ADUR Online #30: A confusa ideia de um sindicato independente de partidos
ADUR Online
5 de março de 2021
Por Cláudio Maia Porto e Marcelo Pereira Fernandes
Ao longo dessa última campanha eleitoral para escolha da nova direção do ANDES-SN, reiteradamente ouvimos o slogan “por um sindicato independente de partidos”, pronunciado por vários militantes em defesa de determinada corrente. De imediato, os ecos desse apelo nos remetem a outro ambiente histórico recente no país, qual seja, o das mobilizações de rua de 2013, onde, da mesma forma, o lema bradado com força era o banimento dos partidos políticos das manifestações populares. Poderíamos lembrar também da bandeira do “Fora Todos”, levantada em 2016 por uma central sindical e equivocadamente abraçado por setores da Direção do ANDES, terminando por contribuir para o golpe então em curso contra a presidente Dilma. Como se sabe, de lá para cá, o processo político brasileiro assistiu, de fato, a um esvaziamento dos partidos políticos consolidados como formas de expressão organizada dos anseios sociais. Como é igualmente sabido, esse descrédito das instituições partidárias tradicionais, muito industriado pela chamada Operação Lava-Jato, se deu em benefício de personagens cujo mérito foi o de obter êxito em se apresentarem como “outsiders” do universo político mais institucionalizado. Nessa condição, consolidaram-se como portadores de uma virtude moral concluída por mera negação: “se não pertencem ao sistema político corrupto, então devem ser honestos!”, ainda que tal raciocínio constitua um típico exemplo de mau manejo da lógica.
A despeito da avaliação que cada um faça dos desdobramentos dos eventos políticos daquele agitado ano de 2013 e do golpe de 2016, a reivindicação de independência de partidos, trazida agora ao âmbito da luta sindical, exige uma clareza de interpretação quanto a seu significado. O que se pretende dizer com “um sindicato independente dos partidos”?
Esse lema tem múltiplos sentidos possíveis. O mais radical deles seria a proscrição dos partidos políticos do universo sindical, de tal modo que sua presença só seria possível de forma clandestina e dissimulada. Uma versão, talvez mais suave, seria a de que a filiação partidária deve ser um elemento totalmente acidental nas lutas trabalhistas, admitida no mesmo plano das crenças religiosas ou das preferências estéticas individuais, mas ao qual não se pode admitir qualquer força determinante ou protagonismo no processo.
Mas, de início, imediatamente vem ao pensamento do ouvinte do lema a questão: seria essa uma bandeira reformista ou situacionista em relação à história recente do Sindicato? Em outras palavras, esse slogan tem o caráter de louvação ou de repreensão das práticas recentes ou em vigor? Devemos nos perguntar: é verdade que a direção do sindicato tem sido composta exclusivamente, ou ao menos majoritariamente, por pessoas sem qualquer histórico de militância partidária?
Se a resposta é não, isto é, se nossos dirigentes militam partidariamente, então a tese que se sustenta é a de que eles são dotados de uma consciência ética superior e, portanto, capazes de diligentemente afastar da análise dos problemas enfrentados pelo movimento sindical as influências e concepções partidárias de que compartilham? Em se tratando de uma superioridade ética, essa pressuposta consciência superior é uma virtude individual dos membros de nossas direções ou constituem um traço distintivo das correntes políticas nas quais militam, mas que, infelizmente, não se aplica a outras vertentes? São perguntas que vagueiam pela mente do ouvinte, quando confrontado com a simplicidade sintética do slogan aqui referido.
Por outro lado, uma pergunta de cunho mais crítico e realista seria: é, de fato, possível estabelecer uma linha demarcatória nítida de separação asséptica entre a militância partidária (dos filiados e simpatizantes) e a pura atuação sindical, absolutamente isenta em relação aos interesses e influências dos partidos? Na verdade, a falta de clareza quanto ao real sentido do lema “independente dos partidos” parece, muito mais, o reflexo de um pensamento político desarticulado ou não elaborado, que flerta com o senso comum mais pueril.
Portanto, em lugar de prosseguir no exame dessa formulação, propomos outra série de questões diretivas, a nosso ver, bem mais férteis. Por exemplo, qual o papel dos partidos políticos na sociedade civil, de forma geral, e, no âmbito do sindicato – este último um importante agente da luta política que ocorre no interior dessa sociedade –, em particular?
Na medida em que os partidos têm em sua essência a formulação de uma concepção integrada, abrangendo os mais diversos aspectos da formação social, bem como dos elementos dinâmicos dessa formação, é mais que natural esperarmos sua participação ativa em um dos ambientes onde essa dinâmica se manifesta de modo mais efetivo, como é o caso da luta sindical. Não deveríamos, então, em lugar de banir os partidos, pensar como a atuação partidária pode contribuir para o avanço das lutas da classe trabalhadora, bem como das demais causas sociais?
Bem, essas são questões a serem respondidas com mais propriedade pelos teóricos políticos. Nossa luta sindical, de resto como as demais militâncias políticas no contexto em que vivemos, se encontra em um momento que exige profunda reflexão teórica e tática. Respostas adequadas a tais questionamentos são muito importantes para a formulação de estratégias claras de atuação.
Cláudio Maia Porto é professor do Departamento de Física da UFRRJ e 1º Vice-presidente da ADUR-RJ.
Marcelo Pereira Fernandes é professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ e 1º Tesoureiro da ADUR-RJ.
ADUR ONLINE é um espaço aberto aos docentes e pesquisadores da UFRRJ e de outras Universidades também. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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