Rio - Não lembro de minha primeira ida ao cinema ou ao
Zoológico. Mas não esqueço a minha estreia no Maracanã, o dia em
que, como escreveu Armando Nogueira, fui menino-que-chega — “Esse é
o glorioso destino do grande estádio: cada menino que chega é grama
nova que floresce no campo.” O Botafogo venceu o Madureira, 1 a 0.
Ao levar os filhos ao Maracanã, pais cumprem um ritual de iniciação.
O evento vai além da ligação entre pai e filho, é um momento crucial
de renovar, por mais uma geração, o amor por determinadas cores e
símbolos, algo que nos acompanhará por toda a vida.
Antes de ir ao Maracanã eu havia sido levado a General Severiano,
para um outro jogo contra o Madureira. Foi ótimo ver de perto
jogadores como Manga, Leônidas, Gérson, Jairzinho, Roberto. Mas nada
se comparava ao impacto de se descobrir no então maior do mundo, de
encarar aquela imensidão das arquibancadas. Hoje, o estádio não é
mais o mesmo, ficou mais confortável e acanhado, mas não deixa de
ser o Maracanã.
O problema é que esta sua adaptação à nova ordem do futebol
consolidou uma mudança no preço dos ingressos que dificulta a
chegada de meninos pobres ao estádio, impede que eles participem do
tal rito ao lado de seus pais. Claro que há exclusões muito graves e
vergonhosas, como a falta de acesso à boa educação, ao saneamento,
ao atendimento médico. Mas a expulsão dos sem-grana do Maracanã é
uma maldade que rompe um dos fios que ajudaram a transformar o
futebol em um dos elementos centrais de nossa cultura, de nosso
jeito de ser. Numa sociedade tão dividida e injusta, a mistura de
ricos, pobres e remediados — que lá compartilhavam das mesmas
angústias e alegrias — apontava o caminho para uma convivência mais
ampla. Isto, da mesma forma que o nosso futebol, de origem tão
elitista, cresceu ao se miscigenar.
Em ‘Menino-que-chega’, o alvinegro Armando Nogueira fala de “tanta
gente sem endereço” que, no estádio, teve seu momento de herói e
semideus. Como Gilberto Gil em ‘Lunik 9’ — ao mesmo tempo contente e
triste pelo desbravamento da Lua —, comemoro a possibilidade de os
times brasileiros ficarem mais fortes, mas não dá para aceitar que
isto implique fechar as portas a tantas pessoas. Gente que, como
também disse Armando Nogueira, tinha no Maracanã sua hora “de viver
a vitória que lá fora a vida negou-lhe a semana inteira”.
* Fernando Molica é jornalista e escritor.
E-mail:
fernando.molica@odia.com.br