MPF denuncia
coronel Ustra por ocultação de cadáver na ditadura militar
O Ministério
Público Federal (MPF) em São Paulo denunciou, pelo crime de
ocultação de cadáver, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante
Ustra, comandante do Destacamento de Operações de Informações -
Centro de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-Codi) no
período de 1970 a 1974. Também foi denunciado pelo mesmo crime o
delegado aposentado Alcides Singillo, que atuou no Departamento de
Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP) na ditadura militar.
Na ação, ajuizada
na última sexta-feira (26), Ustra e Singillo são acusados de ocultar
o cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe, então com 27
anos, morto no dia 5 de janeiro de 1972. Torigoe foi membro da Ação
Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento de Libertação Popular,
organizações de resistência à ditadura.
De acordo com o
MPF, a versão oficial do crime – divulgada à imprensa duas semanas
após o desaparecimento do estudante – sustenta que Torigoe foi morto
na Rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, na zona oeste de
São Paulo, em um tiroteio com a polícia. Segundo as fontes oficiais
da época, a demora na divulgação da morte ocorreu porque a vítima
usava documentos falsos, com o nome de Massahiro Nakamura.
No entanto, o MPF
contesta a versão oficial com base no depoimento de duas
testemunhas: André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade, presos
na mesma data. De acordo com os depoimentos, Torigoe foi ferido e
levado ainda com vida ao DOI-Codi do 2º Exército, no bairro do
Ibirapuera, onde foi interrogado e submetido à tortura.
As testemunhas
afirmaram que os agentes responsáveis pela prisão de Torigoe tinham
pleno conhecimento da verdadeira identidade do detido. Apesar disso,
de acordo com o MPF, todos os documentos a respeito da morte da
vítima, inclusive o laudo de necropsia, a certidão de óbito e o
registro no cemitério, foram elaborados em nome de Massahiro
Nakamura.
Para o MPF, além
de utilizarem o nome falso nos documentos de óbito e de sepultarem
clandestinamente o estudante no Cemitério de Perus, em São Paulo, os
subordinados de Ustra negaram aos pais de Torigoe informações a
respeito do filho desaparecido.
Na ação, o órgão
acusa Ustra de enterrar clandestinamente Hirohaki Torigoe,
falsificar os documentos sobre a morte com o intuito de dificultar a
localização do corpo, ordenar a seus subordinados que deixassem de
prestar informações aos pais da vítima e de retardar a divulgação da
morte em duas semanas, com a intenção de ocultar o cadáver e
garantir a impunidade pelo homicídio.
“A conduta dolosa
de ocultação do cadáver resta totalmente caracterizada pelo fato de
que os pais da vítima estiveram nas dependências do DOI-Codi antes
da divulgação da notícia do óbito, em busca do paradeiro do filho.
Lá, porém, funcionários do destacamento sonegaram-lhes a informação
de que Hirohaki Torigoe fora morto naquele mesmo local e que seu
corpo fora clandestinamente sepultado com um nome falso”, ressalta o
texto da ação.
Desde 2006, um
inquérito civil público busca localizar os restos mortais de
Hirohaki Torigoe. “Até hoje permanecem os restos mortais de Hirohaki
Torigoe ocultos para todos os fins, inclusive os penais”, afirma o
MPF.
O delegado de
Polícia aposentado Alcides Singillo é acusado de deixar de comunicar
a correta identificação e localização do corpo à família da vítima,
o cemitério onde ele supostamente foi enterrado e o cartório de
registro civil onde a morte foi registrada. De acordo com o MPF,
Singillo era, na época, delegado do Deops de São Paulo e tinha
ciência da identidade do estudante, pois colheu o depoimento do
verdadeiro Massahiro Nakamura, que foi a delegacia após a notícia de
que Torigoe usava seu nome.
Segundo o
advogado de Ustra, Paulo Esteves, o ex-coronel nunca participou de
nenhum tipo de violação de direitos. “A violência não foi apanágio
da vida dele”, disse. A reportagem não conseguiu localizar o
advogado do ex-delegado Singillo.
Fonte: Brasil de Fato, 30/4/13. [Bruno Bocchini da Agência Brasil]