Índios usam
mídias sociais para fortalecer voz própria
Mobilização
viabiliza reivindicação das causas ligadas aos indígenas
Quando, na última
quinta-feira (30), o índio terena Gabriel Oziel morreu baleado em
confronto numa ação de reintegração de posse em Sidrolândia, em Mato
Grosso do Sul, poucos minutos bastaram para que uma batalha se
organizasse em outro front.
Índios que
presenciaram a morte logo publicaram vídeos e fotos de Oziel no
Facebook, acusando a Polícia Federal (PF) pelo ocorrido.
O conteúdo da
página Resistência do Povo Terena se espalhou rapidamente por uma
extensa rede virtual composta por índios de outras etnias e
apoiadores. Horas depois, quando o assunto já era divulgado até no
exterior, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, veio a
público dizer que a corregedoria da PF investigaria o caso.
A repercussão à
morte de Oziel, ocorrida em meio a uma escalada de conflitos que
envolvem indígenas brasileiros, expõe como muitos desses povos têm
cada vez mais se valido de redes sociais para se articular e
divulgar suas bandeiras.
A postura, dizem
os grupos, também visa contestar visões preconceituosas ou
imparciais sobre os índios propagadas por veículos jornalísticos.
Quem representa
os índios?
O advogado terena
Luiz Henrique Eloy, de 24 anos, diz que jornais e TVs que cobrem
conflitos agrários em Mato Grosso do Sul costumam se posicionar
contra os índios.
'Quando nos
ouvem, colocam apenas a parte que (lhes) interessa', ele afirma à
BBC Brasil.
Eloy diz ainda
que muitos jornalistas, em vez de divulgar as opiniões dos índios
sobre temas que lhes dizem respeito, costumam tratar a Funai
(Fundação Nacional do Índio, órgão subordinado ao Ministério da
Justiça), ONGs e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário, ligado à
Igreja Católica) como representantes legítimos dos indígenas.
Em alguns casos,
afirma ele, os veículos vão além e endossam posição frequentemente
emitida por fazendeiros, políticos ruralistas e alguns setores do
governo: a de que essas organizações manipulam os índios,
incitando-os a invadir terras e a acirrar os conflitos.
'É o contrário:
muitas vezes a Funai e o Cimi são expulsos de nossas reuniões porque
tentam impedir ações, desencorajar retomadas de terras', diz à BBC
Brasil o antropólogo guarani-kaiowá Tonico Benites, de 41 anos.
'A iniciativa é
sempre do povo, das lideranças. Afinal, quem vai para a guerra, quem
vai receber bala são eles'.
Redes e ensino
Benites,
doutorando em antropologia pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), e Eloy, recém-formado em direito por uma faculdade
privada de Campo Grande, integram um grupo cada vez maior de índios
sul-matogrossenses que têm chegado ao ensino superior e, com isso,
ampliado a ressonância das demandas de seus povos.
Segundo Eloy, há
hoje cerca de 800 indígenas em cursos de graduação, mestrado e
doutorado em universidades de Mato Grosso do Sul. 'Temos terena que
são doutores em história e agronomia nas nossas retomadas',
exemplifica.
Ao entrar na
universidade, afirma ele, boa parte desses índios passa a ter acesso
frequente à internet e a estender a militância às redes sociais. De
volta às aldeias ou a áreas em conflito, usam celulares para postar
na internet informações em tempo real. Foi o que ocorreu quando
Gabriel Oziel foi alvejado na fazenda Buriti, enquanto a polícia
cumpria uma ação de reintegração de posse.
A área,
reivindicada pelo ex-deputado estadual Ricardo Bacha (PSDB), foi
declarada terra indígena terena em 2010. Em 2012, porém, o Tribunal
Regional Federal (TRF) aceitou recurso de Bacha para garantir seu
domínio da área, possibilitando a ação policial. Na segunda-feira,
uma decisão judicial que dava 48 horas para os índios deixarem a
área foi suspensa.
Tonico Benites,
que administra no Facebook a página Aty Guasu - nome da tradicional
assembleia guarani de Mato Grosso do Sul -, diz que a militância
virtual fez com que muitos brasileiros que não sabiam dos conflitos
agrários no Estado se posicionassem em favor dos indígenas.
A causa ganhou
grande projeção no fim de 2012, quando índios guarani-kaiowá da
tekoha (termo em guarani para terra de ocupação tradicional) Pyelito
Kue divulgaram um manifesto em que se diziam dispostos a morrer caso
tivessem de deixar o local. Milhares de usuários do Facebook então
se solidarizaram aos indígenas, adicionando guarani kaiowá a seus
nomes.
O manifesto
revelou as precárias condições enfrentadas por indígenas em Estados
do centro e do Sul do país. Segundo a Funai, embora metade dos
índios brasileiros habite essas regiões, apenas 2% das terras
indígenas nacionais encontram-se nessas áreas - as 98% restantes
estão na Amazônia Legal.
Como a Terra
Indígena Buriti, outros milhares de hectares de terras no centro-sul
do país estão, há décadas, em processo de demarcação. Parte dos
territórios estão à espera de homologação (última etapa do rito
burocrático); outros, paralisados por processos judiciais movidos
por fazendeiros.
Demarcações
Com forte
influência sobre a bancada ruralista no Congresso, a Confederação
Nacional de Agricultura (CNA) pressiona pela suspensão de todas as
demarcações no país. A suspensão, diz a organização, deve durar até
que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue os embargos
declaratórios (pedidos de esclarecimento) sobre a decisão da corte
referente à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em
Roraima.
Na decisão, de
2009, o STF definiu uma série de condições à demarcação, como a
proibição de que reservas já homologadas sejam ampliadas. Os
ruralistas querem que as condições se estendam a todas as outras
demarcações, mas não há consenso entre os membros do STF quanto ao
tema. A matéria não tem prazo para ser analisada.
Presidente da
CNA, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) tem dito que as terras
indígenas, que abrigam cerca de 600 mil índios (menos de 1% da
população brasileira), somam 12,6% do território nacional. 'Terra,
portanto, não lhes falta', ela afirmou, em artigo recente.
Nas últimas
semanas, o grupo obteve uma vitória quando a ministra da Casa Civil,
Gleisi Hoffmann, anunciou que o governo mudaria os procedimentos de
demarcação, reduzindo os poderes da Funai. Segundo Gleisi, a
fundação, que hoje lidera o processo demarcatório, conduzindo-o com
base em estudos antropológicos, passará a dividir a atribuição com
os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário.
Num sinal da
falta do prestígio da Funai no governo Dilma, a presidente do órgão,
Marta Azevedo, não foi convidada para uma reunião que Dilma convocou
na última semana para discutir problemas envolvendo indígenas. O
encontro contou até com o presidente da Embrapa, estatal de pesquisa
agropecuária.
Em outros
Estados, indígenas também têm intensificado protestos. Há duas
semanas, índios gavião bloqueiam duas rodovias no sudeste do Pará em
manifestação contra os serviços de saúde na região. Nesta segunda,
índios kaingang ocuparam um escritório do PT em Curitiba e fecharam
estradas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
As ações
respondem a um pedido da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann,
para que o Ministério da Justiça paralise as demarcações de terra em
seu Estado natal, o Paraná, a cujo governo ela deverá concorrer em
2014.
Belo Monte
Desde a semana
passada, índios munduruku ocupam o canteiro de Belo Monte e exigem
dialogar com o Palácio do Planalto. Habitantes de aldeias à margem
do Tapajós, a cerca de 800 km da usina, eles dizem que não foram
consultados pelo governo federal sobre planos de construir
hidrelétricas naquele rio.
O movimento
também tem forte atuação no Facebook, por meio da página Campanha
Munduruku.
Após tensa
negociação, os índios tiveram seu pleito atendido e viajarão a
Brasília para uma reunião na quarta-feira. Não será dessa vez,
porém, que Dilma deverá recebê-los. O encontro foi agendado pela
Secretaria Geral da Presidência, que deverá ter como principal
representante o ministro-chefe da pasta, Gilberto Carvalho.
Desde que tomou
posse, em 2011, a presidente não se reuniu nenhuma vez com
indígenas.
Fonte: geledes.org.br