Historiador vê
deterioração política e econômica no país
Osvaldo Coggiola
participa do 58º Conad e falou à Sedufsm
O Brasil vive uma
grave crise política, com deterioração econômica, que pode beirar a
crise institucional. A avaliação é do professor de História
Contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), Osvaldo Coggiola.
Ele está em Santa Maria participando do 58º Conselho do ANDES-SN
(Conad), que encerra neste domingo, 21. Em entrevista à assessoria
de imprensa da Sedufsm, Coggiola, que é também diretor do ANDES-SN,
avaliou que o governo da presidente Dilma Rousseff vive uma crise
com a base aliada, e, que, se houvesse uma ameaça de golpe, este não
se daria pela oposição (PSDB, DEM), mas pelo PMDB, que seria o
principal beneficiário de uma saída antecipada da chefe do
Executivo.
Segundo Osvaldo
Coggiola, que também é economista, em função da fuga de capitais que
está ocorrendo no país, a tendência é um agravamento da crise
econômica, que, em caso extremo, poderia levar o governo brasileiro
a recorrer ao FMI. Neste caso, a contrapartida seria a implementação
de medidas “draconianas”, como as que foram postas em prática em
países europeus. Por enquanto, este cenário ainda não está colocado,
ressalta Coggiola. Acompanhe a seguir os principais trechos da
entrevista.
Sedufsm
– Na ascensão dos movimentos e protestos no Brasil, como o senhor
avalia a questão da resposta do Governo que propôs inicialmente um
plebiscito pra avaliar temas da reforma política. Houve até simpatia
de certos segmentos da esquerda em relação a essa proposta. Como
avalia esse quadro?
Coggiola
– É uma crise política muito forte, que pode se transformar em crise
institucional. O governo primeiro falou em cinco pactos, depois
esqueceu, ou melhor, reduziu tudo a uma reforma política. Enviou
para a Câmara, e a Câmara não aceitou. Portanto, temos uma situação
de imobilismo político. Porque por outro lado, quando era o pico das
manifestações, primeiro o governo ficou calado, depois de quinze
dias saiu a constituinte. Essa constituinte se transformou num
plebiscito, que depois se transformou em uma sugestão ao parlamento
para que realizasse um plebiscito sobre alguns pontos de reforma
política, que no final das contas, é um ponto relativamente pequeno
comparado com a crise política do Brasil. Por outro lado, sem
nenhuma proposta ousada, porque financiamento exclusivo significa
que vão depender do fundo partidário que vai ser incrementado, como
incrementá-lo em uma situação de crise econômica? Aumentando os
impostos. Quem paga impostos no Brasil? O assalariado, basicamente.
Assim, vão ter que financiar mais os partidos políticos. Não vejo
que isso seja uma maneira de reconquistar popularidade. Porque
significaria que o cidadão vai ter que pagar mais para manter esse
mesmo cara que a rua está repudiando.
Sedufsm
– Essa crise política se mistura com um outro componente que são as
dificuldades econômicas, que sofreram um agravamento. Tem a questão
inflacionária que o governo voltou a combater com o aumento de
juros. Tem a questão da rápida ascensão do dólar. O senhor acredita
que há uma mistura entre reflexos políticos e crise econômica?
Coggiola
– A crise econômica está presente em todas essas circunstâncias e
foi o segundo personagem desses acontecimentos de junho, porém, por
causa da gravidade dos acontecimentos nas ruas, ela passou a ficar
em segundo plano. Em vez de ocupar as manchetes dos jornais, passou
a ser discutida apenas no caderno econômico: que foram as empresas
do Eike Batista, grande símbolo da burguesia ‘lulista’ brasileira,
que perderam 90% do seu valor de mercado em menos de dois meses, a
fuga de capitais, o crescimento econômico pífio.
Sedufsm
– O aumento do dólar é resultado dessa questão da fuga de capitais?
Coggiola
– Também, só que o aumento do dólar é relativo porque a fuga de
capital pode acontecer sem que o dólar tenha experimentado um grande
crescimento.
Sedufsm
– Porque o governo sempre alegou que tem reservas suficientes para
evitar a especulação sobre o dólar.
Coggiola
– Claro, tem reservas, só que os capitais estão indo embora. E, se
os capitais começam a ir embora, o dólar vai ser objeto de
manipulações cambiais simplesmente para poder financiar essa fuga de
capital. Os empréstimos já condicionaram a política brasileira desde
o inicio do governo Lula, através do superávit primário. Por isso
que o governo se vê agora em uma situação para evitar uma explosão
econômica, que cumpra todas as metas do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e provavelmente ainda isso não seja suficiente.
Vai ter que solicitar mais empréstimos para evitar uma explosão do
dólar e nesse caso teria que impor metas ainda mais draconianas.
Sedufsm
– Que medidas draconianas seriam essas?
Coggiola
– O espelho é a Grécia. O FMI foi com o dinheiro, mas o governo
aprovou uma lei para a demissão do funcionário público. Acaba com a
estabilidade do emprego do funcionário público e coisas desse tipo.
Um plano de austeridade violento. Não uma austeridade brasileira,
que é uma austeridade histórica, como por exemplo, o alto preço do
transporte público que motivou os protestos. O sistema de saúde
pública que funciona mal, o sistema de educação pública que não
recebe dinheiro suficiente, etc. Mais profundo que isso seria, por
exemplo, atacar os estatutos dos funcionários públicos, em dois
sentidos: acabar com o sistema de previdência pública por completo e
acabar com a estabilidade dos funcionários públicos. Se houver um
aprofundamento da crise, essas coisas vão aparecer.
Sedufsm
– O senhor vê possibilidade de o governo não seguir essa lógica
draconiana?
Coggiola
– Olha, o governo poderia se fortalecer e não segui-la. Isso é
objeto de debate político. Hoje em dia não está posto na agenda,
está posto o Funpresp (Fundo de Previdência). Está posto uma série
de mudanças, mas até agora não se tocou nessa questão. Por enquanto,
não está na agenda política, porque não se chegou nesse grau da
crise. Mas, o Brasil está indo para uma crise cada vez mais forte.
Então, com certeza, o caso da fuga de capitais que não permita mais
financiar (a dívida), provocaria uma desvalorização monetária
violenta, um cenário do tipo argentino. Neste momento todo o sistema
produtivo e o financeiro brasileiro estão endividados com o
exterior. Uma desvalorização monetária originaria uma situação de
calote com os empréstimos tomados do exterior. Nesse caso haveria
uma fuga de capital e uma situação de catástrofe econômica
brasileira. Daí teríamos um cenário europeu, um cenário da Grécia.
Só que a Grécia tem 10 milhões de habitantes, e o Brasil 200 milhões
de habitantes. O Capitalismo mundial sempre tratou o Brasil com
luvas de pelica. Uma crise no Brasil é muito grave, mais grave que
uma crise na Grécia, Portugal e até na Espanha.
Sedufsm
– Professor, sobre a reação do movimento sindical de trabalhadores
em relação à crise política e à própria crise econômica. Depois
dessas manifestações de junho, agora nós tivemos em julho uma
articulação de oito centrais sindicais no sentido de construir
movimentos, paralisações e algumas greves localizadas. Como o senhor
vê a reação do movimento sindical diante da crise política e
econômica. O caminho é realmente de tentar aglutinar tudo, já que as
bandeiras são tão díspares e é difícil juntar todo mundo?
Coggiola
– Difícil é, e essa é uma dificuldade objetiva. O concreto, porém, é
que por parte das centrais sindicais majoritárias foi um movimento
de reacomodação diante dos novos atos políticos. Uma paralisação
tardia. Os primeiros protestos contra o aumento da tarifa tiveram
início em junho. A greve foi em meados de julho, ou seja, foi um mês
depois. Foi uma reação tardia. Estou falando das grandes centrais
sindicais. A CSP-Conlutas fez uma paralisação em 27 de junho, mas a
central é minoritária. Essa paralisação não teve muita força. Foi
praticamente ignorada. A imprensa nem se ocupou dela. O dia 11 de
julho teve mais força, mas foi uma mobilização de caráter muito
burocrática. Foi um movimento dessa natureza que tenta recuperar e
aparecer como negociador oficial da agenda popular por parte das
centrais sindicais junto ao governo. Mas, é muito difícil porque a
crise vai continuar. Haverá novas mobilizações e elas não vão passar
pelas centrais sindicais, lamentavelmente. Pela CSP-Conlutas não
poderia, pois é minoritária. Mas, não passa pela CUT e nem pela
Força Sindical, sendo que a segunda já iniciou um movimento muito
forte, pois foram às manifestações de rua com cartazes de “Fora
Dilma”. Isso tem um caráter muito eleitoreiro, porque o próprio
titular da força sindical é candidato, o Paulinho, da Força. Mas já
vinha de antes, ou seja, no ano passado o PDT estava saindo da base
de apoio ao governo e havia anunciado sua ruptura com o governo.
Então, o que temos agora é uma desagregação da base aliada.
Sedufsm
– Que passa pelo PMDB...
Coggiola
– O PMDB não se sabe. O PMDB joga sempre em cima do muro. Nos
últimos 20 anos aposta sempre em um cavalo vencedor. Na última hora
eu não descartaria que o PMDB apostasse numa chapa com Joaquim
Barbosa, por que poderia apoiar qualquer um.
Sedufsm
– O senhor acha que o Joaquim Barbosa vem mesmo?
Coggiola
– É, tá ai, mas se aprofundar a crise vão pedir por um conservador.
E conservador não é (Jair) Bolsonaro, é Joaquim Barbosa, Marina
Silva. Eles aparecem com essas candidaturas de gente ‘fora dos
partidos’, movimento de repúdio aos partidos. Figuras que mantêm uma
penetração midiática e não aparecem vinculadas aos partidos passam a
ter importância política muito grande. Nesse caso, no Brasil, são
Joaquim Barbosa e Marina Silva. E eu não descartaria uma chapa
conjunta de ambos. Então, teríamos um papel revigorado das igrejas.
Aí temos a questão interna do cristianismo. De um lado, os
evangélicos e de outro os católicos. A visita do Papa Francisco está
tentando por o bloco católico na rua, diante do avanço espetacular
dos evangélicos aqui no Brasil. No Brasil, nós temos uma situação de
crise múltipla.
Sedufsm
– As próprias pesquisas de opinião, em quase todas que saíram,
mostram uma queda muito grande na popularidade e na própria
credibilidade do governo. Então, nós temos de um lado uma crise
política e também uma crise econômica. E a crise política, que na
verdade é fortalecida como o senhor disse, pela própria desagregação
da base.
Coggiola
– O fundamental é a crise econômica, porque esse é um dado que não
se pode apagar. Os outros são dados conjunturais. As pessoas foram
para a rua, mas não com uma clareza política e a crise econômica é
inexorável. E todo mundo vai se reacomodar. A crise econômica de um
lado, e as pessoas na rua de outro. Então, alguns fatores vão
começar a ter um peso muito forte. O peso das igrejas, que são
fatores que até esse momento não tinham um grande peso como os
partidos políticos, então vamos ter uma situação na qual são os
próprios cimentos do regime político, não apenas uma reacomodação de
um partido, um palanque aqui, outro palanque acolá. A crise vai se
resolver de imediato através de eleições, seguramente realizadas
dentro do pleito previsto, a não ser que haja uma determinação
política muito forte que obrigasse a Dilma a renunciar e convocar
eleições antecipadas. Mas, por enquanto é um cenário que não está
imediatamente colocado, porque ninguém aposta nele.
Sedufsm
– A oposição faria isso? Ela está desarticulada.
Coggiola
– A oposição também não tem muita clareza. Mas, o golpe que
obrigaria a Dilma a renunciar não seria da oposição. Seria dos
aliados. Quem se beneficiaria hoje de uma renúncia de Dilma? Seria o
PMDB. Quem ocupa a vice-presidência é Michel Temer, e se ele fosse
obrigado a renunciar junto com Dilma, quem ocuparia o cargo é quem
está na presidência da Câmara, que também é do PMDB. Portanto,
ficaria pouco tempo no governo, o que lhe permitiria editar as
normas de sucessão. Então, nesse caso teríamos um golpe paraguaio,
em que o governo passou à direita, ou seja, o governo estava na mão
do (Fernando) Lugo e foi afastado pelos aliados de Lugo. O ‘PMDB’ do
Paraguai, que se chama PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico) que
convocou eleições, fez uma série de coisas enquanto esteve no
governo: meteu a mão nos cofres de uma maneira espantosa, na usina
de Itaipu. Depois convocou eleições e ganhou um partido tradicional,
ou seja, de direita. Então, No Brasil, teríamos uma transição deste
tipo. Os tucanos sabem que não ganham uma eleição agora. Essas são
especulações eleitorais. Aqui, o que tem que ser ver é uma crise que
qualquer solução desse tipo seria transitória. Porque aqui são dois
lados: primeiro a crise afeta os fundamentos do regime politico e o
segundo, a crise econômica é muito forte e ela é inexorável, embora
a questão do seu ritmo seja ainda motivo de especulação. Mas a
economia brasileira não se reanima.
Sedufsm
– Por onde passa a reação dos trabalhadores? O sr. disse que muitas
coisas não passam pelas centrais sindicais. Como é que o movimento
sindical organizado pode se contrapor e se comportar diante desse
quadro?
Coggiola
– Por enquanto, a reposta passa pela rua, e não pela greve. É o que
está acontecendo neste momento. As greves não tiveram efetividade e
a rua sim. Por isso, a tendência é ir para a rua. Agora poderá
passar de novo pela greve, sim, dentro do movimento sindical se
houver uma clara delimitação política. O movimento da CSP-Conlutas
na última greve (11 de julho), lamentavelmente, não foi no sentido
da delimitação política. Apoiar a paralisação convocada pela CUT,
pela CGT, é correto, mas ao mesmo tempo é preciso caracterizar
politicamente essa paralisação.
Texto: Fritz R.
Nunes com a colaboração de Carina Carvalho
Assessoria de Imprensa da Sedufsm
21/7/13.