Marcha Mundial das Mulheres é feminismo nos cinco continentes


Os cinco continentes do planeta estão representados no 9º Encontro Internacional da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), que começou segunda-feira (26) a todo vapor, com o lema “Feminismo em Marcha para Mudar o Mundo”. Desde cedo, foram chegando centenas e centenas de mulheres ao Memorial da América Latina, em São Paulo, que ficou colorido de beleza, diversidade e alegria. Participam do evento 1.600 mulheres de 49 países. Mulheres de cores diferentes, culturas diversas, línguas variadas, mas que se identificam ao trocarem suas histórias, pois o opressor é o mesmo. O capitalismo patriarcal, na sua face neoliberal conduzida pelo imperialismo dos EUA e aliados, tenta sair da enorme crise atual privatizando o que resta de bens públicos, avançando sobre os territórios e sobre o corpo das mulheres, controlando a vida.

“Os contextos são particulares, mas semelhantes”, disse Miriam Nobre, coordenadora do Secretariado Internacional da Marcha desde 2006, na coletiva de imprensa realizada na manhã do primeiro dia do encontro. “A militarização, por exemplo, parecia algo distante de nós, o corpo das mulheres utilizado militarmente; mas percebemos isso claramente na Colômbia, quando agentes de grupos armados seduziam jovens para prestarem variados serviços, de trabalhos domésticos à funções de informantes”, relatou. “E não é o mesmo que acontece no Brasil nas favelas e periferias?”. Miriam lembrou ainda da grave situação na República Democrática do Congo, onde a MMM encerrou sua terceira ação internacional, em 2010, assim como das recentes atrocidades ocorridas na Guatemala.

A militarização de países e comunidades é a única garantia de submissão dos povos às injustiças e aos crimes cometidos pelo capital em todo o planeta. Malalaia Joya, da MMM do Afeganistão, relatou o sofrimento do seu povo, especialmente das mulheres, com a ocupação por soldados estrangeiros, de vários países, na conferência “Acumulação por despossessão: trabalho, natureza, corpo das mulheres e desmilitarização”, realizada antes da abertura oficial do encontro. Segundo a militante afegã, seu país é considerado “o lugar mais perigoso do mundo para as mulheres”. É também um país onde 27 milhões estão abaixo da linha de pobreza, e que os EUA transformaram no produtor de ópio mundial, onde existe o casamento forçado, inclusive de crianças, ataques com ácido, estupros e mortes de mulheres. Malalaia, que é parlamentar em seu país, está ameaçada de morte; os meios de comunicação, diz ela, são misóginos, ameaçam os jornalistas que tentam mostrar a realidade.

Despossessão dos territórios e dos corpos

Militarização, invasão de territórios e mercantilização do corpo da mulher vêm sempre juntos, seja no campo ou na cidade. Exemplo de outro país impactado pela militarização são as Filipinas. Rico em diversos minerais, o país teve nova lei de mineração aprovada em 1995, e as multinacionais entraram ainda mais, tomando as terras ancestrais dos povos indígenas, militarizando a vida para garantir desenvolvimento dos seus projetos. EUA e Austrália são as principais forças imperialistas presentes em vários países da Ásia, segundo Jean Enriquez, do comitê internacional da MMM e da Coalizão contra Tráfico de Mulheres, que atua no sudeste asiático. “As grandes corporações obrigam indígenas, camponeses e pescadores a irem para as cidades ou impõe trabalho sem direitos trabalhistas. A maior parte das mulheres da Ásia é vulnerável ao tráfico sexual, aumenta a prostituição, usam as mulheres como mercadoria nessas invasões”.

Também a riqueza e diversidade da África despertam a cobiça das multinacionais. “Terras férteis e rico subsolo”, como disse Nana Aicha Cissé, do Mali, representando o continente africano na cerimônia de abertura. “Fazem acordos de livre comércio em detrimento da nossa produção, não dominamos mais os preços, com a chegada de produtos manufaturados, mudam nossos hábitos alimentares. Com a entrada de armas mulheres e crianças sofrem as conseqüências, há muitas violações humanas na vida cotidiana”. Em Moçambique, a luta é contra empresas brasileiras, como a Vale do Rio Doce, que tem invadido terras de comunidades com sua mina de ferro e contra projetos como o Pro Savanna, promovido pelos governos do Brasil e do Japão junto ao governo de Moçambique para implementação de monoculturas de soja e cana-de-açúcar.

Miriam Nobre mostra semelhanças entre processos ocorridos em Burkina Faso, país africano onde a MMM encerrou sua segunda ação internacional em 2005, e o Brasil. É grande a produção de manteiga de karité em Burkina Faso, que era utilizada como fonte de energia, para várias coisas, inclusive para cozinhar. “Até seu descobrimento pela indústria cosmética”, contou Miriam na coletiva de imprensa. Se num primeiro momento houve animação com um possível acesso à renda pela população, o oposto logo se mostrou. “Comprometeram o uso, falta agora como fonte de energia, o que se podia comprar antes agora é mais caro. Semelhante com o processo das quebradeiras de coco babaçu no norte brasileiro, que lutam para garantir suas plantações livres. Se o desenvolvimento vem de fora não será bom”, concluiu a Coordenadora Internacional da Marcha.

“Cada país tem o seu processo”, falou a mexicana de Chiapas, Norma Cacho, pela América Latina. “Mas nós compartilhamos como região processos de destruição e morte dos nossos países, destruição da mãe terra, privatização dos bens comuns, modelo mineiro extrativo depredador, monoculturas no caso do Brasil e do México, ameaças à nossa soberania alimentar”. Assunto também das feministas ecológicas, como Ariel Saleh, da Austrália, professora de Economia Política na Universidade de Sidney. “É premissa do capitalismo patriarcal dominar a natureza e as mulheres, oprimindo e explorando”, falou Ariel, contando dos anos 70, quando a mineração de urânio trouxe militarismo e poluição ao seu país e também quando ela se tornou feminista. Segundo a professora, pesquisa feita na Alemanha revelou que, para cada quilo de produtos consumidos, 5kg de recursos são retirados da natureza, inclusive fora do país. Ariel criticou as falsas soluções e tecnologias criadas pelo capitalismo, como economia verde, economia sustentável, falou dos perigos da nanotecnologia, mas também da biocivilização, teoria para uma nova humanidade que também está sendo construída.

Imperialismo e fundamentalismo juntos

A Marcha Mundial de Mulheres no mundo árabe, que vive um momento histórico, também se fez representar no evento de abertura por Khitam Khatib, da União das Mulheres Palestinas. “As ditaduras humilharam muito os nossos povos, que buscam a liberdade”, falou a palestina. “O imperialismo voltou a interferir com alianças com o fundamentalismo, que é a face do imperialismo no mundo árabe”. Khitam falou sobre o processo do Egito, da Tunísia, do Bahrein, de como “o imperialismo interage diretamente por meio de países como a Líbia. Falamos de novos movimentos, novas forças criadas relacionadas com o imperialismo, prontas a matar e cometer grandes violências”, denunciou. A militante falou do aumento das mortes na Síria e no Iraque, do fortalecimento das entidades sionistas na Palestina, principal instrumento imperialista na região. E da aliança do imperialismo com o fundamentalismo islâmico, “estratégia para enfraquecer o mundo árabe”. Khitam elogiou a presença da MMM no mundo árabe, o apoio a luta da Tunísia, o trabalho para construir o Fórum Social Mundial Palestina Livre.

“A soberania nacional tem diminuído, são as elites e não os povos que ditam as políticas”, é a base do quadro que Yildiz Temurturkan, da MMM na Turquia, descreve sobre a Europa, continente pelo qual falou na abertura. De acordo com a integrante do comitê internacional da Marcha, os efeitos da crise são mais negativos sobre a vida das mulheres, pois o desemprego é maior para as elas, solapam os serviços públicos, os movimentos feministas enfrentam a criminalização. “Em toda a Europa aumenta a misoginia, a xenofobia e o fundamentalismo, islâmico ou católico”. Ou evangélico, ou espírita, nós brasileiras sabemos bem, pois vivemos um recrudescimento dos ataques à nossa luta pela livre sexualidade da mulher, que tem no Projeto do Nascituro debatido no Congresso a maior expressão da influência dos fundamentalistas no Legislativo, no Executivo e no Judiciário.

Mas é bom sabermos também do crescimento da Marcha Mundial de Mulheres nos últimos anos, da alta porcentagem de jovens que aderem ao movimento, dos acampamentos de jovens montados na Europa pelo terceiro ano, da participação das militantes brasileiras nos protestos nacionais que vem ocorrendo por todo o país, na construção de novas formas de comunicação pelas militantes. Como disse Yildiz na conferência sobre despossessão, “transformaram tudo em ‘commodities’ – a água, o ar – tudo pode ser vendido no mercado. Temos que construir alternativa que não se baseie na destruição da natureza. O feminismo tem que ser contra o patriarcado e o capitalismo”. Para a ativista turca, a crise do capitalismo obriga as classes médias ao trabalho precário e isso também leva mais pessoas para as ruas.

Na Tunísia, na Turquia, na Europa, na África, na Ásia, nas Américas, ou no Brasil, os movimentos sociais estão indo às ruas, para responder ao ataque de conservadorismo e à criminalização das lutas. Sobre as recentes manifestações de rua no Brasil, Miriam Nobre lembrou de como “a imprensa disputou a visão dos fatos”, tal qual acontece na Tunísia e tantos outros países. “Pegam o nosso discurso para ressignificar pelo mercado e pela militarização. Como usam a insatisfação das mulheres com o próprio corpo. É necessário fazer a disputa de significados nas ruas!”

 

 

Fonte: Brasil de Fato, Terezinha Vicente, da Ciranda.net, 29/8/13.

 


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