Órgão da
repressão da ditadura funcionou dentro da Ufes
Durante os anos
de chumbo da ditadura militar, a Universidade Federal do Espírito
Santo (Ufes) abrigou a Assessoria Especial de Segurança e Informação
(Aesi), órgão ligado ao Serviço Nacional de Informação (SNI) e a
Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Educação
(MEC). Ligada ao SNI de Vitória, a Aesi/Ufes funcionou inicialmente
no prédio da Fafi, centro de Vitória, sendo transferida depois para
o conhecido ”Castelinho”, prédio da antiga reitoria, entre os anos
de 71/83.
“A partir de
1983, o órgão mudou de nome, se tornando uma delegacia do MEC, e só
em 1986 foi extinto”, relata o professor do Departamento de
Arquivologia e do Programa de Pós-graduação em História, Pedro
Ernesto Fagundes, que compõe o grupo da Comissão da Verdade (CV) da
Ufes. Segundo o professor, a Aesi monitorava tudo que acontecia
dentro da universidade, desde os livros que circulavam na biblioteca
até os discursos de paraninfo de turmas de formandos. “O órgão
levantava informações sobre as atividades administrativas e
acadêmicas da universidade, inclusive a contratação de professores”,
diz.
Viagens negadas
Até viagens dos
docentes para estudos e aperfeiçoamentos só eram feitas mediante
autorização. Muitos, inclusive, tiveram seus pedidos de viagem
recusados. Esse é o caso do professor Carlos Sala, 74 anos, que teve
sua viagem para Itália negada por ter pertencido à União Estudantil
de Estudantes (UEE/ES) nos idos dos anos 1960. Na época, ele cursava
Medicina, chegou a ser convocado para prestar depoimento no
exército, e teve sua ficha enviada para os órgãos de informação.
Em 1968, ele
retornou à Ufes como docente e como persona non grata foi proibido
de deixar o país. “Apesar da ordem expressa do governo, viajei assim
mesmo. Por sorte a polícia não me abordou no aeroporto, muito menos
na volta”, lembra. E ele ressalta, em seguida, “estava com a
consciência tranquila. Apesar de todo controle, não fui tão
procurado quantos outros colegas. Anos difíceis aqueles”, recorda.
Funcionamento
A Comissão da
Verdade foi instalada em março com a missão de descobrir e resgatar
os fatos relacionados às graves violações dos direitos humanos
durante o período da ditadura militar (1964-1985), com especial
atenção aos fatos decorrentes do regime de 1964. Composta por 11
integrantes, sendo um deles a professora e diretora da Adufes,
Bernardete Gomes Mian, a CV tem dois grupos de trabalho (GT). Um
está responsável pelas entrevistas. O outro, pela recuperação do
acervo.
“O que se dizia é
que a Ufes não tinha mais nenhum documento da época, inclusive por
causa de um grande incêndio que teria queimado tudo. Já encontramos
1100 páginas de documentos importantes do período”, comemora o
professor Pedro Ernesto.
Varredura
Encontrar todo o
material da época não tem sido uma tarefa fácil. A maior parte do
acervo já em poder da comissão estava debaixo de escadas, em
banheiro desativado no prédio da reitoria e até no forro do teto de
um dos prédios do CSS. “O material nos mostra que houve muita
censura na universidade, principalmente com a circulação de ideias e
de conhecimentos”, ressalta Bernardete Gomes Mian, diretora da
Adufes.
Todo o trabalho
de pesquisa deve ser concluído em dois anos. Ao final, será
elaborado relatório mostrando como o cotidiano da Ufes foi afetado
durante os 21 anos da ditadura. Sete pessoas
(técnico-administrativos, docentes e ex-estudantes), já foram
ouvidos até agora. Mas a CV espera novos depoimentos.
Comissão Nacional
A apuração da CV
da Ufes poderá servir de subsídio para o trabalho da Comissão
Nacional da Verdade (CNV) que esteve no Espírito Santo no mês
passado. Além de várias audiências públicas, a CNV se reuniu com as
comissões locais. Os encontros serviram para traçar formas de
cooperação mútua.
* Com edição do
ANDES-SN, 23/9/13.
Fonte: Adufes - Seção Sindical