Documentário
sobre EUA e o golpe de 64 traz áudios originais, diz diretor
Camilo Tavares
conta como filme sobre vida de seu pai, o jornalista Flávio Tavares,
acabou virando trabalho sobre participação dos americanos na queda
de João Goulart
O documentário "O
Dia que durou 21 Anos" , que trata da participação do governo dos
Estados Unidos no golpe militar de 1964, levou quase cinco anos para
ser feito, da ideia inicial até a finalização. O filme estreia no
Brasil dia 29, após participar de festivais de cinema no país e no
mundo. Em maio, disputa os prêmios de melhor direção e melhor
documentário estrangeiro no Festival de Cinema de Saint-Tropez, na
França.
Leia mais: Com
arquivos e áudios da Casa Branca, filme revela apoio dos EUA ao
golpe de 64
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-03-15/com-arquivos-e-audios-da-casa-branca-filme-revela-apoio-dos-eua-ao-golpe-de-64.html
O diretor Camilo
Tavares conta, nesta entrevista ao iG , como sua equipe pesquisou e
descobriu arquivos e áudios que mostram como os EUA atuaram em ações
de desestabilização do governo João Goulart e apoiaram os militares,
inclusive com a autorização de envio de uma força-tarefa naval ao
Brasil, em nome do combate ao comunismo.
O filme consumiu
cerca de R$ 1,8 milhão, dos quais só um terço teve patrocínio.
"Tivemos de investir do próprio bolso e pegar empréstimos", disse
Karla Ladeia, produtora-executiva do filme e mulher de Camilo
Tavares.
iG: Quanto tempo
durou a pesquisa para o documentário? Qual foi a origem da ideia de
fazer o documentário?
Camilo Tavares:
Todo o processo levou cinco anos. A ideia inicial era totalmente
diferente do filme final. Queríamos compilar as crônicas da vida de
meu pai (o jornalista Flávio Tavares), seguindo sua carreira
estudantil e como jornalista, com foco em fatos que marcaram a
política do Brasil. Mas em uma reunião de roteiro, quando meu pai
levou uma antiga pasta com fac-símiles de telegramas do embaixador
Gordon, datados de 1961, percebi que tínhamos nas mãos algo inédito
e confidencial. Demos então um novo enfoque ao filme: a câmera
estaria na Casa Branca, e os documentos originais top secret, quase
todos desconhecidos do grande público, seriam o roteiro do filme:
tudo que está ali é verdade, texto original e foi garimpado nos
arquivos de Washington com uma equipe incansável!
iG: Como vocês
tiveram acesso a esse material, inclusive áudios de conversas dos
presidentes norte-americanos Kennedy e Johnson?
Camilo Tavares:
Além dos telegramas entre a CIA, do embaixador, e da Casa Branca, a
pesquisa encontrou joias como os áudios originais do Presidente
Kennedy e Lyndon Johnson. Parte deste material foi liberado em 2004
e 2005 através da Lei de Acesso à Informação pela qual o NARA,
Instituto em Washington, coordenado por Peter Kornbluh (que está no
filme) se destaca. Com o apoio de Carlos Fico (professor da UFRJ),
garimpamos a mídia dos EUA, buscando programas de 1962 e 1963 na TV
americana (rede CBS e NBC), peças-chave na época da Guerra Fria para
convencer o público e a mídia interna dos EUA da "ameaça comunista"
que o Brasil representava com Jango no poder. Muito parecido com o
que vivemos hoje, se pensarmos no poder da mídia.
Há documentos
inéditos revelados? Os áudios da Casa Branca são inéditos? O que
revelam, em sua opinião?
Camilo Tavares:
Aqui no Brasil quase tudo é inédito! O mais impactante são os áudios
do Presidente Kennedy com o embaixador Gordon em abril de 1962, já
tramando toda a conspiração civil e militar! Outra joia rara é a
correspondência do adido Militar Vernon Walters, que assinava como
ARMA (Army Attaché). Estes documentos comprovam seu papel
protagonista, ao aproximar Kruel dos golpistas liderados por Castelo
Branco. Além disso, o detalhamento em imagens e telegramas da CIA,
que acompanham passo-a-passo as ações de pessoas-chave.
Mas o grande
destaque é para o embaixador Gordon. Ele é a figura central desta
conspiração e desde 1961, quando aqui chegou, tinha como missão
montar seu QG no Rio de Janeiro para comandar o golpe que ocorreu em
1964. A pesquisa de áudio e telegramas do embaixador trouxe muitos
detalhes curiosos, que vão render próximas séries para TV e novos
filmes.
iG: Foi intenção
do filme retratar Lincoln Gordon como uma espécie de vilão?
Camilo Tavares:
Não! Veja bem: quem ama a Guerra Fria e odeia os comunistas vai
adorar, amar o Gordon, afinal ele venceu! Gordon foi o arquiteto do
golpe, o grande estrategista civil. Nós convidamos o assessor dele,
Bob Bentley, o braço-direito de Gordon, e Bob topou vir ao Rio a
convite do filme. Gravar com ele no consulado dos EUA foi muito
interessante! Em 1964, Bob Bentley estava dentro do Congressso
Nacional e conhecia meu pai [Flávio Tavares], que era jornalista
político do jornal Última Hora.
iG: Quanto tempo
durou a confecção do filme?
Camilo Tavares:
Foram necessários cinco anos, investimentos pessoais, recursos da
produtora Pequi Filmes e um impecável trabalho a seis mãos, entre
pai, filho e minha mulher, Karla Ladeia, que assina a produção
executiva do filme.
iG: Houve quem
se recusasse a depor para o documentário?
Camilo Tavares:
Não, tivemos muito cuidado em ser imparciais desde o início.
Queríamos dar voz aos entrevistados, para defenderem seu ponto de
vista da História. Meu pai fez questão de entrevistar os militares
que apoiaram Castelo Branco no golpe de 1964. Muitas vezes, ele
havia estado com eles como preso político, como foi o caso de Jarbas
Passarinho, que lembrou que havia assinado a extradição de meu pai.
Neste sentido, acho que o filme alcança uma maturidade importante
para construir um rico diálogo de nossa História – sem revanchismos.
iG: Flávio
Tavares, seu pai, aparece em referências no filme. Este filme é
também, em alguma medida, uma homenagem pessoal ao ele, que foi
preso e exilado pelo regime militar?
Camilo Tavares:
Sim. Mas acima de tudo, O DIA QUE DUROU 21 ANOS é uma investigação,
quase judicial, da participação dos EUA no Golpe Militar de 1964.
Houve espectadores que consideraram o filme um instrumento até para
pedir um pedido formal de desculpas dos EUA por apoiar o Golpe
Militar que derrubou um presidente democraticamente eleito.
iG: É
interessante o áudio em que o presidente Lyndon Johnson discute com
o assessor de Segurança o tom da mensagem ao novo presidente
brasileiro.
Camilo Tavares:
Ali tém Bundy e outro assessor direto do Presidente Johnson na Casa
Branca. Este áudio é um outro achado raro! Estava classificado nos
EUA como restrito e nós da Pequi Filmes, junto com o NARA de
Washington, pedimos que fosse aberto ao público.
iG: Qual é a
importância de um filme como este para a historiografia brasileira e
para o conhecimento da participação americana no golpe de 1964?
Camilo Tavares:
Essencial. Nosso objetivo é que jovens adultos e idosos vejam o
filme! Nos cinemas, estamos em nove capitais a partir de 29 de março
(sexta-feira da Paixão). E depois, que seja distribuído em larga
escala nas universidades Federais e Estaduais. Quem sabe o
Ministério da Educação e a Secretaria dos Direitos Humanos não se
interessam?
iG: Qual foi a
dimensão da participação dos EUA no movimento que derrubou o governo
de João Goulart?
Camilo Tavares:
Os EUA
foram essenciais antes, durante e após o golpe de 1964. Em 1968,
temos telegramas que comprovam que, em São Paulo, a Câmara de
Comércio dos EUA dava apoio ao AI-5. Nos textos, vemos que a
ditadura estava fora de controle, no sentido da tortura e da
violação aos direitos humanos, mas os EUA mantinham o “silêncio
dourado” – expressão original do telegrama. Ou seja, a violência era
vista como um “mal necessário” para manter o sistema econômico com
base no capital privado dos EUA aqui no Brasil.
Fonte: iG, Último Segundo, Raphael Gomide iG RJ, 17/3/13.