O Grande Irmão
mora em Washington
Por Luiz Eça*
Os fundadores dos
EUA preocuparam-se muito em defender o cidadão contra o grande poder
do Estado.
Por isso,
colocaram o direito à privacidade como fundamental na Constituição
que eles fizeram.
A revelação pelo
jornalista Glenn Greenwald, no jornal The Guardian, de que o governo
estava grampeando os telefonemas de pelo menos cerca de 120 milhões
de americanos foi chocante.
A Casa Branca
apressou-se em informar que sua ação era legal, de acordo com a
seção 215 do Patriot Act (obra do governo Bush).
Além do mais,
como os EUA estão em guerra contra o terrorismo, tornava-se
necessário sacrificar direitos individuais para se garantir a
segurança nacional.
Não pegou muito
bem esse raciocínio, poucos dias depois de Obama declarar que era
hora de o país voltar à normalidade, pois o “estado de guerra” já
tinha durado 12 anos, o que seria tempo demais.
Claro, o que
Obama diz não é necessariamente o que ele faz.
Mas o presidente
tinha outro argumento a favor do grampo.
Conforme a
revelação de Greenwald, o governo estava usando um mandado judicial
para conseguir que a Verizon, uma das maiores empresas de
telecomunicação dos EUA, fornecesse dados sobre todas as ligações
telefônicas dos seus assinantes (é provável que outras empresas do
setor também estejam sendo grampeadas).
Ora, disse o
porta -voz da Casa Branca: “as informações requeridas pelo mandado
não incluem o conteúdo das chamadas ou os nomes das pessoas, apenas
detalhes sem importância, como os números dos telefones, a hora e a
duração de cada chamada”.
A privacidade dos
cidadãos continuaria sendo respeitada.
Não é bem assim.
Quando
identificam um suspeito, as autoridades podem colocá-lo no seu banco
de dados para relacioná-lo a outros possíveis suspeitos.
Primeiro
verificam todos os números telefônicos das chamadas que ele fez.
Cruzam esses
números de telefone com outros registros públicos, conseguindo,
assim, nomes, endereços, números do seguro social, etc.
Com nomes e
endereços em mãos, não é difícil obter mandados judiciais para
escutar as ligações telefônicas de todas as pessoas que conversarem
com o suspeito. A corte secreta que trata desse assunto normalmente
atende às autoridades. Afinal, trata-se de defender a segurança
nacional…
Já pensou no
poder que esta invasão da privacidade coloca nas mãos de autoridades
pouco escrupulosas?
Ficariam por
dentro de coisas que empresas, políticos, jornalistas, cidadãos, em
geral, querem ou precisam manter em segredo. Com isso, poderiam
tomar decisões que afetariam de modo negativo a vida de centenas de
milhares, se não milhões, de pessoas cujos telefonemas ouviram.
Concordo que
Obama não é inescrupuloso.
No entanto, seu
governo usou o Patriot Act para grampear 20 linhas telefônicas da
Associated Press, durante 2 meses. Estima-se que quase 100
jornalistas tiveram suas ligações acessadas por ouvidos policiais.
As autoridades
solicitaram o necessário mandado, sob alegação de que desejavam
identificar a fonte de informações sobre certa ação bem sucedida da
CIA no Yemen.
E o juiz
concedeu.
Foi também
denunciado o grampo dos e-mails do jornalista James Rosen, da Fox
News.
O departamento de
Justiça justificou a solicitação do mandado judicial de modo
incrível: Rosen estaria conspirando com um assessor do governo, pois
falara com ele várias vezes, por telefone e e-mail (buscando
informações sobre a Coreia do Norte que o governo queria esconder).
O mais incrível é
que o mandado foi concedido mediante essa ridícula justificação.
Esses dois casos
foram claros atentados à liberdade de imprensa.
Ainda estavam
sendo discutidos quando os jornais The Guardian e Washington Post
publicaram uma nova denúncia de avanços do governo americano na
privacidade dos cidadãos dos EUA e provavelmente de outros países.
O NSA (“Agência
de Segurança Nacional”) está acessando e-mails, vídeos, fotos, chats
e pesquisas na Web, nos servidores do Yahoo, Google, Skype,
Facebook, You Tube, Microsoft e Apple.
Para isso usa um
programa secreto, o PRISM. O Post e o Guardian receberam cópias de
uma apresentação desse programa fornecidas por fontes anônimas.
Portanto, além de
grampear os telefonemas, o NSA agora também entra nos computadores
dos americanos e dos cidadãos de outros países sempre que se
comuniquem via e-mail ou internet com os EUA.
Vem a propósito
as conclusões de relatório sobre “Liberdade de Expressão e de
Opinião”, da ONU: “O uso generalizado de tecnologias de vigilância
para monitorar a comunicação das pessoas viola os direitos humanos à
privacidade e à liberdade de expressão”.
Esse relatório
foi apresentado à Comissão de Direitos Humanos da ONU no dia 4 de
junho último.
Ele ainda afirma:
“O direito à privacidade é geralmente entendido como um requisito
essencial para a realização do direito à liberdade de expressão. Uma
interferência na vida privada dos indivíduos pode, tanto direta
quanto indiretamente, impedir o livre desenvolvimento e troca de
ideias”.
Como falei
anteriormente, nos EUA esta interferência é executada via NSA
(Agência Nacional de Segurança).
Tendo sido criada
no governo Truman para agir no exterior, o NSA cresceu ano após ano
até se tornar a maior agência de espionagem do mundo, passando a
vigiar também a população americana.
Desde seu início,
ela se manteve secreta, agindo sem conhecimento da opinião pública.
Preocupado com a
falta de controle do NSA, em 1975, o senador Frank Church conseguiu
que o Senado aprovasse o FISA (“Ato de Vigilância de Inteligência
Estrangeira”), que exige mandados para as autoridades vigiarem
comunicações das pessoas e empresas.
Foi criada então
uma corte secreta, no próprio departamento de justiça, para decidir
sobre a concessão dos mandados solicitados pelas autoridades (em
geral, concede).
Em 2005, o New
York Times denunciou que o governo Bush tinha autorizado o NSA a
realizar escutas telefônicas nos EUA nas investigações de
terrorismo, sem precisar de mandados das chamadas “cortes FISA”.
Diante da reação
da opinião pública, Bush, em 2007, acabou anunciando que não estava
mais autorizando atos de vigilância sem mandados, voltando a exigir
a aprovação das cortes FISA.
Obama não mudou
nada.
Pelo contrário:
ampliou o volume e a natureza das ações de vigilância dos
americanos, abrangendo também as ligações telefônicas, as pesquisas
na internet e as comunicações via e-mails, redes sociais e chats.
Sempre cumpriu a
exigência legal dos mandados.
Claro, as cortes
FISA os vêm concedendo na maioria dos casos. Não é a toa que elas se
localizam no próprio departamento de Justiça.
Por sua vez, o
NSA evoluiu junto com a tecnologia mundial de comunicações.
Hoje, seus
satélites recolhem chamadas telefônicas e e-mails no éter e as
transmitem para estações receptoras terrestres.
Calcula-se que
cada uma das 20 estações do NSA capta em média cerca de 1 bilhão de
e-mails, chamadas telefônicas e outras formas de correspondência,
diariamente.
O escritor James
Bamford, expert em NSA, afirma que seu centro de vigilância pode
armazenar dados equivalentes a 500 quinquilhões de páginas.
O NSA está
instalado num enorme edifício em Fort Meade, subúrbio de
Washington. Conta ainda com instalações de vulto na Geórgia, no
Texas e no exterior - Japão, Alemanha e Reino Unido. Está
construindo um novo centro de vigilância no deserto de Utá, a um
custo estimado de 2 bilhões de dólares.
Por ser o NSA
extremamente secreto, não se sabe exatamente quais são o total de
seus funcionários e seu orçamento anual.
Calcula-se que
trabalham no NSA entre 35 mil e 55 mil pessoas.
Em 2009,
estimava-se seu orçamento em 8 bilhões de dólares. Atualmente deve
ser ainda maior.
Noite e dia, ele
está de olho nos computadores e telefones de centenas de milhões de
americanos. E até de outros países.
É uma vigilância
ampla, total e irrestrita.
Obama diz ser
necessária.
Que não se pode
ter, ao mesmo tempo, 100% de segurança, 100% de privacidade e 100%
de liberdade.
O problema é que,
com grampos telefônicos e monitoramentos nos computadores, as duas
últimas porcentagens estão sendo perigosamente reduzidas.
Quando a balança
pende excessivamente para o lado da segurança, configura-se um
estado policial.
O Grande Irmão
não faz por menos.
* Luiz Eça é
jornalista.
Website: Olhar o Mundo.
12/6/13.