CSP-Conlutas
flagra condição análoga à escravidão em obra do governo no DF
Com a carteira de
trabalho retida e alojados em condições precárias, trabalhadores
eram submetidos a jornadas de cerca de 15 horas diárias
Trinta e sete
trabalhadores foram resgatados pela CSP-Conlutas em condição
suspeita à de escravidão em um alojamento no Riacho Fundo 2, bairro
de Brasília (DF), na noite desta segunda-feira (30). Segundo os
relatos colhidos no local pela Central Sindical e pelo ANDES-SN, os
operários da construção civil foram contratados para trabalhar na
construção do Projeto Morar Bem, do governo distrital, cujos
apartamentos serão financiados pelo projeto Minha Casa Minha Vida,
do governo federal. As obras, de acordo com os trabalhadores e com o
site do programa, são executadas pela construtora JC Gontijo.
A denúncia chegou
à Central Sindical através ligação anônima dos próprios
trabalhadores, indignados com as condições precárias a que estavam
submetidos, muito diferentes daquelas prometidas quando da
contratação da mão de obra para a construção. O coordenador da
CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, foi à casa onde estavam alojados os
trabalhadores, acompanhado dos diretores do ANDES-SN, Gean Santana e
Henrique Mendonça, e com a representação da Assessoria Jurídica
Nacional (AJN) do ANDES-SN.
Situação precária
e constrangedora
Os operários
foram aliciados, em sua grande maioria no Piauí. Vieram para a
capital federal no início de setembro, financiando a própria
passagem, com a promessa de que seriam reembolsados. De acordo com
relatos de um grupo do Piauí, eles chegaram a fretar um ônibus para
vir à Brasília, com a expectativa de que o dinheiro seria reposto
pela empresa.
Todos os
trabalhadores estão com suas carteiras de trabalho retidas pela
construtora, e poucos têm algum contrato de trabalho ou documento
que confirme o vínculo empregatício.
Alojados em uma
casa de três pisos, em quartos com três ou mais beliches e pouca
ventilação, os trinta e sete trabalhadores tinham pouco espaço para
armazenar comida, objetos pessoais e materiais de limpeza. Foram
informados de que, nos próximos dias, mais pessoas devem chegar para
morar no local, onde a expectativa é abrigar cinquenta
trabalhadores.
Os
eletrodomésticos, duas geladeiras e dois fogões usados, foram
instalados na casa esta semana, após muita cobrança. Sem espaço para
guarda-roupas nos quartos, os armários ficam nos corredores e na
cozinha. Os primeiros trabalhadores que chegaram na casa, contam
passaram fome, pois a empresa alegou que como ainda não tinham
contrato assinado, não teriam direito à alimentação. Sem ter onde
cozinhar, improvisaram uma churrasqueira e por dias, contam,
preparavam os alimentos no terraço da casa, com carvão.
Segundo contaram
os operários, não foram fornecidos água mineral, produtos de higiene
básicos, como sabonete e papel higiênico, nem material de limpeza.
Todos os materiais tiveram que ser comprados pelos próprios
operários, de novo com a promessa do reembolso que não ocorreu. O
único ventilador que havia em um dos quartos, de propriedade de um
dos operários, queimou depois que um vazamento na parede inundou o
cômodo.
A empresa também
havia se comprometido em dar para cada trabalhador, dois uniformes.
No entanto, eles receberam apenas um, para usar durante toda a
semana exaustiva de trabalho.
Alimentação
escassa, e jornada excessiva
Os operários
relataram que tinham direito a uma refeição, servida na obra e
outra, aos que estavam na casa, no final do dia, sem hora certa para
ser entregue. Quando a equipe do ANDES-SN e da CSP-Colutas chegou à
casa, uma picape fazia a entrega das “quentinhas”, que segundo os
trabalhadores já estavam frias.
“O café da manhã
era pão seco, desses que desfaz na mão. Teve dia que eram quinze
quentinhas para trinta e cinco pessoas. Outro dia, a comida veio
azeda e quem teve coragem de comer passou mal no dia seguinte”,
relatam.
De acordo com os
trabalhadores, quem fica na obra a noite, não tem direito à janta.
“Eles dão pão e suco. A quentinha só vem pra quem já está na casa.
Tem pessoas que moram junto comigo aqui que chegam às duas horas da
manhã, sem janta e são obrigado a trabalhar no dia seguinte às 7
horas”, conta MMS. Conforme relatos, as jornadas abusivas de
trabalho, inclusive aos sábados, eram exercidas sob assédio e
pressão dos encarregados e mestre de obras.
“O trabalho
começava sempre às sete horas da manhã, mas sem hora para acabar.
Nos diziam que como estávamos alojados, tínhamos que trabalhar
dobrado, porque dávamos mais despesa para a empresa”, relata MMS,
sendo corroborado pelos demais companheiros. Os operários relataram
fazer jornadas médias de 15 horas, com no máximo uma hora de pausa
para refeição e descanso.
Situação inédita
para muitos
Vários operários
contaram que trabalham no “trecho”, ou seja, muitos já atuaram em
outras canteiros de obras, mas poucos estiveram submetidos a
situações de tamanha humilhação e falta de compromisso da empresa.
“Trabalho na
construção desde os dezesseis anos. Já estive em muitas obras e
normalmente as ‘repúblicas’ onde ficamos alojados têm água filtrada
para consumo, materiais de higiene, área de lazer, cozinha. As
refeições, no canteiro de obras, são feitas em restaurantes. Poucos
lugares tinham as marmitas. Não imaginava que aqui seria assim”,
comenta DS. Vários outros operários fizeram relatos semelhantes e
afirmaram o desejo de retornar a suas cidades de origem.
Ação política
O coordenador da
CSP-Conlutas, Atnágoras Lopes, conversou com os trabalhadores,
explicando que a situação a que estavam submetidos pode ser
considerada análoga à de escravidão. “A forma como vocês foram
aliciados, muitos indicados por “conhecidos”, com promessas de
salário e reembolso de despesas que não se concretizaram é um dos
fatores. Além disso, o fato da carteira de trabalho estar retida,
dos relatos de excessiva jornada de trabalho sob constante assédio,
a super lotação do alojamento e total falta de higiene, podemos
dizer que o que vocês vivem hoje se assemelha ao que consideramos
situação análoga à de escravos, que vêm ocorrendo em várias obras
pelo país”, detalhou.
Lopes contou aos
trabalhadores sobre o recente flagrante nas obras do aeroporto de
Guarulhos, onde 111 operários foram resgatados de situações
semelhantes.
O coordenador da
CSP-Conlutas informou que uma das alternativas, caso os
trabalhadores concordassem, seria deixar o local e acionar o
Ministério Público do Trabalho para reaver as carteiras de trabalho,
receber pelos dias trabalhados e exigir da empresa o reembolso das
despesas e o financiamento do retorno aos locais de origem.
“Além disso,
iremos acionar a justiça para que vocês sejam indenizados pela
situação de humilhação e exploração à que estão submetidos. É
inadmissível que uma empresa, do tamanho da JC Gontijo, considerada
a quinta maior empreiteira do país, trate seus trabalhadores dessa
forma, ainda mais em uma obra financiada pelo Governo Federal, na
capital do país”, acrescentou.
Encarregados das
obras, acompanhados de homens com capacetes que não quiseram se
identificar, e policiais militares estiveram na casa com o objetivo
de pressionar os trabalhadores a permanecer no local. Exigiram ainda
que os representantes das entidades sindicais se retirassem dali,
pois não havia autorização da empresa para estarem na casa.
Os trabalhadores
decidiram por deixar o alojamento e foram abrigados pelo Sinasefe,
entidade filiada à CSP-Conlutas.
Registro dos
relatos
A Assessoria
Jurídica do ANDES-SN coletou relato da situação de todos os
trabalhadores e já encaminhou ao Ministério Público do Trabalho do
Distrito Federal uma representação contra a empresa. Junto ao
documento, foram anexados ainda registros fotográficos do local e da
situação em que estavam alojados os trabalhadores.
Antes de ir ao
encontro dos operários, os representantes da CSP-Conlutas e do
ANDES-SN estiveram no MPT/DF, reunidos com os Procuradores do
Trabalho, Ana Cláudia Monteiro e Joaquim Nascimento, solicitando
acompanhamento do órgão de fiscalização. Os representantes do MPT/DF
se comprometeram a encaminhar a denúncia, tão logo recebessem a
petição da CSP-Conlutas.
*Os nomes dos
trabalhadores foram omitidos para preservá-los
Fonte: ANDES-SN, 1/10/13.