ADUR Online #32: Mãos e mentes que transformam o mundo: 100 anos de Paulo Freire
ADUR Online
19 de março de 2021
Por Ana Paula de Abreu Moura
A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E vão se fazendo cada vez mais, mão humanas, que trabalhem e transformem o mundo.
(Paulo Freire ,1968)
No ano de 2021, comemoramos 100 anos do nascimento de Paulo Freire e podemos afirmar que apesar do educador, que é patrono da educação brasileira, não estar mais entre nós desde o ano de 1997, ele continua promovendo inúmeros ensinamentos teóricos, políticos e práticos, inspirando diferentes iniciativas na perspectiva de emancipação humana. Podemos afirmar que, diante da conjuntura vigente, marcada por lutas políticas de projetos antagônicos, que confrontam ideologias extremamente divergentes e ameaçam nossa frágil democracia, o pensamento de Paulo Freire, mais do nunca, ajuda-nos a ler nosso passado, interpretarmos nosso presente e nos inspira a construir práticas emancipatórias em busca de um futuro em que o trabalho coletivo e a justiça social tenham centralidade.
Muitas coisas que parecem óbvias nos dias de hoje, como discussões sobre a relação opressor x oprimido, o reconhecimento do saber de experiência feito dos educandos na construção das práticas pedagógicas, a consciência do homem enquanto um ser inconcluso, a natureza política dos processos educativos, só ganharam a face da obviedade, porque há mais de meio século Paulo Freire já havia começado a falar sobre estas temáticas. Isso provocou incômodos, antagonismo e ruptura com a forma de conceber e fazer a educação, mas acima de tudo, com a concepção de homem e suas diferentes formas de ser/estar no mundo.
Cabe salientar que em sua caminhada Paulo Freire não fez somente amigos, afinal como nós lembra o educador, quando se faz algo temos que ter a clareza em torno de a favor de quem e do quê, portanto, contra quem e contra o quê o fazemos. Neste sentido, o encontro com adversários é inevitável. Porém, contraditoriamente, nos últimos anos em que acompanhamos tantos ataques ao pensamento freireano, vemos também o crescimento de estudos, pesquisas e práticas que tem como referência as ideias do educador.
Pedagogia do Oprimido, a principal obra de Freire foi escrita num contexto difícil, amargo, que desafiava o homem a lutar a todo instante por sua humanização. Hoje, também vemos a luta pela humanização, não só devido à pandemia do coronavírus, que já matou mais de 270.000 brasileiros e põe à prova a capacidade de respeito ao coletivo e de condições de sobrevivência, mas também pelo contexto sociopolítico marcado por retrocessos no campo dos direitos sociais historicamente construídos. A consciência de si enquanto sujeito coletivo e ser inacabado possibilita ao homem a afirmação de sua humanização, que, em muitos momentos, é sobreposta pela defesa de sua permanência no mundo. Diariamente, a população mais pobre se confronta com a necessidade de garantir sua existência, com a defesa da vida, o que faz com que tenha que criar formas de burlar as barreiras impostas por uma sociedade desigual, que naturaliza a covardia, o cinismo, a hipocrisia e que a todo tempo tenta negar sua humanização.
A afirmação da humanização como caminho pelo qual mulheres e homens podem chegar a ser conscientes de si, de sua forma de atuar e de pensar, de acordo não só com suas necessidades, mas com as necessidades dos demais, impõe o reconhecimento do homem enquanto ser inacabado – portanto, em constante transformação – que, apesar de estar condicionado por determinantes históricos, não tem suas ações determinadas tão somente por eles. O homem traz consigo a possibilidade de mudanças e transformação. Como nos lembra Freire, em algumas de suas obras estar no mundo significa necessariamente estar com o mundo e com os outros.
O grande valor de uma obra clássica, como Pedagogia do Oprimido é a capacidade que ela tem de nos instigar a refletir sobre o presente: o que mudou no Brasil desde a sua publicação? Como se configura hoje a dialética opressor X oprimido? Quais as formas de opressões que permanecem? Que outras formam construídas? Pedagogia do oprimido cumpre este papel ao provocar inquietações na busca de interpretar, compreender as causas materiais, formais ou instrumentais as quais estão sujeitos os oprimidos, vítimas do capitalismo dependente para buscar caminhos e alternativas na construção de projetos de superação da própria existência do oprimido.
O legado freireano traz elementos importantes para discutirmos a Educação na perspectiva de um direito inalienável, que se constitui como ferramenta fundamental nas lutas pela humanização e pela resistência contra toda e qualquer forma de desumanização. A luta por humanização funda-se antropologicamente e eticamente no processo de construção desse ser inconcluso que busca recuperar ou superar situações-limite para realizar seu profundo ser mais.
Neste sentido, Paulo Freire traz grandes contribuições para a compreensão da educação como uma forma de intervenção e construção deste mundo. Ao compreender a natureza política da educação e sua vinculação com os mecanismos de poder de nossa sociedade, podemos disputar este espaço, seja para reproduzir desigualdades ou desvelá-las. O que nos convida a assumir nosso lugar na condução da História e a ver a educação como espaço de de possibilidades, de construção deste mundo, pois como nos lembra Freire: “O mundo não é. Ele está sendo”
Ana Paula de Abreu Moura é professora associada da Faculdade de Educação da UFRJ.
*ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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