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Joyce Alves: mulher, negra, professora, pesquisadora, pró-reitora e trans

29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data foi instituída em 2004, há 20 anos, a partir de uma campanha Travesti e Respeito, lançada pelo Ministério da Saúde. O Dia da Visibilidade Trans é um marco importante no reconhecimendo por direitos e também da importância de combater a violência contra travestis, transexuais e transgêneros.

Para marcar a data, a ADUR traz uma entrevista com Joyce Alves, Pró-reitora Adjunta de Assuntos Estudantis da UFRRJ, a primeira mulher trans a ocupar esse cargo. Na conversa, ela fala sobre seu processo de transição de gênero quando já ocupava o cargo, sobre as conquistas para a população trans na Rural, sobre representatividade, entre outros assuntos. Confira.

 

Você passou pela transição de gênero ocupando o cargo de pró-reitora, a primeira mulher trans a ocupar este cargo. Como foi esse processo para você e como foi a aceitação da sua identidade institucionalmente?

Eu digo sempre que a luta nos escolhe, e não o contrário. Digo isso porque nunca esteve no meu radar a possibilidade de fazer parte da equipe de gestorxs da administração central. Sou docente da Rural desde 2012. Antes disso, fui professora da UFMA por 2 anos. Sou da periferia de São Paulo; feminista; pessoa preta e filha de pai cearense e mãe piauiense. E desde sempre fui uma pessoa desobediente das normas de gênero. Então já sabia que minha trajetória não seria fácil e desde cedo tinha a consciência de que só “seria alguém” por meio da Educação. A Educação foi minha tábua de salvação. Por isso que sempre agarrei as oportunidades que me apareciam com unhas e dentes. Pois bem, em 2020, em plena pandemia, fui convidada a integrar a chapa que concorreria à eleição para a reitoria. No começo achei tudo muito estranho porque nem imaginava que o Prof. Berbara, então reitor da UFRRJ, soubera da minha existência e do meu trabalho. Pensei: a luta me chamou pra arena. Sabia que minha presença ali podia dizer muito a muitas pessoas. No lugar de um homem cis-hetero-branco – como normalmente vemos – havia o corpo de uma bicha preta (era assim que eu me identificava na época).

A chapa foi eleita e assumimos a administração central no início de 2021. Apesar de já estar em fase de transição, ainda me apresentava no gênero masculino. Ao longo dos meses o processo de afirmação de gênero foi avançando até que chegou o momento – isso em dezembro de 2022 – de eu assumir publicamente minha transexualidade. Sim. É um ato de coragem. Romper com o privilégio masculino e enfrentar uma sociedade historicamente misógina e transfóbica é ter a consciência de que será preciso “matar um leão por dia”. De um modo geral, não tive problemas práticos ao afirmar minha transexualidade. Até porque as pessoas próximas – familiares, amigxs e colegas de trabalho – já acompanhavam esse processo de perto ou pelas redes sociais, uma vez que em momento algum escondi minha condição e minhas escolhas. Mas não estamos no “paraíso”: o preconceito, a discriminação em forma de transfobia acontece na universidade, mas de forma escamoteada, cínica e, por isso, de difícil comprovação, mas igualmente violento e devastador. 

 

Em 2023, a Rural foi a primeira universidade do Rio a adotar cotas para pessoas trans, quilombolas e refugiados na pós-graduação. Qual a importância dessa política, principalmente em uma universidade como a UFRRJ?

Queremos uma universidade moderna e que dialogue com a sociedade atual. Para isso, temos que assumir uma universidade plural, diversa e inclusiva. Ainda mais quando se trata de uma instituição cravada na Baixada Fluminense. Por isso, a deliberação que regulamentou cotas para pessoas trans, refugiadas e quilombolas na pós-graduação é uma ação que vai além da inclusão, mas trata-se de reparação histórica. Espero que esse movimento continue na Rural para, quem sabe, continuarmos o pioneirismo e sermos a primeira universidade do Estado do Rio de Janeiro a regulamentar cotas para pessoas trans na graduação e em concursos públicos. Importante mencionar também que além dessa deliberação histórica, tivemos outras conquistas para a população trans da Rural: a regulamentação do uso do nome social foi atualizado e desburocratizado; o uso de banheiros binários (masculino e feminino) deve ser utilizado de acordo com a identidade de gênero autodeclarada. E a criação de banheiros neutros nas instalações da Rural. O respeito ao nome social e ao uso do banheiro são primordiais para garantir o respeito e a permanência das pessoas trans em qualquer instituição de ensino. Garantir o acesso à população trans é muito importante, mas igualmente importante é assegurar também a dignidade para que essas pessoas permaneçam na universidade. 

 

Para além da universidade quais outras políticas públicas você acredita que são importantes para a construção de uma sociedade menos transfóbica? E além das políticas públicas, culturalmente, como você avalia que nós estamos nesse sentido?

Ainda estamos engatinhando em relação a políticas públicas para pessoas trans. Isso porque até pouco tempo atrás sequer éramos consideradas sujeitas e sujeitos de direitos. Éramos a todo momento desumanizadas e assujeitadas. No entanto, aos poucos, e graças à luta e organização dos movimentos sociais, tivemos algumas vitórias, como a regulamentação do uso do nome social, a desburocratização da retificação do nome, equiparação da homo-transfobia a crime de racismo, dentre outras conquistas. Culturalmente estamos ganhando visibilidade nas novelas, na música, no show business, e isso é muito bom, porque são meios capazes de se comunicar com todo mundo e chegar aos rincões do Brasil. Não precisamos ir muito longe pra perceber que há alguns poucos anos atrás não se falava sobre visibilidade trans. Quando se tratava da comunidade LGBT, a população trans era sumariamente ignorada. Atualmente falamos sobre transfobia no BBB (programa de alto apelo popular), por exemplo. Precisamos avançar muito nas políticas públicas sobre e para pessoas trans. Faço essa entrevista ainda sob o impacto de 2 mulheres trans que foram covardemente espancadas num lugar que achávamos ser seguro para nós. Temos muito, muito a melhorar. 

 

Nós estamos realizando essa entrevista por conta do Dia da Visibilidade Trans, e você é uma servidora pública, uma mulher negra, trans, pioneira em ocupar os espaços que você ocupa. Como você lida com esse lugar de representatividade e visibilidade?

Mesmo com a transfobia institucional, tenho conseguido aliadxs, bons parceirxs de trabalho para que as ações de fato aconteçam. Sei que a minha responsabilidade é enorme, pois represento uma população que historicamente foi alijada de sua própria humanidade. Então tenho consciência do quão importante é a minha presença e atuação em cargo tão relevante e de tamanha visibilidade numa universidade gigantesca que é a Rural.

 

Além da sua carreira institucional, você também é uma professora pesquisadora sobre gênero e sexualidades em contextos de educação. De que maneira as suas escolhas acadêmicas são atravessadas pela sua individualidade, sua condição enquanto mulher trans e negra? 

Tem um teórico da psicologia social chamado Serge Moscovici que diz que a pesquisa é uma extensão do sujeito. É isso. Não só minhas pesquisas, como todas as minhas ações no trabalho, sejam no ensino, extensão ou gestão, têm relação com o que sou, com o que acredito e com e por que eu luto. Não há como separar, até porque, no meu caso, o que sou está estampado, inscrito no meu corpo. Não há como esconder, não há como negar. Então o jeito é encarar tudo isso que se apresenta a mim com honestidade e dignidade.

Pra completar: como única servidora trans lotada na Rural até o momento, penso que só a minha presença possa causar algum impacto – espero que positivo – na universidade. Tenho consciência de que a maioria das pessoas na Rural, sobretudo servidorxs, nunca ou pouco contato teve com alguma pessoa trans. E as representações de muitos ainda são aquelas antigas, ligadas à marginalidade, drogas e prostituição. Então se deparar com um corpo trans numa universidade, desempenhando um trabalho tal como tantas outras pessoas ali fazem, é uma novidade para muita gente. Por isso, muitas vezes, não preciso nem falar nada. Meu corpo, nesse espaço que historicamente é negado a pessoas como eu, já diz muito. E que mais corpos assim acessem mais e mais e mais lugares.

 


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