ADUR Online #3: A escalada das tensões entre Estados Unidos e China: uma nova Guerra Fria?
21 de agosto de 2020
ADUR ONLINE*
Por: Marcos Cordeiro Pires[1]
João Francisco Werneck[2]
Nas últimas semanas, verificamos o aumento das tensões entre Estados Unidos e China. O governo de Donald Trump iniciou uma guerra comercial contra os chineses em março de 2018, ao anunciar a criação de novas taxas para a importação de aço e alumínio destinada a uma série de países. Com a medida, os EUA passaram a cobrar uma sobretaxa de 25% para o aço importado e de 10% para o alumínio. Na ocasião, Trump anunciou que poderia negociar a exclusão de outros países desta lista separadamente, como já havia feito com Canadá e México.
Este episódio simbólico pode ser interpretado como o primeiro passo da concretização de uma agenda pré-anunciada. Donald Trump e autoridades como Peter Navarro, Mike Pompeo e Robert Lighthizer, desde a campanha presidencial de 2016 nos EUA, já apontavam para necessidade de repensar o déficit comercial dos EUA com a China – de cerca de US$ 420 bilhões em 2018. Foi este argumento que sempre esteve no centro das acusações iniciais contra as práticas comerciais chinesas. Apontado pelos Republicanos, hoje ele é sustentado também pela maioria dos democratas.
Com relação a questão do déficit, os chineses apontam uma controvérsia. De uma perspectiva de Pequim, o déficit comercial pode ser atribuído em grande parte à dispersão global das multinacionais americanas e a fatores econômicos internos nos EUA: em particular, baixas taxas de poupança e políticas macroeconômicas voltadas para o consumo. Além disso, a abordagem dos EUA com foco nas tarifas desconsidera seu grande superávit no comércio de serviços.
Enquanto o déficit comercial motivou a adoção de medidas tarifárias iniciais contra a China, o rótulo de concorrente estratégico promovido pela Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos reflete uma contestação mais profunda das práticas comerciais chinesas: o suposto roubo de propriedade intelectual e a transferência forçada de tecnologia em joint ventures. Foi neste ambiente tecnológico e econômico que Donald Trump encontrou motivação política para fazer a manutenção de sua campanha anti-China.
É também neste cenário de profunda transformação econômica, sobretudo em razão do crescimento das Big Techs, que está a motivação do recente impulso do governo Trump. À medida que as empresas de alta tecnologia se tornam a nova fonte de crescimento econômico, o governo dos EUA certamente tentará garantir o domínio das empresas americanas na próxima rodada de transformação econômica global. Nesse sentido, a repressão do governo Trump às empresas chinesas de tecnologia também pode ser vista como parte de um esforço para fortalecer a vantagem competitiva das empresas americanas de alta tecnologia para que sejam capazes de acelerar a expansão global e o domínio tecnológico.
Em dezembro de 2018, o presidente norte-americano fez uma nova investida à China ao ordenar a prisão de uma executiva da Huawei que aterrissou no Canadá, acusada de burlar sanções contra o Irã. Nos meses subseqüentes, a retórica ideológica persisitiu. Donald Trump pressionou países aliados contra a entrada da Huawei na infraestrutura da Internet 5G, proibiu a venda de microchips e semicondutores com tecnologia dos EUA para as empresas de telecomunicações da China (leia-se Huawei e ZTE), além de ter concedido uma série pronunciamentos acusatórios ao longo da pandemia mundial de COVID-19.
Pelo lado de Pequim, eventos específicos também aumentaram as tensões, como a promulgação da Lei de Segurança Nacional para a região autônoma de Hong Kong, que busca conter a influência estrangeira em assuntos internos, e a detenção do magnata da mídia Jimmy Lai, com base na nova Lei. Neste episódio, pesou a série de protestos que paralisaram a cidade durante grande parte de 2019, cujos manifestantes contaram com o apoio do governo de Washington e de organizações não-governamentais internacionais. Os manifestantes da região autônoma chegaram a se reunir em frente do consulado dos Estados Unidos pedindo uma intervenção militar norte-americana contra o governo local.
Outro problema são as provocações dos Estados Unidos com relação à questão de Taiwan. O governo de Donald Trump enviou no começo de agosto um alto funcionário ao território rebelde contrariando acordos anteriores sobre o princípio de uma única China. Os EUA também contribuíram as tensões ao instalar um sistema antimíssil na Coreia do Sul (THAAD), e o com o deslocamento de frotas e de um avião furtivo que possui capacidade para lançar bombas atômicas para a região do Mar do Sul da China.
Desde 1947, quando a Índia se tornou independente, e 1949, quando a revolução socialista chinesa saiu vitoriosa na luta contra Chiang Kai-Shek, há uma grande indefinição sobre as fronteiras entre China, Paquistão e Índia. Enquanto a Índia reivindica os limites definidos durante a dominação britânica, a Linha McMahon, a China defende os limites do antigo Império Qing, fato que vem provocando instabilidade na região. Em junho, um choque na fronteira entre as tropas de ambos os países resultou na morte de dezenas de soldados. Nessas disputas, o governo estadunidense tem apoiado o governo indiano e também tentado formar uma aliança militar na região do Índico-Pacífico com governos de Nova Delhi, da Austrália, Nova Zelândia, Japão, Coréia do Sul e a ilha e Taiwan.
Por fim, mais uma considerável fonte de conflito são as disputas no Mar da China Meridional, em que a China reivindica os limites existentes até 1949, a chamada linha dos nove traços (Nine Dash Line). Entretanto, essa linha esbarra nos interesses de diversos países, como o Vietnã, Malásia, Brunei, Filipinas e Taiwan. Nesse contexto, os Estados Unidos abandonaram a neutralidade na disputa e passaram a constranger a China por meio de manobras de “liberdade de navegação”, em que a frota do USPACOM (Comando Indo-Pacífico dos Estados Unidos) tem avançado sobre águas territoriais reivindicadas pelos chineses.
No mês passado, o palco da disputa foi o fechamento dos consulados de Houston e Chengdu, e a imposição de sanções contra autoridades chinesas (por parte dos Estados Unidos) e de autoridades estadunidenses (por parte de Pequim). Nos últimos dias foram anunciadas novas medidas contras as empresas de tecnologia chinesas: a proibição do uso por cidadão estadunidenses dos aplicativos TikTok e Wechat. Além disso, os EUA cancelaram uma reunião agendada para meados de agosto para a discussão da primeira fase do acordo comercial. Para muitos analistas, via-se neste encontro uma esperança para amenizar os efeitos das constantes crises nos mercados globais.
Acerca da escalada de tensões, é interessante fazer três considerações: em primeiro lugar, é que isso não se trata de um problema conjuntural, mas de uma resposta da elite dos Estados Unidos à ascensão de uma potência concorrente que está avançando rapidamente em setores de alta tecnologia, como inteligência artificial, energias limpas, computação quântica, etc. Este crescimento chinês pode comprometer sua longa hegemonia. Com proximidade das eleições, tanto republicanos como democratas estão se esforçando para saber quem se apresenta ao eleitor como mais anti-China.
Em segundo lugar, por mais que a elite de Washington queira iniciar uma nova Guerra Fria, isso não interessa à China, que continua focada em seu processo de desenvolvimento, cujo objetivo é comemorar 100 anos de República Popular como um país plenamente desenvolvido.
Por fim, vale lembrar que, diferentemente da primeira Guerra Fria, a China tem uma economia muito mais forte e mais integrada ao mundo do que fora a antiga União Soviética. O professor Zhao Kejin, da Universidade Tsinghua, em Pequim, em entrevista ao jornal “O Globo” no dia 14 de julho, afirmou: “As relações sino-americanas enfrentam seu momento mais sério desde o restabelecimento das relações diplomáticas”. Embora Zhao Kejin rejeite a ideia de uma nova guerra fria, sua definição para o momento não é promissora: “A realidade é que as relações entre EUA e China não estão entrando em uma nova guerra fria, mas deslizando para uma ‘Guerra Branda’”.
[1] Livre Docente em Economia Política – Professor do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp – Campus de Marília
[2] Jornalista (PUC-RJ). Pesquisador das relações Brasil-China
*ADUR ONLINE é um espaço da base do Sindicato. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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