Massacre de
Carajás e o pacto do latifúndio com o Judiciário
O resultado foi
19 mortos no ato, sem direito a defesa, 65 feridos incapacitados
para o trabalho e dois mortos dias depois. O líder Oziel da Silva,
com apenas 19 anos, foi preso, algemado e assassinado a coronhadas,
na frente dos seus companheiros, enquanto um policial mandava que
gritasse “Viva o MST”
Uma marcha
pacífica com mais de mil trabalhadores rurais organizados pelo MST
percorria uma rodovia de Parauapebas a Marabá em 17 de abril de
1996. Foram encurralados por dois batalhões da Policia Militar, em
uma no localidade conhecida como Curva do S, no município de
Eldorado de Carajás. Um batalhão saíra de Parauapebas e outro de
Marabá, apoiados por caminhões boiadeiros, que trancaram a estrada
dos dois lados.
Assim começou um
massacre premeditado, realizado para dar uma lição naqueles
"vagabundos vindos do Maranhão", como expressaram os policiais nos
autos dos processos. Os policiais saíram dos quartéis sem
identificação na farda, com armamento pesado e balas verdadeiras. O
comando de Marabá chegou a avisar o Pronto Socorro e o Instituto
Médico Legal (IML) para ficarem de plantão…
O julgamento
demonstrou que, além das ordens explícitas de Paulo Sette Câmara,
secretário de segurança do governo tucano de Almir Gabriel, a
empresa Vale do Rio Doce financiou a operação, cobrindo todos os
gastos, porque o protesto dos sem-terra na rodovia atrapalhava a
circulação de seus caminhões.
O resultado foi
19 mortos no ato, sem direito a defesa, 65 feridos incapacitados
para o trabalho e dois mortos dias depois. O líder Oziel da Silva,
com apenas 19 anos, foi preso, algemado e assassinado a coronhadas,
na frente dos seus companheiros, enquanto um policial mandava que
gritasse “Viva o MST”.
Esses episódios
estão registrados em mais de mil páginas dos autos do processo e
foram descritos no livro "O Massacre", do jornalista Eric Nepomuceno
(Editora Planeta). Passados 17 anos, foram condenados apenas os dois
comandantes militares, que estão recolhidos em algum apartamento de
luxo dos quartéis de Belém.
O coronel Pantoja
ainda tenta se livrar da prisão e pede para cumprir a pena de 200
anos em regime domiciliar. Os demais responsáveis no governo federal
e estadual e empresa Vale foram inocentados. A Justiça se contentou
em apresentar à sociedade dois bodes expiatórios.
Impunidade dos
latifundiários
No Brasil
inteiro, o cenário é o mesmo: desde a redemocratização, foram
assassinados mais de 1.700 lideranças de trabalhadores e apoiadores
da luta pela terra. Somente 91 casos foram julgados. Apenas 21
mandantes foram condenados.
O Massacre de
Carajás se inscreve na prática tradicional dos latifundiários
brasileiros, que com seus pistoleiros fortemente armados ou por meio
do controle da Polícia Miliar e do Poder Judiciário, se apropriam de
terras públicas e mantêm privilégios de classe, cometendo
sistematicamente crimes que ficam impunes.
A atuação do
latifúndio corresponde à correlação de forças políticas. Durante o
governo José Sarney, diante do avanço das lutas sociais e da
esquerda, organizou a UDR (União Democrática Ruralista). Com isso,
se armou até os dentes, desrespeitando todas as leis. Foi o período
com o maior número de assassinatos. Os fazendeiros chegaram à
petulância de lançar seu próprio candidato à Presidência, Roberto
Caiado, que foi solenemente condenado pela população brasileira ao
receber apenas 1% dos votos.
Nos governos
Fernando Collor e FHC, com a derrota do projeto democrático-popular
e da luta social que se aglutinava ao redor da candidatura de Luiz
Inácio Lula da Silva em 1989, os latifundiários se sentiram
vitoriosos e utilizaram sua hegemonia no Estado para controlar a
manu militari a luta pela terra. Nesse período, aconteceram os
massacres de Corumbiara (RO), em 1995, e de Carajás.
Lula chegou ao
governo, em 2003, quando parte dos latifundiários tinha se
modernizado e preferiu fazer uma aliança com o governo, apesar de
ter apoiado a candidatura de José Serra. Em troca, recebeu o
Ministério da Agricultura. Um setor mais truculento e ideológico
resolveu dar uma demonstração de força e mandar avisos para
demonstrar "quem de fato mandava no interior e nas terras", ainda
mais depois de Lula colocar o boné do MST.
Nesse contexto,
aconteceram dois novos massacres, com ares de perversidade. Em 2004,
a poucos quilômetros do Planalto Central, no município de Unaí (MG),
uma quadrilha de latifundiários mandou assassinar dois fiscais do
Ministério do Trabalho e o motorista da viatura, quando o grupo se
dirigia a uma fazenda para fazer uma inspeção de trabalho escravo.
Um dos fazendeiros se elegeu prefeito da cidade pelo PSDB e, até
hoje, o crime está impune. O Estado não teve coragem de defender
seus servidores.
O segundo
massacre foi em novembro de 2005, no município de Felisburgo (MG),
quando o fazendeiro-grileiro Adriano Chafik resolveu acabar com um
acampamento do MST. Chafik foi com seus pistoleiros à fazenda e
comandou pessoalmente a operação em um sábado à tarde. No ataque,
deram tiros em direção às famílias, colocaram fogo nos barracos e na
escola. O saldo foi o assassinato de mais cinco trabalhadores rurais
e dezenas de feridos. Depois de oito anos de espera, o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais marcou o julgamento do fazendeiro para 15 de
maio, em Belo Horizonte. Esperamos que a justiça seja feita.
Os fazendeiros
truculentos – que felizmente não são a maioria – agem assim, porque
têm certeza absoluta de sua impunidade, graças ao conluio que mantêm
com os poderes locais e com o Poder Judiciário. Agora, nos últimos
anos, seu foco está voltado para o Poder Legislativo, onde mantêm a
chamada Bancada Ruralista, para mudar leis e para se proteger da lei
vigente.
Já fizeram as
mudanças no Código Florestal e impedem a implementação da lei que
obriga a desapropriação das terras dos fazendeiros que exploram o
trabalho escravo. A cada ano, a Policia Federal liberta em média
dois mil seres humanos do trabalho escravo. No entanto, os
latifundiários continuam com essa prática, apoiados na impunidade do
Poder Judiciário.
Tiveram a coragem
de encaminhar projetos de lei que contrariam a Constituição para
impedir a demarcação das terras indígenas já reconhecidas, legalizar
o arrendamento das áreas demarcadas e permitir a exploração dos
minérios existentes. Foram apresentados projetos também para travar
a titulação de terras de comunidades quilombolas.
Uma série de
projetos foi apresentada para liberar o uso de agrotóxicos proibidos
na maioria dos países, classificados pela comunidade cientifica como
cancerígenos, e para impedir que os consumidores saibam quais
produtos são transgênicos. Por que não querem colocar no rótulo nos
produtos transgênicos, já que garantem segurança total para a saúde
das pessoas?
A sanha da
ganância dos fazendeiros não tem limites. No interior, usam com mais
frequência a violência física e os assassinatos. No entanto, essa
sanha tem consequências diretas para toda a população, pela
apropriação das terras públicas, pela expulsão dos camponeses do
meio rural que incha as favelas e pelo uso indiscriminado dos
agrotóxicos, que vão parar no seu estômago e causam câncer.
Infelizmente, tudo isso é acobertado por uma mídia servil e
manipuladora da opinião pública.
Fonte: Brasil de Fato, João Pedro Stedile, 17/4/13.