Massacre de estudantes no México
expõe ligações entre polícia e crime organizado |
Mais de 40 alunos
de licenciatura da cidade de Iguala estão desaparecidos há duas
semanas; corpos encontrados em fossas clandestinas ainda não foram
identificados.
No dia 26 de
setembro, oitenta estudantes da escola rural para professores Raúl
Isidro Burgos, da cidade de Iguala, viajavam de ônibus para coletar
fundos para pagar a escola - uma das tantas instituições rurais que,
no México, representam a única forma de obter um nível de educação
aceitável para milhares de estudantes.
Com o ônibus já
em movimento, alguns patrulheiros da polícia municipal quiseram
parar a caravana. Como o ônibus não quis parar, os policiais, então,
segundo o testemunho anônimo de um jovem presente no local,
começaram a disparar em direção ao veículo.
A princípio, os
policiais dispararam contra os ônibus, mas, depois de algumas horas,
quando os estudantes davam uma coletiva de imprensa para denunciar o
ataque armados contra eles, outros homens sem uniforme, que muitas
testemunhas reconheceram como policiais municipais, dispararam outra
vez e, mais tarde, encheram de balas outro ônibus no qual viajavam
jogadores da equipe local de futebol Avispones.
O saldo foi de
seis mortos, três dos quais estudantes, e vinte feridos. Cinquenta e
sete estudantes despareceram, sendo que vinte deles, como afirmam
testemunhas oculares, foram levados à força por policiais de Iguala
e do Estado de Guerrero.
Quase duas
semanas depois, 43 estudantes ainda estão desaparecidos. Graças à
pressão da imprensa e da sociedade civil, as autoridades federais
encontraram seis fossas comuns clandestinas, com 28 corpos
carbonizados. No entanto, apesar da suspeita de que os corpos sejam
de estudantes desaparecidos, os mortos ainda não foram
identificados.
O prefeito de
Iguala, José Luis Abarca, suspeito de ter vínculos com a quadrilha
dos irmãos Beltrán Leyva, fugiu da cidade e permanece foragido. Um
depoimento também o acusa de ter matado um líder camponês de
Guerrero.
Além disso, foram
expostos nas últimas semanas os vínculos entre a polícia municipal
de Iguala e o grupo criminoso conhecido como Guerreiros Unidos. Na
segunda-feira (06/10), esse grupo divulgou uma nota pedindo a
libertação dos 22 policiais presos, acusados pelo desaparecimento e
o assassinato dos estudantes.
“Governo federal,
estatal e a todos que nos apoiam: exigimos que liberem os 22
policiais que estão detidos. Damos 24 horas para que os soltem ou
esperem as consequências. Começaremos a divulgar os nomes dos
funcionários do governo que nos apoiaram. A guerra já começou”, era
o conteúdo da nota.
Repercussão e
outros casos
A repressão
brutal do Estado não é novidade nessa região do país: em 12 de
dezembro de 2011, a polícia assassinou dois estudantes que
protestavam contra as condições da escola para professores de
Ayotzinapa, em um tiroteio que deixou mais de 20 feridos.
“Nada mudou”
afirma Abel Barrera, diretor da organização de defesa de direitos
humanos Tlachinollan, ativa em Guerrero, que está cuidando do caso
dos jovens estudantes. “É o mesmo padrão de impunidade das forças
policiais que permite que continuem cometendo os mesmos delitos. Não
houve qualquer julgamento político por parte do procurador de
Justiça do Estado, nem do secretário de Segurança Pública”.
Um dos jovens
assassinados, cujo corpo foi encontrado no sábado, dia 27 de
setembro, perto da zona industrial de Iguala, estava difícil de ser
reconhecido: esfolaram o rosto dele e arrancaram os seus olhos. Foi
o comitê estudantil da escola rural que informou que se tratava de
Julio César Mondragón, estudante do primeiro ano da licenciatura,
procedente da Cidade do México, ao que apelidavam, por esse motivo,
de “o Chilango”.
Outro exemplo de
casos de agressões de policiais ou soldados contra a população civil
ocorreu na ocasião do suposto massacre de 22 pessoas na localidade
de Tlatlaya, no Estado do México, onde, no último dia 30 de junho,
elementos do Exército teriam entrado em confronto com criminosos.
Ou, pelo menos, era essa a versão da Secretaria de Defesa Nacional.
Mas uma testemunha, entrevistada exclusivamente pela revista
Esquire, relatou que os soldados fuzilaram os 22 jovens, entre os
quais uma menor de idade, depois de eles terem se rendido. O caso de
Tlatlaya pode ser o massacre mais grave dos últimos anos no México
cometido pelo Exército.
“Pode-se falar de
um padrão de justiça com as próprias mãos”, comenta Abel Barrera a
Opera Mundi. “Tanto Tlatlaya como Ayotzinapa são a demonstração da
total falta de controle interno sobre as forças de polícia e
militares. A resposta do Estado é a repressão e a impunidade total.
Além disso, há falta de profissionalismo e um enorme descontrole
interno. Não há nenhuma formação para o uso da força e dão armas
letais para administrar a ordem pública. E esses são os resultados”.
A reação da
comunidade estudantil foi a tomada das ruas da cidade de
Chilpancingo e uma greve de trabalho indefinida, para exigir que os
culpados pelo assassinato dos estudantes sejam castigados.
Acadêmicos, trabalhadores administrativos nas escolas e estudantes
preparam ações em todo o Estado e estão prontos para exigir o
julgamento político para o prefeito da cidade de Iguala, José Luis
Abarca, e do governador do Estado de Guerrero, Ángel Aguirre Rivero.
A violência e as
execuções extrajudiciais dos últimos meses no México também tiveram
como consequência a intervenção do secretário-executivo da CIDH
(Comissão Interamericana de Direitos Humanos), Emílio Álvarez Icaza,
que fez um pedido para os casos de assassinato dos municípios de
Tlatlaya e Iguala: “É uma questão que preocupa e gostaríamos que a
mensagem seja poderosa do Estado de Direito. O simples fato que essa
discussão esteja acontecendo, de um cenário possível de execução
extrajudicial ou de justiça com as próprias mãos, é da maior
gravidade, e é extraordinariamente importante que o Estado mexicano
mande uma mensagem poderosa de investigação judicial”.
A organização
Tlachinollan, assim como outras organizações, e a escola Raúl Isidro
Burgos exigem conhecer o paradeiro das vítimas de desaparecimento
forçado e a investigação dos responsáveis pela violência. Nesta
quarta-feira (08/10), estão programadas manifestações em todo o país
em apoio aos jovens de Ayotzinapa. A pauta desses protestos é a
renúncia do governador Rivero e o esclarecimento dos fatos em
Iguala.
*Editada por
ANDES-SN, 9/10/14.
Fonte: Opera
Mundi.