'Me sinto uma
rainha', diz brasileira professora no país nº 1 em educação
Formada pela
UFBA, Luciana Pölönen dá aulas há três anos na Finlândia.
País no Norte da Europa tem a melhor educação do mundo.
País com a melhor
educação do mundo, a Finlândia tem entre os seus professores da rede
pública uma brasileira. Luciana Pölönen, de 26 anos, nasceu em
Salvador (BA), é formada em letras pela Universidade Federal de
Bahia (UFBA) e se mudou para Finlândia em 2008, com objetivo de
fazer mestrado. Desde 2010, compõe o corpo docente finlandês. No
país do Norte da Europa, mais do que emprego, ela encontrou a
valorização da profissão de lecionar.
"Eu me sinto como
uma rainha ensinando aqui. Ser professor na Finlândia é ser
respeitado diariamente, tanto quanto qualquer outro profissional!",
afirma a brasileira, que se casou com um finlandês, tem uma filha de
três anos, Eeva Cecilia, e está grávida à espera de um menino. "Aqui
na Finlândia o sistema é outro, o professor é o pilar da sociedade."
A comparação com
sua experiência escolar no Brasil é inevitável. "No Brasil só dei
aulas em cursos, mas estudei em escola pública, sei como é. Sofria
bullying, apanhava porque falava o que via de errado e os
professores não tinham o respeito dos pais", diz Luciana.
Por quatro anos
consecutivos, a Finlândia ficou entre os primeiros lugares no
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que mede a
qualidade de ensino. Durante visita em São Paulo, na semana passada,
a diretora do Ministério da Educação e Cultura, Jaana Palojärvi,
disse que o segredo do sucesso do sistema finlandês de ensino não
tem nada a ver com métodos pedagógicos revolucionários, uso da
tecnologia em sala de aula ou avaliações nacionais. O lema é treinar
o professor e dar liberdade para ele trabalhar.
Luciana aprova o
método. Há dois anos dá aulas na Escola Europeia de Helsinque,
capital da Finlândia, de nível fundamental e médio e há um ano
leciona português em uma escola de ensino fundamental em Espoo,
cidade próxima à capital. "Dou aula de português porque toda criança
falante de duas línguas tem o direito ao ensino de uma língua
estrangeira na escola. Ou seja, todos os filhos de brasileiros têm
direito ao ensino de português como língua mãe."
Para conseguir a
vaga, a brasileira passou por avaliação do histórico escolar da
universidade, enviou uma carta pessoal em que expôs suas intenções,
e enfrentou uma entrevista, uma espécie de prova oral feita em
inglês.
Com o trabalho
nas duas escolas, Luciana ganha 2.500 euros, o equivalente a R$
6.500. Luciana tem contrato temporário porque ainda não finalizou o
mestrado, termina a dissertação no fim do ano, por isso há uma
redução no salário de 15% e de tarefas extras.
"Tenho total
liberdade para avaliar meu aluno, tenho a lista de coisas de que ele
tem de aprender até o fim do ano, mas como vou fazer fica a meu
critério. Não preciso aplicar prova a toda hora, nem justificar nada
para o coordenador", afirma. "Temos cursos de aperfeiçoamento sem
custo, descontos em vários lugares com o cartão de professor, seguro
viagem, entre outros."
Para Luciana, os
alunos aprendem porque há um comprometimento deles, dos pais e da
comunidade. "Eles aprendem o respeito desde pequenos, a honestidade
vem em primeiro lugar. As pessoas acreditam umas nas outras e não é
necessário mentir. Um professor quando adoece pode se ausentar até
três dias. Funciona muito bem."
Tradução e aula
particular
Logo chegou à
Finlândia, Luciana trabalhou como analista de mídia. Depois, em
2010, antes de atuar na rede de ensino pública, conciliava trabalhos
de tradução e de professora particular. "Se aparecesse um trabalho
para fazer limpeza, eu toparia sem problemas, desde que fosse
honesto. Mandava currículo para algumas empresas, mas nunca era
chamada. Pensei em omitir minha formação [em letras, pela UFBA],
caso não arrumasse nada."
Luciana voltou a
trabalhar quando a filha tinha apenas um mês. Era um trabalho de
tradução que às vezes fazia de casa ou ia até a empresa que ficava
próxima à sua casa. Escapava para amamentar no intervalo do café.
"Aqui a licença maternidade dura três anos, as pessoas achavam um
absurdo eu trabalhar com uma filha de um mês. Na verdade faz parte
da educação deles, hoje eu entendo mais."
O respeito pelo
próximo também é algo muito enraizado na cultura do finlandês.
Luciana diz que diferente do Brasil, nunca sentiu preconceito na
Finlândia por ser negra ou estrangeira. "Aqui as pessoas não parecem
notar a cor de pele do outro contanto que exista respeito mútuo."
Casos de
violência ou bullying são muito raros nas escolas. "Foram cinco
casos de violência no ano, mas para eles é um absurdo, não deveria
acontecer. Eles sempre têm um plano para cada tipo de aluno, não é
uma única forma para a classe inteira. No final, todos alcançam o
mesmo objetivo."
Diferenças
Na Finlândia, o
professor é proibido por lei de encostar no aluno. Nem mesmo para
dar um abraço. Luciana soube disso durante a aula de inglês, no
estágio, em uma atividade onde alunos precisam demonstrar
sentimentos numa espécie de encenação teatral e ela "relou" em uma
aluna. A classe toda ficou estática, espantada.
Hoje, Luciana se
acostumou à cultura. "Acho que acostumei, nunca gostei muito de
abraçar as pessoas se não houvesse um motivo muito importante para
isso. Talvez esse seja o motivo de eu ter me acostumado aqui." O
frio também não lhe causa incômodo, nem mesmo a temperatura de 25
graus negativos que já encarou. Para a baiana, não há problemas
desde que esteja com a roupa apropriada para manter o corpo
aquecido.
Planos para o
Brasil
No fim do ano,
Luciana vai aproveitar as férias para voltar ao Brasil para visitar
a família. Durante a temporada de dois meses pretende fazer
workshops em escolas sobre o sistema de educação finlandês.
“Gostaria de ajudar os professores de alguma forma, com treinamento,
é o que eu devo para o meu país. Minha parte é tentar ajudar da
maneira que eu posso.”
Para ela, a
receita da Finlândia para ter uma educação nota 10, baseada na
simplicidade, daria certo no Brasil se "as pessoas parassem de
esperar ações do governo e agissem com as próprias mãos." "Gostaria
que minha filha visse meu país diferente e eu não tivesse de pagar
uma mensalidade de 2 a 3 mil reais [caso morasse no Brasil] em uma
escola particular para oferecer a ela uma educação de qualidade."
Se o abraço tão
habitual no Brasil não lhe faz falta e o frio não a incomoda,
Luciana sente saudades de gargalhar com os amigos, de se deliciar
com a comida da minha mãe, conversar a avó, escutar músicas com a
tia e assistir Fórmula 1 com o pai. "Matamos as saudades via Skype
ou quando alguns parentes visitam a Finlândia."
Fonte: G1/Educação, 3/6/13.
Íntegra:
[http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/06/me-sinto-uma-rainha-diz-brasileira-professora-no-pais-n-1-em-educacao.html]