MENINOS QUE NÃO CHEGAM MAIS AO MARACANÃ

Nada se comparava  ao impacto de  se descobrir  no então  maior  do mundo, de encarar a imensidão das arquibancadas

Por Fernando Molica*

Rio - Não lembro de minha primeira ida ao cinema ou ao Zoológico. Mas não esqueço a minha estreia no Maracanã, o dia em que, como escreveu Armando Nogueira, fui menino-que-chega — “Esse é o glorioso destino do grande estádio: cada menino que chega é grama nova que floresce no campo.” O Botafogo venceu o Madureira, 1 a 0.

Ao levar os filhos ao Maracanã, pais cumprem um ritual de iniciação. O evento vai além da ligação entre pai e filho, é um momento crucial de renovar, por mais uma geração, o amor por determinadas cores e símbolos, algo que nos acompanhará por toda a vida.

Antes de ir ao Maracanã eu havia sido levado a General Severiano, para um outro jogo contra o Madureira. Foi ótimo ver de perto jogadores como Manga, Leônidas, Gérson, Jairzinho, Roberto. Mas nada se comparava ao impacto de se descobrir no então maior do mundo, de encarar aquela imensidão das arquibancadas. Hoje, o estádio não é mais o mesmo, ficou mais confortável e acanhado, mas não deixa de ser o Maracanã.

O problema é que esta sua adaptação à nova ordem do futebol consolidou uma mudança no preço dos ingressos que dificulta a chegada de meninos pobres ao estádio, impede que eles participem do tal rito ao lado de seus pais. Claro que há exclusões muito graves e vergonhosas, como a falta de acesso à boa educação, ao saneamento, ao atendimento médico. Mas a expulsão dos sem-grana do Maracanã é uma maldade que rompe um dos fios que ajudaram a transformar o futebol em um dos elementos centrais de nossa cultura, de nosso jeito de ser. Numa sociedade tão dividida e injusta, a mistura de ricos, pobres e remediados — que lá compartilhavam das mesmas angústias e alegrias — apontava o caminho para uma convivência mais ampla. Isto, da mesma forma que o nosso futebol, de origem tão elitista, cresceu ao se miscigenar.

Em ‘Menino-que-chega’, o alvinegro Armando Nogueira fala de “tanta gente sem endereço” que, no estádio, teve seu momento de herói e semideus. Como Gilberto Gil em ‘Lunik 9’ — ao mesmo tempo contente e triste pelo desbravamento da Lua —, comemoro a possibilidade de os times brasileiros ficarem mais fortes, mas não dá para aceitar que isto implique fechar as portas a tantas pessoas. Gente que, como também disse Armando Nogueira, tinha no Maracanã sua hora “de viver a vitória que lá fora a vida negou-lhe a semana inteira”.

 

* Fernando Molica é jornalista e escritor.
E-mail:
fernando.molica@odia.com.br

 


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