Professor da USP
fala sobre panorama da terceirização
'É o mais
importante componente produtivo do neoliberalismo’
A questão dos
terceirizados, seja no serviço público ou no trabalho em geral, é
uma dos temas que está na ordem do dia. Nesta terça, 6 de agosto, as
centrais sindicais convocaram protestos contra o projeto de lei (PL
4330) que amplia ainda mais a possibilidade de uso de terceirizados.
Em entrevista ao jornal “Opinião Socialista”, na última sexta, 2, o
professor de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Ruy
Braga Neto, falou das relações entre terceirização e neoliberalismo,
além de traçar um panorama sobre o perfil dos terceirizados.
Acompanhe a seguir.
Opinião
Socialista
- Com a emergência da globalização, a terceirização tornou-se uma
nova forma de produzir do capitalismo?
Ruy Braga
- A terceirização como iniciativa empresarial estratégica acompanha
a transição do capitalismo fordista para a globalização capitalista.
Trata-se de um fenômeno multifacetado, mas que dialoga com, ao
menos, dois grandes processos sociais: a emergência de novos modelos
produtivos, originalmente japoneses, e o ataque neoliberal às formas
tradicionais de solidariedade operária. Por um lado, o chamado
“modelo japonês” priorizou a redução de custos, especialmente,
estoques e salários e, apoiado sobre novas tecnologias
informacionais, promoveu uma ampla terceirização das unidades
produtivas.
Aprofundou-se e
ampliou-se o “dualismo” operário, isto é, a contradição existente
entre, por um lado, um núcleo mais estável, experiente,
sindicalizado e qualificado do operariado reunido pela empresa
contratante e, por outro, uma “franja” mais jovem, inexperiente,
não-sindicalizada, semi-qualificada ou desqualificada da força de
trabalho contratada pelas empresas terceirizadas. A radicalização
desse modelo dual - que, diga-se de passagem, já existia antes do
colapso do modelo fordista tradicional ao longo dos anos 1970 e 1980
nos países de capitalismo avançado ou ao longo dos anos 1980 e 1990
no Brasil – de organização da força de trabalho promoveu uma série
de impactos sobre a composição política da classe trabalhadora.
Não por acaso, em
todo o mundo, o avanço do neoliberalismo como sistema político de
regulação econômica foi acompanhado pelo desenvolvimento de um novo
meio ambiente empresarial que costumo chamar de ‘empresa neoliberal’
cujo fundamento é exatamente a terceirização da força de trabalho,
além da externalização de processos e produtos anteriormente
realizados no interior da grande empresa fordista. Nesse sentido, a
terceirização empresarial é o mais importante componente produtivo
do neoliberalismo.
Foi por meio das
terceirizações que as empresas viabilizaram a implantação e a
difusão da flexibilidade funcional, da flexibilidade da jornada de
trabalho e da flexibilidade salarial. Além disso, a empresa
neoliberal criou um regime permanente de mobilização da força de
trabalho dirigido por sistemas de metas, cada dia mais difíceis de
alcançar, cujo resultado é o aumento da concorrência entre os
próprios trabalhadores.
Opinião
Socialista
- Nos anos 90, houve uma explosão da terceirização do trabalho no
Brasil. Como você avalia esse processo?
Ruy Braga
- Em termos comparativos, a estrutura social brasileira entrou
tardiamente na globalização neoliberal. No entanto, após o
esgotamento do modelo nacional - desenvolvimentista no final dos
anos 1980 e com a chegada ao poder de forças políticas neoliberais
nos anos 1990, a economia do país inaugurou um rápido e intenso
ciclo de privatizações e ajustes estruturais que desembocou no
advento do atual modelo de (sub) desenvolvimento pós-fordista
financeirizado.
Por um lado, a
economia foi integrada ao então afluente movimento da valorização de
capitais financeiros internacionais, atraindo enormes massas
financeiras por meio, sobretudo, das privatizações de empresas
estatais e da desnacionalização econômica promovida pela venda de
empresas privadas brasileiras. Por outro, isso implicou um profundo
ajuste dessas empresas que foram submetidas às expectativas de
valorização típicas do mercado financeiro.
Assim, o
desempenho das empresas passou a ser auferido conforme a dinâmica do
desempenho das ações nas bolsas de valores. A partir de então, o
crescimento virtual do valor dos ativos passou a regular o ritmo
real do desempenho dos negócios. Além disso, com a política do
governo brasileiro de aumentar as taxas de juros reais da economia,
as empresas viram-se obrigadas a, além de controlar minuciosamente
os custos produtivos, endurecer cada dia mais as condições de
consumo da mercadoria força de trabalho.
O ciclo atual das
terceirizações resultou dessa ampla estratégia de ajustes em diálogo
com as demandas de um novo regime de acumulação pós-fordista
financeirizado que transferiu todo o ônus das reações empresariais
às flutuações cíclicas dos mercados para as costas dos
trabalhadores.
Opinião
Socialista
- Qual é o perfil do trabalhador terceirizado?
Ruy Braga
- Trata-se de um trabalhador mais jovem, pior remunerado, mais
femininizado, menos sindicalizado, semi-qualificado ou
desqualificado e submetido aos rigores de um regime fabril
despótico, isto é, apoiado em altas taxas de rotatividade e em
condições de trabalho cada dia mais exigentes e estressantes. Para
ficarmos em dois exemplos, entre 2009 e 2012 o tempo de permanência
médio de um trabalhador no emprego no Brasil caiu de 18 para 16,3
meses. Além disso, entre 2003 e 2010, o número de acidentes de
trabalho duplicou no país.
Em geral, o
trabalhador terceirizado localiza-se nas “franjas” do processo
produtivo. No entanto, com o aprofundamento das terceirizações,
mesmo setores ou atividades consideradas essenciais já estão sendo
externalizadas. Ou seja, a precarização do trabalho que acompanha o
avanço da estratégia da terceirização empresarial tende a se ampliar
para os demais setores. Atualmente, a principal ameaça aos
trabalhadores é o Projeto de Lei 4330 que prevê, entre outras
medidas nefastas para o mundo do trabalho, a terceirização das
“atividades fins”. Caso aprovado, esse projeto de lei irá inaugurar
o ciclo da chamada “flexibilidade total” na economia brasileira, com
impactos cada dia mais perversos sobre os acidentes de trabalho, o
adoecimento do trabalhador e a elevação da rotatividade.
Texto: Entrevista
ao Opinião Socialista- Site do PSTU
Edição: Fritz R. Nunes (Sedufsm)