de 2020, o tom mudou: “De dois meses pra cá eu decidi que tinha que ter uma agenda positiva para o Brasil, e eu comecei a conversar com os partidos de centro também”, admitiu Bolsonaro ao revelar sua nova relação com o Centrão (2). O que foi que aconteceu para que em apenas dois anos esse grande giro político tenha sido necessário?

Mayra Goulart e eu já tivemos a oportunidade de argumentar em outro momento que Bolsonaro operou em 2018 uma exemplar lógica populista de direita (3). Bolsonaro articulou em torno de sua candidatura uma série de demandas reprimidas durante os 13 anos de governo da centro-esquerda, seja as da pauta neoliberal, seja as da pauta neoconservadora como liberação de armas, redução da maioridade etc. Bolsonaro articulou essas demandas em uma cadeia de equivalência e demarcou como fronteira agonística, como inimigo a ser destruído, a esquerda e seus partidos (4). Além da esquerda, seu discurso também foi bem crítico ao próprio sistema político brasileiro, crítico ao sistema partidário, crítico ao establishment, crítico ao chamado presidencialismo de coalizão, ou seja, crítico àquilo que definia como “a alta nata de tudo que não presta no Brasil”.

Mas o que é esse presidencialismo de coalizão? No fim da década de 1980, o cientista político Sérgio Abranches observou que o sistema político brasileiro teria uma característica bem própria ao conjugar o presidencialismo com o voto proporcional e o multipartidarismo (5). Qual a consequência desse casamento institucional? Por ser um sistema multipartidário derivado do voto proporcional, o partido do presidente da República eleito dificilmente teria sozinho no Congresso Nacional uma maioria para aprovar a agenda do governo. Qual a solução? O presidente precisa trazer para a sua base aliada outros partidos políticos até construir uma maioria parlamentar suficiente para aprovar suas propostas. E como o presidente faz para atrair partidos para sua base aliada? Com a liberação de emendas e a distribuição de cargos no Poder Executivo, entre outros recursos políticos. Esse é o modelo político que chamamos de presidencialismo de coalizão. E foi contra esse modelo político que Bolsonaro se insurgiu, ao menos no discurso de campanha em 2018.

Num primeiro momento, essa lógica de articulação política deu certo e Bolsonaro foi eleito presidente em outubro de 2018. Em janeiro de 2019, o novo presidente apresentou o seu gabinete ministerial. E esse gabinete reproduziu bem essa lógica de combate ao presidencialismo de coalizão. Dos 22 ministros, somente 8 possuíam filiações partidárias: três do PSL, três do DEM, um do NOVO e um do MDB. Essa proporção de ministros com filiações partidárias foi a mais baixa da série histórica da Nova República, próxima só de Collor, em 1990. Esses 4 partidos não eram o suficiente para Bolsonaro ter maioria no Congresso Nacional. Para ser mais preciso, esses 4 partidos poderiam oferecer no máximo 24% das cadeiras na Câmara dos Deputados.

Havia um problema ainda maior. Os ministros estavam filiados nesses partidos, mas não eram indicações dos partidos. A inovação do gabinete Bolsonaro estava em não solicitar indicações de partidos, mas sim das bancadas temáticas do Congresso Nacional. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é exemplar desse processo. Cristina não foi indicada pelo DEM, mas sim pela bancada ruralista. O ex-ministro da Saúde, Luiz Mandetta, também não foi uma sugestão do DEM, mas da bancada da saúde no Congresso.

Em tese, as bancadas temáticas são grandes o suficiente para oferecerem maiorias para o presidente no parlamento. Contudo, essas bancadas temáticas não possuem as ferramentas institucionais necessárias para o controle da disciplina dos parlamentares. Bancadas temáticas não nomeiam deputados para Comissões. Bancadas temáticas não participam do Colégio de Líderes. Bancadas temáticas não encaminham votos no plenário nem participam do controle das emendas nas votações. Todas essas são iniciativas próprias dos partidos e de seus respectivos líderes e é o que faz o presidencialismo de coalizão funcionar. Assim, a inovação de governar com bancadas temáticas e não com partidos deu errado.

Nos dois primeiros anos de governo, Bolsonaro encontrou muitas dificuldades para impor a sua agenda. A proposta de Reforma da Previdência aprovada em 2019 não foi exatamente a do governo, mas sim a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Já o chamado Pacote Anticrime formulado pelo então ministro Sérgio Moro foi alterado pelo Congresso em seus principais pontos.

Ao perceber o problema, Bolsonaro fez um primeiro aceno ao retorno do presidencialismo de coalizão. Em junho de 2020, nomeou o deputado Fábio Faria (PSD) como ministro das Comunicações. O novo ministro foi uma indicação do Centrão, o que garantiu um pouco mais de fôlego para o governo federal no parlamento. Mas ainda era pouco. As dificuldades com o Congresso eram muitas, principalmente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Apesar de ser filiado ao DEM, partido com importantes ministros no governo federal, Maia não facilitou a vida do governo Bolsonaro na Câmara. Basta dizer que no mês seguinte, julho de 2020, a Câmara aprovou a PEC do FUNDEB, uma considerável derrota do governo. E em agosto, apenas dois meses após a nomeação de Fábio Faria, importantes secretários da equipe do ministro da Economia Paulo Guedes pediram demissão em massa. Salim Mattar, que era o secretário de Desestatização, anunciou na imprensa que estava pedindo demissão por não conseguir aprovar as privatizações na Câmara, por exemplo.

Diga-se de passagem, em janeiro de 2019, quando o PCdoB apoiou a eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara por considerar que seria um acúmulo importante na correlação de forças contra Bolsonaro, os demais partidos de esquerda criticaram a posição dos comunistas. No fim das contas, o tempo se incumbiu de demonstrar que aquela decisão do PCdoB estava acertada. Para a oposição foi muito melhor ter Rodrigo Maia como um ator independente do que vinculado aos interesses do governo federal. Dois anos depois os partidos de esquerda reconheceram o erro, realizaram a autocrítica na prática e em janeiro de 2021 apoiaram o candidato de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, o deputado Baleia Rossi do MDB.

Esses dois primeiros anos de governo com enormes dificuldades de diálogo com o Congresso foram suficientes para Bolsonaro perceber o óbvio: era necessário concluir seu giro em direção ao Centrão e ao presidencialismo de coalizão. E a eleição da presidência da Câmara, em janeiro de 2021, seria um passo fundamental nesse processo. Ao perceber que o deputado Baleia Rossi seria um candidato independente com apoio da esquerda, Bolsonaro jogou todos os seus recursos disponíveis – cargos, emendas parlamentares etc – no apoio à candidatura de Arthur Lira (PP), líder do Centrão. Lira foi eleito e Bolsonaro pôde suspirar.

O passo seguinte foi reconfigurar o governo e aumentar a participação do Centrão no ministério. A nomeação em março de 2021 da deputada Flávia Arruda (PL), na Secretaria de Governo, cumpriu esse objetivo. Muito próxima de Arthur Lira, Arruda assumiu o ministério responsável pelo diálogo com o Congresso Nacional. Com isso, Bolsonaro fez a dinâmica do presidencialismo de coalizão voltar a operar.

Se parássemos a história aqui, poderíamos dizer que Bolsonaro fez o gesto necessário para garantir sua governabilidade até o fim de seu mandato em dezembro de 2022. A questão é que a história não para, e há outros atores que também participam da arena. Como diria Garrincha, faltou combinar com os russos…no caso, faltou combinar com o Supremo Tribunal Federal.

A recente decisão do STF de tornar o ex-presidente Lula inocente modificou completamente o jogo eleitoral. Hoje, todas as pesquisas indicam que, mantidas as condições normais de temperatura e pressão, o segundo turno da eleição do ano que vem será entre Lula e Bolsonaro. Parece só haver dois cenários em que esse segundo turno não se realizará: se houver um impeachment de Bolsonaro ou se a justiça de Brasília fizer um novo julgamento de Lula para condená-lo antes de setembro do ano que vem.

Em paralelo, em abril de 2021 o mesmo STF confirmou a liminar que mandou o Senado instalar a CPI da Covid. Aliado de Bolsonaro, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco fez o possível para impedir a abertura da CPI. Mas o Poder Judiciário atropelou a boa relação entre o Executivo e o Senado. Ademais, para o desespero de Bolsonaro, foram indicados como presidente, vice-presidente e relator da CPI três senadores de oposição ao governo.

Como se pode ver, para quem gosta de fortes emoções, os próximos episódios da série Brasil prometem.

Notas:

(1)   Ver https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/alianca-de-alckmin-com-centrao-juntou-alta-nata-de-tudo-que-nao-presta-diz-bolsonaro.shtml

(2)   Ver https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/05/29/bolsonaro-diz-que-dialogo-com-o-centrao-tem-a-ver-com-agenda-positiva

(3)   GOULART, Mayra; RODRIGUES, Theófilo. O Populismo de Direita no Brasil: Neoliberalismo e Autoritarismo no Governo Bolsonaro. Mediações, Londrina, v. 26, n. 1, p. 86-107, jan-abr. 2021.

(4)   A principal referência sobre a lógica da articulação populista é Laclau. Ver LACLAU, Ernesto. A razão populista. São Paulo: Três estrelas, 2013.

(5)   ABRANCHES, Sérgio Henrique. O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados: revista de ciências sociais. Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, 1988.

* Os argumentos deste artigo foram originalmente apresentados no evento “O bolsonarismo em crise? Notas sobre a conjuntura”, organizado pelo Laboratório de Eleições, Partidos e Política (LAPPCOM), núcleo de pesquisa vinculado ao Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DCP/UFRJ).

** Theófilo Rodrigues é cientista político, pesquisador de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ e colabora com a Revista Escuta.

*** Fonte imagem: Evaristo Sá / AFP.

 

Theófilo Rodrigues é pesquisador de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ.

 

*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes  e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.


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