Alunos da Rural
convivem com instalações precárias e inundações
Estudantes também
são vítimas de assaltos à luz do dia
RIO
- O parque aquático da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), em Seropédica, tem quatro piscinas, mas os alunos do sexto
período do curso de educação física têm aulas práticas de natação
sem cair na água. Não se trata de um método de ensino inovador, mas
de uma tentativa vã — e indignada — de compensar os prejuízos
causados pelo fechamento do parque, que aconteceu há quase um ano.
— O professor se
deita na mesa para nos ensinar a remada — conta a paulista Isabela
Damasceno Cruz, de 20 anos, que se diz frustrada com os problemas da
UFRRJ.
Antes, segundo
ela, as aulas práticas eram ministradas num clube nas proximidades,
mas, por inadequação da piscina e falta de transporte para levar os
estudantes, o ensino agora fica só na teoria.
Uma caminhada de
quatro horas pelo segundo maior campus universitário da América
Latina, na última quarta-feira, permite constatar um cenário de
abandono. A universidade é centenária e funcionava em outro local. O
atual campus começou a ser usado em 1948.
No parque
aquático, as piscinas têm águas sujas e azulejos quebrados, e um
tanque para prática de remo está tomado por lixo. A precariedade
também está presente no Instituto de Tecnologia: o laboratório do
Departamento de Tecnologia de Alimentos está inundado. Além de
privar os alunos de usar um recurso importante, o alagamento
sistemático do local também expõe a comunidade a riscos, já que há
ali produtos nocivos à saúde que podem contaminar o lençol freático.
Outro
laboratório, o de Informática Aplicada à Arquitetura, também está de
portas fechadas. O problema ali são rachaduras que cortam o teto, as
paredes e o chão. Coordenador do curso de arquitetura, o professor
Carlos Eduardo da Silva Costa lamenta:
— É inaceitável
um curso sem laboratório de informática, mas não podemos ter aulas
aqui enquanto isso não for resolvido.
Dentro dos
prédios, o risco é visível também nas instalações elétricas, onde o
improviso é recorrente. Aluno do sexto período do curso de relações
internacionais, Lincoln Leão, de 21 anos, não quer nem pensar nos
estragos que um incêndio causaria.
— Não temos
brigada de incêndio. E, para piorar a situação, Seropédica não tem
Corpo de Bombeiros — observa ele, que faz parte do grupo de
estudantes que ocupa a reitoria desde 13 de março.
Iluminação ruim é
outra dificuldade
Fora dos
institutos, a insegurança também é grande. Estudantes e professores
reclamam de assaltos ocorridos até mesmo à luz do dia. Aluno de
engenharia química, Blayley Idegard, de 28 anos, estava sentado na
porta de um imóvel hoje usado como alojamento, entretido com seu
computador portátil, quando foi abordado por dois homens numa moto.
— Um deles me
chamou de vagabundo e apontou a arma para a minha cabeça. Para mim,
foi uma surpresa ser assaltado dentro da universidade — conta ele,
que veio do interior do Pará.
Se durante o dia
há riscos, à noite o quadro é mais complicado, pois há vários pontos
do campus onde a iluminação é precária. Esther Saraiva, de 22 anos,
aluna do quarto período de química, conta que esperava o ônibus
quando dois homens chegaram numa moto e levaram sua mochila:
— Perdi tudo:
material de estudo, dinheiro.
Na hora em que a
fome aperta, a situação no campus é igualmente desconfortável. A
fila diante do restaurante universitário assusta. Sem cobertura, os
alunos ficam debaixo de sol ou chuva. Um anexo foi construído, mas
os funcionários da unidade, que são terceirizados, pararam de
trabalhar por causa de problemas salariais .
A estudante
Esther Saraiva, de 22 anos, também não gosta da comida, mas bate o
ponto no local porque, apesar de morar no alojamento, não tem fogão
no quarto.
— Moro no antigo
hotel dos professores. Invadimos há um ano, por falta de vaga no
dormitório feminino. Lá também não é adequado. Faltam água e luz.
Grupo faz
diagnóstico
Coordenador do
Plano Diretor Participativo da UFRRJ, o professor Humberto Kzure
confirma os problemas enumerados no dossiê produzido por alunos e
enviado para a seção “Eu-Estudante”, do site do GLOBO. Ele diz
categórico:
— Uma palavra que
resume a situação hoje da UFRRJ é insalubridade.
Há dois anos, ele
iniciou um diagnóstico da situação no campus, com a participação de
professores, estudantes estagiários e técnicos administrativos. Um
calhamaço de cerca de mil páginas, com fotos anexadas, mostra que a
lista de problemas é extensa.
— São questões
que vêm se acumulando ao longo do tempo. Há problemas na qualidade
dos laboratórios, no descarte de resíduos químicos, biológicos,
sólidos. E os alojamentos não são adequados.
Ainda que o
pavilhão central da UFRRJ, onde fica a reitoria, esteja em condições
muito superiores às demais unidades do campus, Humberto Kzure
observa que há problemas na manutenção dos imóveis tombados, como a
instalação irregular de aparelhos de ar-condicionado.
Reitora: tentando
sanar problemas
Eleita nova
reitora, mas ainda não empossada, a professora Ana Maria Dantas
Soares acha que, apesar das inúmeras falhas detectadas, a
universidade “está indo bem”.
— Não deixamos de
reconhecer os problemas. Estamos tentando resolvê-los. Foram décadas
de descaso com o ensino público — diz ela, que está na UFRRJ há 34
anos, tendo ocupado o cargo de vice-reitora nas últimas duas
gestões.
Ana Maria atribui
algumas limitações ao Reuni, programa criado pelo governo federal em
2007 para ampliar o acesso ao ensino superior, por meio de aumento
de vagas e de cursos, inovações pedagógicas e combate à evasão.
— O problema, na
verdade, não é o Reuni, mas a forma como ele foi adotado. Se
tivéssemos tido a oportunidade de construir prédios, criar os cursos
e só depois virem os alunos, tudo bem. Mas não foi assim, pois era
um projeto de governo, não de Estado — observa, referindo-se à
pressa na implantação do programa.
Dados da execução
orçamentária da UFRRJ, publicados na página do Ministério da
Educação, revelam que o valor pago pelo governo à instituição
aumentou quase 24 vezes entre 2005 e 2012: saltou de R$ 14,8 milhões
para R$ 347 milhões. Sobre o incremento significativo, a direção da
universidade informa que há erro no valor registrado no site em
relação a 2005: o repasse teria sido, na verdade, de R$ 140 milhões.
O MEC, porém, garante que os dados estão corretos. Considerando
apenas os valores relativos ao Reuni, o ministério repassou, de 2007
até o ano passado, cerca de R$ 120 milhões. Para este ano, devem ser
pagos R$ 20 milhões.
Seja qual for a
quantia, os alunos que ocupam a reitoria divulgaram ontem uma pauta
de reivindicações e garantem que só liberam o gabinete após o
compromisso da direção de que as solicitações serão atendidas. E
ainda condicionam a saída à realização de uma auditoria externa pelo
Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União.
Fonte: Globo Online, Karine Rodrigues, 23/3/13.
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