O Brasil é hoje o terceiro país no mundo que mais possui
encarcerados, perdendo apenas para a China e os Estado Unidos. Esse
número não nos deixa em boa posição em um cenário de civilização que
promoveu diversas revoluções na conquista das liberdades. Nossa
pátria já traz tatuada em sua história a marca de ser o último país
da América a abolir a escravidão.
Ainda não nos desapegamos dessa prática hedionda. Trocamos o tronco
e os castigos físicos, além da exclusão social em razão da cor da
pele, pelo encarceramento como forma de manter acesa a chama do
apartheid social.
Apesar do reconhecimento do fracasso do sistema penitenciário
brasileiro como forma de ressocialização, ainda é muito grande o
número de pessoas encarceradas desnecessariamente quando existem
alternativas de reparação dos danos que a criminalidade causa à
sociedade, além da violência oriunda dos cárceres.
O dispêndio inútil de recursos para aprisionar poderia e deveria ser
destinado para a construção de uma sociedade mais justa, que
priorizasse a educação e saúde do nosso povo. Reformas legais têm
sido feitas, mas não houve o desapego de juízes e membros do
Ministério Público ao sistema de privação de liberdade.
Alternativas não faltam às medidas privativas de liberdade, tais
como as diversas medidas cautelares, a prisão domiciliar e as penas
alternativas.
O custo social e financeiro do encarceramento é muito elevado, e
retira do administrador público a oportunidade de direcionar tais
recursos para um combate mais eficaz da criminalidade, como a
construção de escolas e universidades, o saneamento básico de
comunidades pobres e o implemento de políticas públicas que
privilegiem as pessoas mais vulneráveis, como crianças, idosos e
pobres.
Hoje o sistema penitenciário tem sido habitado prioritariamente pela
criminalidade relacionada com o tráfico de drogas. Há países que
estão experimentando modalidades diversas de combate às drogas, que
não esse sistema proibicionista, que tem provocado tantas mortes de
agentes de segurança pública, de criminosos e, sobretudo, de
inocentes.
A descriminalização do comércio de drogas e seu controle pelo poder
público, além de um sistema eficiente de tratamento de saúde dos
usuários e vítimas das drogas, tem se mostrado mais eficaz que o
atual sistema, responsável por quase 70% dos prisioneiros.
A Constituição preserva a liberdade como um bem fundamental a ser
preservado, e a sua restrição se dá apenas em casos excepcionais e
devidamente fundamentados pela autoridade judiciária competente.
Enquanto houver alternativas para privação da liberdade, essas devem
prevalecer sobre o encarceramento. Apesar dessa regra maior, tem
sido uma prática a internação de jovens envolvidos com o tráfico de
entorpecentes, mesmo que não se trate de "ato infracional cometido
mediante grave ameaça ou violência à pessoa", o que viola expresso
texto legal.
Nesse contexto, a denúncia do Ministério Público - embora a mídia
interessada em subtrair a verdade do público tenha noticiado
incêndios, lesões corporais, danos ao patrimônio público e porte de
explosivos, dentre outros delitos - é exclusivamente pelo delito de
quadrilha armada (artigo 288, parágrafo único do Código Penal, cuja
pena pode variar entre um e três anos de reclusão, podendo ser
dobrada).
Ora, ainda que os acusados venham a ser condenados, na pior das
hipóteses a pena não ultrapassará dois anos, pois são réus primários
e de bons antecedentes. Sabe-se que, pela nossa legislação, a
condenação até quatro anos pode e deve ser substituída por penas
alternativas em liberdade.
Assim sendo, o que justifica manter presas pessoas que, ainda que
condenadas, permanecerão em liberdade?
Prejuízo maior terá a sociedade se tais pessoas vierem
posteriormente acionar o Estado para que paguemos, com os tributos
que nos são cobrados, indenizações por terem sido presas ilegalmente
apenas para saciar a "fome de vingança" de setores raivosos,
incapazes de raciocinar além do noticiário indutivo.
No caso concreto, acrescente-se ainda que o próprio Ministério
Público, fiscal da lei e principal defensor da sociedade, afirmou
expressamente nos autos de processo contra dois dos acusados que "os
indiciados não representam qualquer perigo para a ordem pública,
entende o Parquet - membro do Ministério Público - que não se
encontram presentes os requisitos autorizadores da manutenção da
custódia cautelar dos indiciados"."O Ministério Público é pelo
deferimento do pleito libertário formulado em favor dos indiciados
CARJ e IPD`I", diz Paulo José Sally, promotor de Justiça.
Eis as razões pelas quais as medidas cautelares aplicadas estão mais
em conformidade com a Constituição, as leis e a jurisprudência dos
tribunais, salvo melhor entendimento.
SIRO DARLAN, 64 anos, é desembargador do Tribunal de Justiça e
coordenador da Associação Juízes para a Democracia