Sem tetos reformam
o próprio prédio no centro de São Paulo
A
fachada do prédio no número 342 da rua Mauá era cinza, suja e pichada. Até o
final ano passado, ainda era marcada pelo abandono que o edifício sofreu no
final da década de 90, quando o antigo hotel Santos Dumont fechou e o
edifício foi largado pelos proprietários. A frente do prédio hoje está
pintada de vermelho e branco. Chama atenção em meio às lojas espremidas ao
lado da estação da Luz, numa região central mas negligenciada em São Paulo.
A
frente do prédio é parte de uma mudança maior que ocorre no local. Sem ajuda
do poder público, os sem teto estão reformando o edifício e deixando-o
melhor para os cerca de mil moradores que ocupam o prédio. O local começou a
passar por mudanças no ano passado com o auxílio de estudantes da USP
(Universidade de São Paulo) participantes do Projeto Mauá 340.
A
reforma do quadro de luz foi a primeira delas. Velho e desorganizado,
oferecia risco de incêndio ao prédio. O problema foi diagnosticado em um
relatório feito pelos estudantes e publicado na internet. Os advogados do
proprietário levaram a situação à Polícia Militar, argumentando que as
famílias deveriam sair do local devido ao perigo de incêndio. “Aquilo serviu
de lição para a gente arrumar. Trouxemos dois profissionais que entendem e
conseguimos mudar o quadro. Hoje, o perigo é bem menor,” conta Ivaneti
Araújo, líder da ocupação.
A
fachada ganhou uma cara nova no final do ano passado, quando foi pintada por
moradores com o dinheiro arrecadado dentro da ocupação. Agora, os sem teto
estão fazendo uma reforma hidráulica. Os antigos canos metálicos estão sendo
trocados por modelos mais novos. A mudança deve acabar com os vazamentos e
permitir uma nova pintura para a parte interna do prédio, que ainda tem o
antigo visual de abandono.
Risco
de despejo. As reformas foram feitas mesmo com o risco iminente de despejo.
Três reintegrações de posse foram marcadas enquanto o trabalho era
desenvolvido no ano passado. “Era uma sensação de que iria tudo por terra a
qualquer momento”, disse Felipe Zveibil, recém-formado engenheiro civil pela
USP.
O
proprietário pediu a reintegração pela primeira vez pouco antes da ocupação,
ocorrida em 2007, completar cinco anos. Sem a certeza de que continuariam no
local no dia seguinte, os moradores continuaram a reforma enquanto a disputa
judicial se alongava. “É para quebrar esse tabu que sem teto é um bando de
vagabundo, que não quer nada com a vida. Aqui não. Aqui têm famílias,
pessoas legais, trabalhadoras. Vale a pena lutar por elas e com elas,” diz
Ivaneti.
Ela
conta que o trabalho melhorou a autoestima dos moradores. “Quando as coisas
foram acontecendo, a maioria das famílias falava algo como: ‘poxa vida, lá
na rua José Paulino estão comentando que os sem teto compraram aquele
prédio’. Isso significa que o trabalhador de baixa renda pode morar no
centro. Essa coisa de querer nos empurrar para fora daqui porque não
cuidamos de onde vivemos está errada”.
Além
das reformas pontuais no local, os sem teto pedem uma mudança mais perene no
edifício, que não pode ser feita por conta própria. Eles querem a sua
desapropriação e a inclusão no programa de habitação Minha Casa, Minha Vida.
Atualmente, o edifício acumula dividas de IPTU superiores a 2,6 milhões de
reais.
Os
estudantes desenvolveram um projeto que está servindo como base das
reivindicações. Pela estimativa deles, a reforma custaria 4,5 milhões de
reais, com mudanças no edifício que permitiriam a inclusão no programa de
habitação.
Com o
prédio reformado, restariam 160 unidades, um número menor que as 237
famílias do local. Os sem tetos demandam que os apartamentos sejam
direcionados aos moradores e que os outros sejam incluídos em programas da
prefeitura. ”Vamos fazer um trabalho todo para que elas saiam com a garantia
de volta”, diz Ivaneti.
Desta
forma, os moradores têm a possibilidade de ficar em um local próximo à
oferta de empregos, transporte e comércio, em vez de se isolarem em algum
conjunto habitacional na periferia da cidade.
A
postura da prefeitura sobre a ocupação ainda não está definida. O secretário
de habitação José Floriano já se encontrou com os líderes da ocupação e
pediu um levantamento das demandas. A secretaria, porém, ainda não definiu
se deve desapropriar o prédio. Até lá, os sem teto prometem agir por conta
própria.
Fonte: Carta Capital, 5/2/13.
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