Falta de médicos
afeta o interior
Se o acesso à
saúde pública ainda é um dos maiores problemas enfrentados pela
população no país, nos interiores e periferias a situação é mais
dramática. Além da falta de hospitais e de unidades de saúde, locais
mais afastados dos grandes centros em geral sofrem com outra
dificuldade, a falta de médicos. O assunto voltou aos noticiários
recentemente, depois de o governo federal anunciar sua intenção de
trazer profissionais estrangeiros para trabalhar em áreas que
carecem de mão de obra.
Enquanto a
iniciativa suscita discordâncias e críticas de entidades médicas
contrárias à “importação” dos trabalhadores nos moldes propostos
pelo Executivo, quem vive nos interiores tem de lidar com a ausência
de profissionais.
Dados do
Ministério da Saúde divulgados em junho mostram que, neste ano, 55%
dos municípios brasileiros que solicitaram médicos junto ao Programa
de Valorização da Atenção Básica (Provab) não conseguiram sequer um
profissional.
Faltam médicos
A falta de
médicos no interior, para o governo federal, é reflexo do número
insuficiente de profissionais no Brasil. De acordo com o Ministério
da Saúde, o país tem apenas 1,8 médico para cada mil brasileiros,
índice abaixo do registrado em países latino-americanos como Cuba
(6,39), Argentina (3,2) e México (2). Números do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged) também apontam uma carência de
profissionais. De acordo com o Caged, nos últimos dez anos, surgiram
147 mil vagas formais neste mercado contra 93 mil profissionais
formados – um déficit de 54 mil médicos.
O presidente da
Associação Brasileira de Municípios (ABM), Eduardo Tadeu Pereira,
reclama da falta de profissionais. Segundo ele, é comum que as
prefeituras ofereçam salários muito além de suas possibilidades
financeiras para atrair profissionais e, mesmo assim, as vagas
continuam em aberto.
“Temos exemplos
de cidades que pagam até R$ 30 mil por mês para um médico e, mesmo
assim, não conseguem contratar”, relata.
Para o deputado
Humberto Costa (PTPE), médico e ex-ministro da Saúde no governo
Lula, a falta de médicos é uma realidade, causada em grande medida
pelo corporativismo da categoria, que se mobilizou para restringir a
formação de novos profissionais.
“Hoje a
dificuldade é essa: se você se forma e no outro dia tem um salário à
disposição de R$ 15 ou 20 mil onde mora, por que vai para o
interior?”, exemplifica.
Precariedade
O Conselho
Federal de Medicina (CFM), porém, defende que não há falta de
profissionais, e sim uma má distribuição. O corregedor da entidade,
José Fernando Maria Vinagre, lembra que a maioria dos profissionais
está concentrada nas capitais, especialmente nas regiões Sul e
Sudeste. A falta de profissionais no interior, para ele, é resultado
da precariedade das condições de trabalho impostas aos médicos. Além
da falta de garantias trabalhistas,Vinagre afirma que muitas
prefeituras não têm cumprido o que foi acordado antes da contratação
dos profissionais.
“O que estamos
vendo na prática é que se oferece um salário alto, no primeiro mês
se paga e aí começa a não pagar, atrasar ou a reduzir os salários
inicialmente prometidos”, afirma.
A falta de
infraestrutura é outro ponto. Segundo o corregedor do CFM, os
médicos não se sentem atraídos para locais onde não conseguirão
desenvolver as suas atividades de forma satisfatória.
“Não adianta só
colocar ele [médico] lá e não ter recursos de laboratório para
exames básicos ou um [aparelho de] Raio-X”, ilustra.
Para a médica e
presidenta do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Ana
Maria Costa, o principal problema é a falta de políticas públicas
que consigam fixar o profissional no interior. Ela destaca que a
Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde determinam a
construção de um plano de cargos e salários para estimular a
presença de médicos no interior, mas tais medidas nunca se
concretizaram.
A consequência
disso, segundo ela, foi a criação de uma disputa entre as
prefeituras do interior pela contratação dos profissionais. “Um
prefeito paga casa, comida e R$ 20 mil. O município vizinho dá casa,
comida, outros benefícios e paga R$ 22 mil. Isso cria uma competição
perversa entre os municípios, e o médico não se fixa”, explica.
A fixação dos
médicos no interior é necessária, segundo a médica, não apenas para
garantir acesso universal, mas para que as políticas de atenção
básica sejam plenamente executadas.
“A base da
atenção básica é exatamente a ideia de que uma equipe de saúde tenha
um vínculo profundo com a população e, para isso, é preciso de
profissionais fixos naquele território”, afirma.
Soluções
Para dar uma
solução ao caso, o governo federal tem apostado em diversas
iniciativas, como o Programa de Valorização da Atenção Básica, que
paga uma bolsa mensal de R$ 8 mil a médicos recém- formados, além
de outros benefícios. Outra iniciativa anunciada é a criação de
mais vagas em cursos de medicina e a abertura de escolas médicas no
interior e nas periferias das grandes cidades.
Para o presidente
da Associação Brasileira de Municípios (ABM), todas as soluções
apresentadas pelo governo são bem-vindas. No entanto, Eduardo Tadeu
Pereira destaca que a gravidade da situação não permite esperar
soluções de médio prazo. Por isso, ele defende a vinda de médicos
estrangeiros para atuarem em áreas hoje desassistidas.
“A população e as
prefeituras não podem esperar. Então, em curtíssimo prazo, o governo
tem que tomar uma atitude, que é chamar médicos internacionais”,
afirma.
O deputado
Cristovam Buarque (PDTDF) também aprova a ideia. “Sou totalmente
favorável [à vinda de médicos estrangeiros]. Não temos que
sacrificar a população pela ideia de que o médico tem que ser
brasileiro”, avalia.
Oposição
A medida, porém,
vem enfrentando resistência de entidades médicas. Em diversas
manifestações, o Conselho Federal de Medicina tem alertado sobre os
“riscos” da vinda de profissionais estrangeiros, que poderiam
comprometer a qualidade da saúde no país.
De acordo com o
corregedor do Conselho, José Fernando Maria Vinagre, a entidade não
é contrária à vinda dos profissionais, mas exige que eles se
submetam ao Revalida, exame pelo qual têm de passar médicos formados
no exterior para ter seu diploma reconhecido pelas leis brasileiras.
“Não concordamos
que o médico venha e tenha seu título reconhecido de outra forma que
não seja a criada pelo próprio governo, que é o Revalida”,
esclarece.
Para a presidenta
do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, a vinda dos médicos pode
trazer resultados, mas apenas paliativos.
“Do ponto de
vista político, nós precisamos avançar concretamente e criar
soluções definitivas para a interiorização dos médicos no Brasil. [A
vinda dos médicos estrangeiros] Resolve emergencialmente, mas não
resolve a questão do acesso em definitivo”, afirma.
A principal
proposta do Conselho Federal de Medicina nesse sentido é o Programa
de Interiorização do Médico Brasileiro. A iniciativa prevê a criação
de uma carreira de Estado para médicos, enfermeiros e outros
profissionais da área da saúde que atuam hoje no Sistema Único de
Saúde (SUS). Segundo o corregedor do CFM, o texto já foi enviado
para análise à Presidência da República e ao Ministério da Saúde.
Fonte: Brasil de Fato, Patrícia Benvenuti, 5/7/13.