Jacob Gorender
morre aos 90 anos
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Sua vida foi marcada por estudo, lutas políticas e uma vasta
produção acadêmica. Em seus diversos livros, artigos e
ensaios, Gorender apresentou ideias até então inéditas sobre
o Brasil e sua formação socioeconômica |
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Jacob Gorender,
um dos mais respeitados intelectuais da esquerda brasileira, faleceu
nesta terça-feira (11), aos 90 anos. Sua vida foi marcada por
estudo, lutas políticas e uma vasta produção acadêmica. Em seus
diversos livros, artigos e ensaios, ele apresentou ideias até então
inéditas sobre o Brasil e sua formação socioeconômica.
Em nota, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lamentou a morte
de Jacob Gorender e destacou que ele sempre foi “um lutador do povo
e intelectual comprometido com a classe trabalhadora e com a
soberania do Brasil”. “Gorender lutou contra a ditadura militar, foi
preso e torturado. Estudou profundamente a realidade brasileira,
buscando compreender o passado colonial, reconstituir a memória da
resistência à ditadura e analisar as experiências socialistas no
século 20”, disse o MST em nota.
O movimento
lembrou que Gorender foi um defensor da Reforma Agrária, amigo do
MST e participou da inauguração da Escola Nacional Florestal
Fernandes (ENFF), em janeiro de 2005. “O MST lamenta a perda de
Gorender e rende homenagens à sua trajetória de luta e compromisso
com as mudanças estruturais no Brasil”, diz.
Em fevereiro
deste ano, o Brasil de Fato publicou matéria em homenagem a Jacob
Gorender, descrevendo sua vida e trajetória.
Foto: Lincoln Secco/Boitempo
Brasil de Fato, 11/6/13.
Gorender, 90 anos
entre livros e lutas
A trajetória de
Jacob Gorender se mistura a alguns dos principais acontecimentos do
país no século 20. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por
quase três décadas e criador do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR), Gorender foi muito além da militância
prática: tornou-se um dos mais respeitados intelectuais da esquerda
brasileira. Em 20 de janeiro deste ano, Gorender completou 90 anos,
marcados por estudo, lutas políticas e uma vasta produção acadêmica.
Em seus diversos livros, artigos e ensaios, Gorender apresentou
ideias até então inéditas sobre o Brasil e sua formação
socioeconômica.
Vida
Filho de
imigrantes russos judeus, Jacob Gorender nasceu em 20 de janeiro de
1923 em Salvador (BA), e sua infância foi marcada por sérias
dificuldades econômicas. Começou a trabalhar aos 11 anos, dando
aulas particulares e, aos 17, era arquivista em um jornal chamado O
Imparcial. Ingressou na faculdade de Direito em 1941 e, em meio a
atividades no movimento estudantil, travou contato com Mário Alves,
que já militava no Partido Comunista Brasileiro. No início de 1942,
Gorender tornou-se o mais novo membro do “Partidão”.
O interesse pela
política veio de casa. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV
Cultura, em 2006, Gorender contou ter sido infl uenciado pelas
ideias do pai. “Meu pai, particularmente, era um homem com ideias,
digamos assim, esquerdistas. Não tinha formação cultural elevada,
não freqüentou academias, era um homem muito simples. Mas gostava de
ler e, de certo modo, a sua posição infl uiu muito nas minhas
atitudes”, afirmou.
Em 1943, aos 20
anos, outra decisão importante na vida do jovem: alistou-se como
voluntário da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater o
nazi-fascismo na 2ª Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, em 1945,
encontrou o Partido Comunista na legalidade. Instalou-se por um
período no Rio de Janeiro, onde conheceu Luís Carlos Prestes. Depois
de alguns meses, retornou a Salvador, onde decidiu abandonar de vez
a graduação em Direito. Com isso, passou a dedicar-se integralmente
à militância política, tornando-se membro do secretariado do Comitê
Municipal do PCB, em Salvador.
Em 1946, mudou-se
novamente para o Rio de Janeiro, onde integraria a redação do jornal
Classe Operária, órgão central do Partido Comunista. Em 1955, outra
viagem internacional: Gorender foi à União Soviética para participar
de um curso da escola superior do Partido Comunista soviético.
Ali, os
estudantes tinham lições de materialismo dialético, economia,
política, história do movimento operário mundial, dentre outros
pontos. Gorender integrava uma turma com 50 brasileiros, coordenada
por Maurício Grabois.
Gorender
permaneceu na URSS por dois anos e, ao retornar ao Brasil, seguiu
com a militância no Comitê Central do PCB – do qual se tornaria
membro efetivo em 1960. Em 1964, com o golpe militar, Gorender
passou a atuar na clandestinidade.
Com a
solidariedade dos amigos, pode continuar com seus estudos. Valdizar
Pinto do Carmo e sua companheira, Sonia Irene do Carmo, haviam
conhecido Gorender em 1960, durante um encontro de estudantes
militantes do PCB. Alunos da Universidade de São Paulo (USP), o
casal facilitava o acesso de Gorender aos livros. “Para dar apoio a
ele, levantávamos bibliografia sobre o período estudado e
retirávamos das bibliotecas os materiais que ele indicava”, recorda
Valdizar.
A esta altura,
conta o amigo, Gorender estava interessado sobretudo na história do
período colonial do Brasil. O intelectual permaneceu no PCB até
1968, quando saiu da organização para fundar o Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR), ao lado de Mário Alves, Apolônio
de Carvalho e outros comunistas.
Prisão
Em 1970, Gorender
passou por uma de suas experiências mais marcantes: foi preso em São
Paulo por agentes do Esquadrão da Morte, chefiado pelo delegado
Sérgio Paranhos Fleury, e levado ao Departamento de Ordem Política e
Social (Dops), onde foi torturado. O destino de Gorender foi o
presídio Tiradentes.
Nesse momento,
tinha 47 anos, muitos a mais que seus colegas de prisão – a maioria
na casa dos 20. Ali, passou a dedicar-se ainda mais aos livros. Quem
o ajudou na missão foi sua companheira, Idealina, que levava, nos
dias de visita, as obras pedidas pelo marido.
Graças a
Gorender, a cela tornou-se um ambiente de difusão de conhecimento,
como conta o jornalista e escritor Alipio Freire. “O Jacob sempre
organizou debates para a gente na cela. Ele começou com o hábito de
incentivar os presos que tinham mais informação a expô-la para os
outros. Alguns ensinavam francês, outros história, era todo tipo de
conhecimento”, salienta.
Gorender em
seguida organizou um curso sobre história econômica do Brasil,
ministrado todas as segundas-feiras à noite em sua cela. A atividade
era “concorrida” na cadeia, como relembra o jornalista e artista
plástico Sérgio Sister. “O Jacob era a grande personalidade da
cadeia. Nós aprendemos muito com ele”, afirma.
O curso
sintetizava algumas das ideias que Gorender defenderia em sua tese O
Escravismo Colonial, que viria a ser lançado em 1978 pela editora
Ática
Legado
Jacob foi
libertado da prisão cerca de dois anos depois, quando passou a se
dedicar integralmente ao trabalho de tradutor e a investigar a
realidade brasileira. Uma das principais qualidades do intelectual,
para Sérgio Sister, era o rigor que dedicava aos seus objetos de
estudo.
“O Jacob é uma
das figuras da esquerda brasileira que sempre exigiu rigor no estudo
e na apreciação das questões. Ele tinha muita preocupação com o
conhecimento da realidade brasileira, em não deixar a coisa no
‘chute’ ou no romantismo”, destaca.
Por questões de
saúde, Jacob Gorender não pôde conversar com a reportagem do Brasil
de Fato. No entanto, os amigos e companheiros de militância
ressaltam a importância do pensador para suas trajetórias e seu
papel como educador.
“O Jacob é um dos
caras mais sérios e lúcidos para analisar a realidade brasileira e
os nossos problemas como militantes comunistas, o que queremos para
nós mesmos e para a sociedade brasileira. Ele foi muito importante
para aquela geração, para quebrar alguns mitos da verdade absoluta
de sempre”, diz Alipio Freire.
Autodidata, Jacob
Gorender permaneceu à margem do campo acadêmico durante muitas
décadas. Somente em 1994, aos 71 anos, seu mérito foi reconhecido
com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA).
Fonte: Brasil de Fato, Patrícia Benvenuti, 15/2/13.