RS: demissão de
professor expõe limite entre ensino e doutrina religiosa
Professor de
história em uma escola de Porto Alegre (RS) foi demitido, segundo
ele, por se recusar a abordar conteúdos religiosos nas aulas
A demissão de um
professor de história do colégio particular La Salle Pão dos Pobres,
em Porto Alegre (RS), ocorrida no dia 17 de maio, provocou protesto
dos alunos contra a direção e trouxe à tona dúvidas sobre até que
ponto a doutrina religiosa de escolas confessionais (ligadas a uma
crença religiosa) pode influenciar o currículo e a rotina da
comunidade escolar.
Há quase cinco
anos como professor de história na escola confessional de linha
cristã, Giovanni Biazzetto foi demitido, segundo sua versão, sem ter
recebido uma “explicação plausível”. O professor alega que houve
“perseguição religiosa” por parte do novo diretor, o irmão Olir
Facchinello - que está no comando da instituição desde janeiro deste
ano). O docente conta que, durante as reflexões diárias com que as
turmas iniciam a aula, foi exigido que ele abordasse conteúdos de
cunho religioso, tarefa que recusava.
“Em nenhum
momento me disseram que eu deveria dar uma aula com doutrina
religiosa. Agora imagina que coerção é para um professor que não tem
aquela crença escutar o diretor dizer: ‘todos vocês têm que falar
sobre os dons do Espírito Santo em sala de aula’”, comenta Biazetto.
O professor também se defende dizendo que nunca recebeu nenhuma
advertência anteriormente. "Minhas aulas sempre foram estruturadas
no debate, na leitura e na escrita. Isso sem contar os projetos
educacionais que criamos no colégio e que estão em andamento desde
2010”, diz.
Conforme
informações divulgadas em nota pela assessoria de comunicação da
rede La Salle Porto Alegre, o professor foi demitido devido a “uma
questão técnico-pedagógica”. A assessoria não atendeu a solicitação
da reportagem para entrevistar a direção da escola ou da rede e não
comentou as afirmações do professor demitido.
Ao lado de
Biazetto, estão dezenas de alunos e seus pais que protestaram em
frente à escola contra a demissão. De acordo com uma mãe que não
quis se identificar, o grupo teria recebido ameaças por parte da
escola de perder bolsas, por isso, os pais dos alunos envolvidos
denunciaram a escola no Conselho Tutelar, que está apurando o caso.
Atualmente, o La Salle Pão dos Pobres conta com cerca de 430 alunos,
sendo que 70% deles possui bolsa integral e 25% bolsa parcial.
Ensino religioso
é facultativo, mas proselitismo é vedado
A postura do novo
diretor também é alvo de críticas da professora de filosofia do
colégio, Gabriela Bercht, que resolveu pedir demissão depois do
ocorrido com o colega. “A escola foi se tornando um lugar mais
conservador em todos os sentidos. Nossa autonomia como professor
vinha sendo limitada, o que torna nosso trabalho quase impossível”.
Biazzetto conta
ainda que, um dia antes de sua demissão, o presidente da
mantenedora, irmão Jardelino Menegat, fez um discurso para o grupo
de educadores da escola que gerou preocupação no corpo docente. “Ele
disse: ‘quem não é cristão não serve para a nossa instituição’. Isso
comprova que a escola não está apenas seguindo uma identidade
cristã. No plano pastoral do La Salle, diz que é preciso zelar pelos
valores e pelos princípios, mas nunca impor para alguém uma
doutrina. Tanto é que na rede não existe catequese. E o irmão tenta
impor esta questão religiosa”, conta o professor demitido.
De acordo com a
Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB) do Ministério da
Educação (MEC), as escolas possuem autonomia quanto à metodologia de
ensino adotada, mas devem contemplar conteúdos obrigatórios. A
educação religiosa, conforme o artigo 33 da LDB, é facultativa. No
caso da escola oferecer a disciplina, seja ela privada ou pública,
deve ser assegurado o respeito à diversidade e fica vedada qualquer
forma de proselitismo religioso, ou seja, nenhuma doutrina pode ser
imposta aos alunos.
A diferença para
as escolas privadas confessionais é, segundo o Sindicato dos
Estabelecimentos de Ensino Privado no Estado do Rio Grande do Sul
(Sinepe-RS), que elas têm autonomia para dar mais ênfase à sua
religião no projeto pedagógico.
Segundo a
assessora educacional da rede em Porto Alegre, Rosemari Fackin, o
ensino religioso nas instituições lassalistas segue os parâmetros
nacionais da lei e trabalha valores da doutrina sem cunho
catequético. “Não temos a ideia de catequisar os alunos. Fazemos
reflexões diárias, o que não quer dizer que seja uma reza ou algo
doutrinário. Tanto que temos crianças de outras religiões e que
assistem à aula de ensino religioso. E se o pais não quiserem, o
aluno pode sair da sala”, explica.
Evolucionismo X
Criacionismo
A coordenadora do
programa de pós-graduação em educação da Universidade Metodista de
São Paulo, Roseli Fischmann, afirma que, nas escolas confessionais,
os pais devem conhecer previamente qual o tipo de abordagem
educacional da instituição. Contudo, deve ser assegurado o ensino
dos conteúdos obrigatórios, mesmo aqueles que, como o evolucionismo
de Darwin, vão contra ao que ensina a doutrina do colégio.
“Não se pode
interferir no conteúdo como se ele fosse algo que muda de escola
para escola. Dentro destas três categorias, pública, particular
privada e a particular comunitária confessional, as instituições
devem oferecer conhecimento científico acumulado pela humanidade”,
explica. Roseli reforça que "os professores não podem ser obrigados
a ensinar algo que não está correto do ponto de vista pedagógico e
da legislação ou que vá ferir a consciência deles enquanto
profissionais".
De acordo com a
assessora educacional da rede em Porto Alegre, a contratação dos
professores independe de crença, e as escolas lassalistas contemplam
os conteúdos obrigatórios. “Por exemplo, eu posso ser cristã e, no
entanto, acreditar na evolução de Darwin. Existem as duas teorias, e
elas precisam ser explicadas e podem ser debatidas em uma aula de
ciências”, diz Rosemari.
Fonte: Terra/Educação, 3/6/13.