Sobre o modelo de
contratação de professores
Isso faz parte do
atual modelo de negócios. É o mesmo que ocorre com a contratação de
trabalhadores temporários na indústria ou com o que eles chamam de
"associados" na Wal-Mart, funcionários que não tem direito a
benefícios. É parte de um modelo de negócios privados projetado para
reduzir os custos do trabalho e aumentar o servilismo no trabalho. A
transformação das universidades em corporações, como tem ocorrido
sistematicamente ao longo da última geração, como parte do assalto
neoliberal geral sobre a população, veio acompanhada de um modelo de
negócios onde o que importa é o lucro no final do balanço.
Os verdadeiros
proprietários são os gerentes (ou legisladores, no caso das
universidades estaduais) e eles querem manter os custos baixos e
assegurar que o trabalho seja dócil e obediente. A melhor maneira de
fazer isso é, fundamentalmente, contratar temporários. Assim como a
contratação de temporários foi se disseminando na sociedade no
período neoliberal, o mesmo fenômeno ocorreu nas universidades. A
ideia é dividir a sociedade em dois grupos. Um grupo é às vezes
chamado de “plutonomia” (plutonomy, um
termo usado pelo Citibank para aconselhar seus investidores
sobre onde aplicar seus recursos), o setor top da riqueza,
concentrado principalmente nos Estados Unidos. O outro grupo, o
restante da população, é um “precariado”, as pessoas que vivem uma
existência precária.
Esta ideia, por
vezes, torna-se bastante evidente. Quando Alan Greenspan
testemunhou perante o Congresso, em 1997, sobre as maravilhas da
economia, ele disse diretamente que uma das bases para o seu sucesso
econômico era o que ele chamou de “maior insegurança dos
trabalhadores”. Se os trabalhadores são mais inseguros, isso é muito
“saudável” para socieadade, porque eles não ficar perguntando sobre
seus salários, não vão entrar em greve, não vão pedir repartição de
lucros, e vão servir a seus patrões de bom grado e de forma passiva.
E isso é ótimo para a saúde econômica das empresas.
Na época, todo
mundo achou o comentário de Greenspan muito razoável, a julgar pela
falta de reação e pelo grande sucesso que ele gozava. Vamos
transferir isso para as universidades: como garantir “maior
insegurança dos trabalhadores”? Fundamentalmente, não garantindo o
emprego, mantendo as pessoas penduradas em um galho que pode ser
serrado a qualquer momento, de modo que elas saibam que é melhor
calar a boca, receber pequenos salários, fazer o seu trabalho e se
forem agraciados com a autorização para servir em condições
miseráveis por mais um ano, devem se contentar com isso e não pedir
nada a mais. Essa é a receita das corporações para manter uma
sociedade eficiente e estável. Como a suniversidades se moveram na
direção desse modelo de negócios, a precariedade é exatamente o que
está sendo imposto. E nós vamos ver mais e mais do mesmo.
Há outros
aspectos que também são bastante conhecidos na indústria privada,
como um grande aumento dos níveis de administração e burocracia.
Afinal, se você precisa controlar as pessoas, precisa ter uma força
administrativa que faça isso. Assim, nas empresas dos EUA, mais do
que em outros lugares, há sucessivos níveis de administração, uma
forma de desperdício econômico, mas útil para o controle e a
dominação. O mesmo ocorre em muitas universidades. Nos últimos 30,
40 anos, houve um aumento muito acentuado da proporção de
administradores em relação ao número de professores e alunos. O
nível de professores e alunos até aumentou, mas o de administradores
subiu mais proporcionalmente.
Há um livro muito
bom sobre esse tema, escrito por um conhecido sociólogo, Benjamin
Ginsberg, chamado “The Fall of the Faculty: The Rise of the
All-Administrative University and Why It Matters” (Oxford University
Press, 2011), que descreve em detalhes esse estilo de
administração com seus diversos níveis de administradores que, é
claro, são muito bem pagos. Isso inclui os administradores
profissionais, como os reitores, por exemplo, que costumavam ser
membros do corpo docente que eram deslocados por alguns anos para
exercer atividade administrativa e, depois, voltavam para seus
afazeres acadêmicos. Agora, na maioria dos casos, eles são
profissionais que contratam sub-reitores e secretários, fazendo
proliferar toda uma estrutura administrativa. Esse é outro aspecto
importante do atual modelo de negócios.
Mas o uso de
mão-de-obra barata e fragilizada no trabalho é uma prática tão
antiga quanto a iniciativa privada e os sindicatos surgiram em
resposta a ela. Nas universidades, trabalho vulnerável e barato
significa professores auxiliares e estudantes de pós-graduação.
Alunos de graduação são ainda mais vulneráveis, por razões óbvias. A
ideia é transferir as atividades universitárias aos trabalhadores
precários, o que melhora a disciplina e o controle, e também permite
a transferência de recursos para outras finalidades que não a
educação. Os custos, naturalmente, são arcados pelos estudantes e
pelas pessoas que são atraídas para estas ocupações vulneráveis. É
uma característica normal dessa sociedade de gestão de negócios
transferir os custos para o povo.
Os economistas
cooperam com esse esquema. Suponha que você encontre um erro em sua
conta corrente e ligue para o banco para tentar corrigi-lo. Bem,
você sabe o que acontece. Vai telefonar e ouvirá uma mensagem
gravada dizendo: “Nós amamos você, aqui está um menu de opções”.
Talvez esse menu tenha o que você está procurando, talvez não. Se
acontecer de você encontrar a opção correta, ouvirá alguma música e,
de vez em quando, uma voz dirá: “Aguarde, por favor, enquanto
transferimos a sua ligação”. Finalmente, passado algum tempo, você
até poderá ser atendido por um ser humano a quem poderá fazer uma
breve pergunta. Os economistas chamam isso de “eficiência”, um
sistema que reduz custos trabalhistas para o banco. É claro que
impõe custos para você e esses custos são multiplicados pelo número
de usuários, que pode ser enorme, mas que não é contado como um
custo no cálculo econômico.
Se você olhar o
modo como a socieade funciona, verá esse tipo de prática em todo
lugar. Assim, a universidade impõe custos aos alunos e professores
que não são apenas temporários, mas colocados em um modelo que
garante que eles não terão segurança. Tudo isso é perfeitamente
normal dentro de modelos de negócios corporativos. É prejudicial
para a educação, mas a educação não é seu objetivo.
Na verdade, se
olharmos para mais longe, veremos que as raízes desse modelo são
mais profundas ainda. Se voltarmos para o início dos anos 1970,
quando muitas dessas coisas atuais começaram, havia muita
precoupação em praticamente todo o espectro político sobre os temas
do ativismo dos anos 1960.
Essa época foi
chamada de “era dos problemas”, porque o país estava finando
civilizado, e isso é periogoso. As pessoas estavam se tornando
politicamente engajadas e estavam tentando conquistar direitos para
grupos com os chamados “interesses especiais”, como as mulheres, os
trabalhadores, os agricultores, os jovens, os idosos, e assim por
diante. Isso levou a uma reação grave, o que foi muito evidente.
No final liberal
do espectro político, há um livro chamado
The Crisis of Democracy: On the Governability of Democracies
(New York University Press, 1975 - Crise da Democracia: Sobre a
Governabilidade das Democracias), um relatório elaborado por Michel
Crozier, Samuel P. Huntington e Joji Watanuki para a Comissão
Trilateral, uma organização de liberais internacionalistas. O
governo Carter saiu praticamente todo de suas fileiras. Eles estavam
preocupados com o que chamavam de “crise da democracia”. Para eles,
o problema é que havia um “excesso de democracia”. Na década de
1960, havia pressões partindo de diversos setores da população,
esses “interesses especiais” que referi, para tentar obter direitos
na arena política. Para os autores, estava se colocando muita
pressão sobre o Estado e isso era errado. Havia um “interesse
especial” que eles deixaram de fora, que era o do setor empresarial.
Mas esse interesse, para eles, se confundia com o “interesse
nacional” de que não seria o caso de falar dele.
Os demais
“interesses especiais” estavam causando problemas e esses autores
disseram: “nós temos que ter mais moderação na democracia”, o
público tem de voltar a ser passivo e apático. Eles estavam
particularmente preocupados com as escolas e as universidades, que
não estavam fazendo devidamente seu trabalho de “doutrinar os
jovens”. O ativismo estudantil, sua participação nos movimentos de
direitos civis, anti-guerra, feminista, ambiental, entre outros,
mostrava que os jovens não estavam sendo doutrinados corretamente.
Como se doutrina
os jovens? Há certo número de modos de fazer isso. Um deles é
sobrecarregá-los com uma dívida irremediavelmente pesada. A dívida é
uma armadilha, especialmente a dívida do estudante, que é enorme,
muito maior do que a dívida do cartão de crédito. É uma armadilha
para o resto de sua vida, porque as leis são projetadas para que
você não fique de fora. Se uma empresa, por exemplo, fica muito
endividada, ela pode declarar falência, mas os indivíduos quase
nunca podem se aliviar de uma dívida por meio da falência. Eles
podem até mesmo tirar sua seguridade social se você não pagar. Essa
é uma técnica disciplinar. Eu não digo que foi conscientemente
produzida para ter esse efeito, mas certamente tem esse efeito.
É difícil
argumentar que há algum fundamento econômico para ele. Basta dar uma
olhada pelo mundo: na maioria dos casos, o ensino superior é
gratuito. Em países com os mais elevados índices de educação, como a
Finlândia, o ensino superior é gratuito. Em um país capitalista rico
bem sucedido como a Alemanha, é gratuito. No México, um país pobre,
com padrões de educação bastante decentes considerando as
dificuldades econômicas que enfrentam, é gratuito. Agora olhe para
os Estados Unidos: se voltarmos para os anos 1940 e 50, veremos que
o ensino superior estava muito perto da gratuidade. O GI Bill deu
educação gratuita para um grande número de pessoas que, sem isso,
nunca teria conseguido ir para a faculdade.
Foi muito bom
para eles, para a economia e para a sociedade, sendo uma das razões
para a elevada taxa de crescimento econômico naquele período. Mesmo
em faculdades particulares, a educação era muito perto de ser
gratuita. Eu fui para a faculdade, em 1945, em uma universidade da
Ivy League, a Universidade da Pensilvânia, onde a taxa de matrícula
foi de US$ 100. Isso talvez desse US$ 800 dólares hoje. E foi muito
fácil obter uma bolsa de estudos. Então era possível morar em casa,
trabalhar e ir para a escola sem grandes gastos. Hoje a situação é
ultrajante. Tenho netos na faculdade que têm que pagar sua matrícula
e trabalhar, o que é quase impossível. Para os alunos essa é uma
técnica disciplinar.
Outra técnica de
doutrinação é cortar o contato entre o aluno e o professor. Isso se
faz com turmas grandes, professores temporários que estão
sobrecarregados e mal conseguem sobreviver com seu salário. E uma
vez que você não tem nenhuma estabilidade no emprego não é possível
construir uma carreira. Você não pode seguir em frente e planejar
evoluir na carreira. Estas são todas técnicas de disciplina,
doutrinação e controle.
É muito parecido
com o que você esperaria encontrar em uma fábrica, onde os
trabalhadores têm que ser disciplinados para serem odebientes e não,
por exemplo, para desempenhar um papel na organização da produção ou
do local de trabalho. Essas funções são exclusivas dos gerentes.
Pois esse modelo foi transportado para as universidades. E creio que
não deve surpreender ninguém, que já teve alguma experiência com a
iniciativa privada, a forma como funcionam.
Sobre como o
ensino superior deve ser
Antes de tudo,
devemos deixar de lado qualquer ideia de que houve algo como uma
“idade de ouro”. As coisas eram diferentes e, em certo sentido,
melhores no passado, mas longe de setem perfeitas. As universidades
tradicionais eram extremamente hierarquizadas, com muito pouca
participação democrática na tomada de decisões. Uma parte do
ativismo dos anos 1960 queria justamente tentar democratizar as
universidades, incluindo, por exemplo, representantes dos estudantes
nas comissões do corpo docente. Esses esforços tiveram algum grau de
sucesso. A maioria das universidades tem algum grau de participação
dos estudantes nas decisões da instituição. Penso que deveríamos nos
mover nesta direção: uma instituição democrática, onde as pessoas
envolvidas (professores, alunos e funcionários) participam na
definição das políticas da instituição e de como elas são
exectutadas. E o mesmo deveria valer para uma fábrica.
Estas não são
ideias radicais, devo dizer. Elas vêm diretamente da tradição do
liberalismo clássico. Se lermos, por exemplo, John Stuart Mill, uma
figura importante dessa tradição, veremos que ele concordava com a
ideia de que os locais de trabalho deveriam ser administrados pelas
pessoas que trabalham neles. Isso seria sinônimo de liberdade e
democracia (ver, por exemplo, de John Stuart Mill, Princípios
de Economia Política, livro 4, cap.7)
Podemos encontrar
essas mesmas ideias nos Estados Unidos. Tomemos o caso dos
Cavaleiros do Trabalho (Knights of Labor, primeira organização
trabalhista nacional importante da história dos EUA, fundada em 1869
- NT). Um de seus objetivos declarados era “estabelecer instituições
cooperativas, que tenderão a substituir o sistema de salários com a
intordução de um sistema industrial cooperativado”. Ou ainda em
alguém como John Dewey, filósofo “mainstream”do século 20, que
defendeu não só uma educação voltada a desenvolver a independência
criativa nas escolas, mas também o controle das indústrias pelos
trabalhadores, o que ele chamou de “democracia industrial”.
Para Dewey,
enquanto as instituições cruciais da sociedade (como produção,
comércio, transporte e mídia) não estiverem sob o controle
democrático, então a “política (será) a sombra projetada sobre a
sociedade pelos grandes negócios” (“A
Necessidade de um novo partido”, 1931). Essa ideia quase
elementar, que tem raízes profundas na história dos Estados Unidos e
no liberalismo clássico, deveria ser uma espécie de segunda natureza
para as pessoas que trabalham e ser aplicada igualmente para as
universidades.
Há algumas
decisões em uma universidade onde não é o caso de ter (transparência
democrática) porque, por exemplo, é preciso preservar a privacidade
do aluno. Existem vários tipos de questões sensíveis, mas na maioria
da atividade normal da universidade não há razão para a democracia
direta não ser considerada legítima e útil. No meu departamento, por
exemplo, por 40 anos tivemos representantes dos estudantes
participando de reuniões do departamento.
"Governança
compartilhada" e controle dos trabalhadores
A universidade é,
provavelmente, a instituição em nossa sociedade que está mais
próxima da ideia de um controle democrático dos trabalhadores.
Dentro de um departamento, por exemplo, é normal que um professor
possa determinar uma parte substancial de como será seu trabalho: o
que vai ensinar, quando, como deve ser o currículo. A maioria das
decisões sobre o trabalho real do departamento passa pelos
professores. Há, é claro, um nível superior de questões que não fica
sob seu controle. Pode-se indicar alguém para lecionar, digamos, e
essa recomendação pode ser rejeitada pelos reitores ou
administradores. Isso não acontece com muita frequência, mas pode
acontecer. E isso sempre tem a ver com questões mais estruturais
que, embora sempre tenham existido, representavam um problema menor
quando os professores participam da administração.
Sob sistemas
representativos, você tem que ter alguém fazendo o trabalho
administrativo, mas esses mandatos devem ser revogáveis em algum
momento. Isso ocorre cada vez menos. Existem cada vez mais
administradores profissionais, em vários níveis, tomando decisões
cada vez mais distantes do controle do corpo docente. Eu mencionei
antes o livro “The Fall of the Faculty”, de Benjamin Ginsberg, que
entra em muitos detalhes sobre como isso funciona em universidades
como John’s Hopkins, Cornell e algumas outras.
Enquanto isso, o
corpo docente se vê cada vez mais reduzido à categoria de
trabalhadores temporários que têm a garantia de uma existência
precária, sem perspectiva de evoluir na carreira. Eu tenho
conhecidos que são efetivamente professores permanentes, mas eles
não têm esse status na prática, tendo de se aplicar a cada ano de
modo a serem nomeados novamente. Essas coisas não deveriam
acontecer. E a situação dos auxiliares foi institucionalizada: eles
não fazem parte do corpo de tomada de decisões e não tem segurança
no emprego, o que só amplia o problema. Esse pessoal também deveria
ser integrado ao processo de tomada de decisões, uma vez que fazem
parte da universidade.
Portanto, há
muito o quê fazer, mas podemos entender facilmente porque essas
tendências estão se desenvolvendo. Isso tem a ver com a imposição de
um modelo de negócio em quase todos os aspectos da vida. É a
ideologia neoliberal sob a qual a maior parte do mundo tem vivido há
40 anos. Ela é muito prejudicial para as pessoas e não encontra
resistência na maioria dos casos. Só duas regiões conseguiram
escapar dela: a Ásia Oriental, onde ela nunca predominou, e a
América do Sul, nos últimos 15 anos.
Sobre a alegada
necessidade de “flexibilidade”
“Flexibilidade” é
um termo que é muito familiar para os trabalhadores na indústria.
Parte daquilo que costuma ser chamado de “reforma trabalhista”
consiste em fazer o trabalho mais “flexível”, ou seja, fazer com que
seja mais fácil contratar e demitir pessoas. É, mais uma vez, uma
forma de garantir a maximização de lucro e de controle.
“Flexibilidade”, supostamente, é uma coisa boa, assim como a “maior
insegurança dos trabalhadores”. Deixando de lado a indústria, onde é
exatamente isso o que ocorre mesmo, mas universidades não há
justificativa para esse tipo de prática.
Consideremos o
caso de um curso com baixo número de matriculados. Isso não é um
grande problema. Uma de minhas filhas ensina em uma universidade e
me disse que sua carga horária sofrerá alteração porque um dos
cursos que estava sendo oferecido teve poucos matriculados. Ok, o
mundo não acaba por causa disso. O professor ou professora pode dar
um curso com uma metodologia diferente ou buscar outra alternativa.
As pessoas não têm que ser jogadas fora ou ficar inseguras por causa
da variação do número de alunos matriculados em um curso. Há várias
possibilidades de ajuste para essa situação. A ideia de que o
trbaalho deve atender às condições de “flexibilidade” é apenas mais
uma técnica padrão de controle e dominação. Por que não dizer que os
administradores devem ser jogados fora se não há nada para se fazer
naquele semestre? A mesma situação se aplica aos altos executivos
das indústrias: se o trabalho tem que ser flexível, o que dizer da
gestão? A maioria deles é bastante inútil ou até prejudicial. Então
vamos nos livrar deles. E você pode continuar assim.
Para tomar uma
notícia dos últimos dias, que tal Jamie Dimon, CEO do banco JP
Morgan Chase? Ele teve um aumento bastante substancial, quase o
dobro de seu salário, por gratidão por ter salvo o banco de
acusações criminais que teriam levado seus executivos para a cadeia.
Conseguiram escapar com apenas US$ 20 bilhões em multas por
atividades criminosas. Bem, eu posso imaginar que se livrar de
alguém assim pode ser útil para a economia. Mas não é disso que as
pessoas estão falando quando falam sobre a “reforma trabalhista”.
São as pessoas que trabalham que devem sofrer. Devem sofrer por ter
um trabalho inseguro, por não ter certeza sobre de onde sairá o pão
de amanhã. Por isso, devem ser disciplinadas e obedientes e não
fazer perguntas ou pedir por seus direitos. Essa é a maneira pela
qual os sistemas tirânicos operam. E o mundo dos negócios é um
sistema tirânico. Quando essa lógica é imposta às universidades, ela
refletirá as mesmas ideiais. Isso não é nenhum segredo.
Sobre a
finalidade da educação
Estes debates
remontam ao Iluminismo, quando as questões de ensino superior e
educação de massa estavam sendo levantadas, e não mais apenas a
educação para o clero e a da aristocracia. Havia basicamente dois
modelos discutidos nos séculos 18 e 19, e foram discutidos com
imagens bastante sugestivas. Uma imagem da educação dizia que ela
deve ser vista como um vaso que deve ser preenchido com água. Isso é
o que chamamos hoje em dia de “ensinar para testar”: você derrama
água dentro do vaso e, em seguida, ele devolve a água. Mas é um vaso
muito permeável, como muitos de nós que passamos pela experiência da
escola podemos constatar, já que podemos memorizar algo para um
exame pelo qual não tínhamos muito interesse e, uma semana depois,
não lembrarmos mais do que se tratava. O modelo do vaso nos dias de
hoje é chamado de “nenhuma criança deixada para trás”, “ensinando
para testar”, “corrida para o topo” e outras coisas semelhantes em
universidades. Os pensadores ilumistas eram contrários a esse
modelo.
O outro modelo
foi descrito pela imagem de uma corda estendida ao longo da qual o
aluno progride em seu próprio caminho, sob sua própria iniciativa,
talvez seguindo a corda, talvez decidindo ir para outro lugar,
talvez levantando questões. Seguir a corda significa impor algum
grau de estrutura. Assim, um programa de educação, seja ela qual
for, um curso sobre física ou algo assim, não será um vale tudo,
terá certa estrutura. Mas o seu objetivo é que o aluno adquira a
capacidade de investigar, de criar, inovar e desafiar – isso é que é
a educação. Um físico mundialmente famoso, foi questionado uma vez
por um aluno sobre qual seria o conteúdo do curso no semestre. Sua
resposta foi: “não importa o que vamos tratar, mas sim o que você
vai descobrir”. Você ganha capacidade e auto-confiança para desafiar
e criar. Dessa forma você internaliza o tema do estudo e pode ir em
frente. Não é uma questão de acumular uma quantidade fixa de fatos
que, em seguida, você pode descrever em uma prova e amanhã já não
lembrar.
Estes são dois
modelos bem distintos de educação. O ideal iluminista foi o segundo
e eu acho que é isso que devemos nos esforçar em buscar. Essa é a
verdadeira educação, do jardim de infância à pós-graduação. Na
verdade, existem programas desse tipo, muito bons, para o jardim de
infância.
Sobre o amor de
ensinar
Nós certamente
queremos que as pessoas, tanto professores como alunos, se envolvam
em atividades que sejam gratificantes, agradáveis, estimulantes e
excitantes. Eu realmente não acho que isso seja difícil. As crianças
são criativas, curiosas, querem saber coisas, querem entender as
coisas, e, a menos que sejam submetidas a um processo, essas coisas
ficam com elas o resto de sua vida. Se você tem oportunidade de
seguir esse compromisso, é uma das coisas mais gratificantes da
vida. Isso é verdade se você é um físico pesquisador ou se você é um
carpinteiro. Você está tentando criar algo de valor, lidando com um
problema difícil e tentando resolvê-lo. Acho que isso é o que faz
funcionar o tipo de coisa que você quer fazer.
Em uma
universidade que funciona razoavelmente, você encontra pessoas que
trabalham o tempo todo porque elas adoram o que estão fazendo. É o
que elas querem fazer. Elas receberam a oportunidade, têm os
recursos e são encorajadas a serem livres, independentes e
criativos. O que poderia ser melhor? É o que elas gostam de fazer. E
isso, repito, pode ser feito em qualquer nível.
Vale a pena
pensar sobre alguns dos programas educacionais imaginativos e
criativos que estão sendo desenvolvidos em diferentes níveis. Alguém
me descreveu, dias atrás, um programa de ciência que está usando em
escolas de ensino médio, por meio do qual os alunos são provocados
por uma pergunta interessante: "Como pode um mosquito voar na
chuva?" Essa é uma pergunta difícil quando você pensa sobre isso. Se
algo batesse em um ser humano com a força com que um pingo de chuva
bate em um mosquito ele seria achatado imediatamente. Então como é
que o mosquito não é esmagado instantaneamente? E como pode o
mosquito continuar voando? Responder essa pergunta é um trabalho
muito difícil que envolve entrar em questões de matemática, física e
biologia, questões suficientemente desafiadoras para alguém querer
encontrar uma resposta para elas.
Isso é o que a
educação deve ser em todos os níveis, desde o jardim de infância.
Existem programas de jardim de infância em que, por exemplo, é dada
uma coleção de pequenos objetos para cada criança: seixos, conchas,
sementes, e coisas assim. Em seguida, a classe recebe a tarefa de
descobrir quais são as sementes. O processo começa com o que chamam
de uma "conferência científica": as crianças conversam entre si e
tentam descobrir quais são as sementes. Há alguma orientação de
professores, é claro, mas a idéia é fazer com que as crianças pensem
sobre o tema. Depois de um tempo, são feitas várias experiências
para tentar descobrir quais são as sementes. Nesse ponto, cada
criança recebe uma lupa e, com a ajuda do professor, olham para
dentros das rachaduras da semente e encontram o embrião que faz a
semente crescer. Estas crianças aprendem algo, realmente, não apenas
sobre sementes e o que faz com que as coisas cresçam, mas também
sobre como descobrir. Eles estão aprendendo a alegria da descoberta
e da criação, e é isso o que você carrega de forma independente,
para fora da sala de aula, para além de qualquer curso.
O mesmo vale para
toda a educação, até a pós-graduação. Em um seminário de
pós-graduação razoável, você não esperar que os alunos baixem a
cabeça para copiar e depois repetir o que você diz. Você espera que
eles lhe digam quando você está errado ou que cheguem a novas
idéias, para desafiar, para perseguir algum sentido que não tinha
sido pensado antes. Isso é o que a verdadeira educação é em todos os
níveis, e é isso o que deve ser incentivado. Esse deveria ser o
propósito da educação. Não é para despejar informações na cabeça de
alguém, que depois vai “vazar” esse conteúdo, mas para permitir que
eles se tornem pessoas criativas, independentes, capazes de
encontrar emoção na descoberta e criação e criatividade em qualquer
nível ou em qualquer domínio de seus interesses.
Sobre o uso da
retórica corporativa contra as corporações
Isso é como
perguntar como você deve justificar, perante o proprietário de
escravos, que as pessoas não devem ser escravos. Você está em um
nível de investigação moral onde provavelmente é muito difícil
encontrar respostas. Somos seres humanos com direitos humanos. É bom
para o indivíduo, é bom para a sociedade e mesmo para a economia, em
sentido estrito, que as pessoas sejam criativas, independentes e
livres. Todos se beneficiam se as pessoas são capazes de participar,
de controlar seu destino, de trabalhar uns com os outros. Isso pode
não maximizar o lucro e dominação, mas por que deveríamos perseguir
esses valores?
Conselhos para
professor temporário organizar sindicatos
Você sabe melhor
do que eu o que tem que ser feito, o tipo de problemas que você
enfrenta . Então, vá em frente e faça o que tem que ser feito. Não
se deixe intimidar , não se assuste, e reconheça que o futuro pode
estar em nossas mãos, se estamos dispostos a compreendê-lo.
(*)
Noam Chomsky
OCCUPY: Class War, Rebellion and Solidarity é publicado pela
Zuccotti Park Press .
[NT] A expressão
“Adjunct Faculty” utilizada por Chomsky no texto original designa,
nos Estados Unidos, os professores universitários contratados em
regime temporário para dar um curso durante um semestre ou um ano,
não possuindo qualquer estabilidade de emprego. Essa categoria não
corresponde ao “professor adjunto” das universidades públicas
brasileiras, que são concursados e possuem estabilidade de emprego.
Tradução: Louise
Antonia León
Fonte: Ag. Carta
Maior, 2/3/2014.