Uma solução porca
Anunciada como um centro-modelo de tratamento de lixo, a unidade de
Seropédica ainda não tem a área destinada a resíduos líquidos.
O jeito encontrado é levar o chorume até uma estação distante, em
Niterói
Inaugurada em
2011, a Central de Tratamento de Resíduos de Seropédica foi
apresentada por autoridades estaduais e municipais como uma
revolução no processamento do lixo no Rio. Ao custo de 224 milhões
de reais, ela foi concebida com tecnologia de ponta, que incluía
mecanismos capazes de compactar e isolar os rejeitos sem contaminar
o meio ambiente. O projeto do complexo contemplava também a coleta e
o tratamento do chorume, um líquido altamente tóxico proveniente da
decomposição do lixo, que se infiltra no solo e polui os lençóis
freáticos. Tudo apontava para uma mudança significativa no que
existia até então. Durante três décadas, os resíduos gerados
diariamente por milhões de pessoas eram depositados no Aterro de
Gramacho, em Duque de Caxias. A céu aberto, eles produziam gases
nocivos e o chorume que se formava escorria diretamente para a Baía
de Guanabara.
As boas notícias,
porém, se confirmaram apenas em parte. Quase dois anos após entrar
em funcionamento, a Central de Seropédica está capenga. Até o
momento não foi construída a prometida usina de tratamento de
chorume, que seria capaz de transformá-lo em água limpa. Sem o
equipamento, orçado em 35 milhões de reais, o jeito é recorrer a um
artifício que tem efeito colateral danoso ao meio ambiente. Todos os
dias, dezesseis caminhões-tanque transportam 110 000
litros de rejeitos de lá até a estação de tratamento de esgoto de
Icaraí, em Niterói. Devido à carga tóxica, os veículos não podem
passar pela Ponte Rio-Niterói. A solução é seguir pela Baixada
Fluminense, num percurso de 150
quilômetros por estradas sinuosas, esburacadas e mal sinalizadas, o
que aumenta o risco de acidentes. Ao chegar ao destino, o chorume é
misturado ao esgoto e passa por novo tratamento, sendo em seguida
lançado pelo emissário submarino na Baía de Guanabara. "Pedimos
esclarecimentos aos órgãos envolvidos, mas não fomos atendidos",
protesta o vereador Henrique Vieira, presidente da Comissão de Meio
Ambiente da Câmara de Niterói. "O tratamento desse tipo de resíduo é
mais complexo que o do esgoto, e não sabemos qual é o impacto do
despejo para o ecossistema marítimo."
O recurso de
transportar o chorume por rodovias não é em si um atentado
ambiental. Em São Paulo, por exemplo, ele também é recolhido nos
aterros de lixo e enviado a estações de tratamento. No entanto, a
distância máxima percorrida é de 80 quilômetros, e essa logística
era prevista nos projetos. Não é o caso de Seropédica. Em razão do
descumprimento do plano original, a Ciclus, concessionária do novo
aterro por vinte anos, foi multada em 255 000
reais no
fim de fevereiro. Essa não foi a primeira punição. Em 2012, o
Instituto Estadual do Ambiente (Inea) já havia fixado o pagamento de
100 000
reais e estipulara o mês de outubro como data-limite para a empresa
se adequar. "Não vamos abrir mão de que todo
o lixo seja tratado em Seropédica", afirma Marilene Ramos,
presidente do órgão. Agora, o cronograma foi estendido até dezembro
de 2013. Ou seja: até lá, o despejo continua. De acordo com a
empresa, o atraso ocorreu devido à falta de conhecimento do chorume
gerado no Rio. "Fizemos estudos para saber que tipos de poluente são
encontrados. Com base nessas pesquisas, vamos implantar uma usina
com a tecnologia ideal", diz Priscila Zidan, superintendente de
operações da Ciclus, que promete cumprir o prazo desta vez. A
empresa também afirma que o impacto na já poluída Baía de Guanabara
é mínimo. "É removida quase a totalidade de poluentes", destaca.
Apesar do argumento, a Câmara de Niterói fará uma audiência pública
e planeja enviar especialistas para testar a qualidade da água na
saída do emissário. Afinal, nosso cartão-postal não é esgoto.
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Fonte: Veja Rio, Ernesto Neves, 13/3/13.