'Colleges' à
brasileira
Cursos pré-universitários que duram entre 1 ano e meio e dois anos,
comuns no exterior,
chegam com força ao país em projetos na Bahia e em São Paulo
A ideia não é
nova. Já foi colocada em prática desde o fim do século XIX nos
Estados Unidos e é adotada, com diferentes contornos, em países tão
diversos como o Canadá e a Venezuela. No entanto, só agora os
“colleges”(colégios universitários) — cursos pré-universitários que
duram entre 1 ano e meio e dois anos — chegam com força ao Brasil:
na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSBA), em fase de
implementação e que deve receber as primeiras turmas em 2014, e nas
universidades estaduais paulistas, que pretendem utilizar o sistema
exclusivamente para estudantes vindos das ações afirmativas.
A proposta baiana
é ambiciosa. Serão implantados colégios universitários (Cunis) em 32
municípios do sul do estado. Eles ocuparão salas em escolas públicas
e cada uma será equipada com 50 computadores com acesso à internet
banda larga. O ensino será meta-presencial: o conteúdo será
oferecido em um ambiente virtual, que contará com vídeos e
exercícios. Assim, cada aluno poderá adaptar o horário de estudo ao
seu ritmo, nas dependências do colégio ou em casa. Aos sábados,
todos os estudantes serão submetidos a avaliações aplicadas por
tutores. Para garantir o acesso à banda larga, serão investidos R$
20 milhões em três “anéis” de conexão, afirma o professor Naomar
Almeida Filho, que comanda a estruturação da UFSBA.
Na Bahia, 5 mil
vagas em 2014
Paralelamente aos
Cunis, outros três campi tradicionais serão construídos nos
municípios de Teixeira de Freitas, Porto Seguro e Itabuna. Os alunos
de cada um deles também ajudarão na formação dos colegas nos
colégios. O currículo seguirá o modelo de ciclos adotado na
Universidade Federal da Bahia (UFBA), implementado pelo próprio
Almeida Filho. Nos três campi, os ingressantes cursarão um dos
quatro Bacharelados Interdisciplinares (BI) em saúde, ciências e
tecnologias, artes e humanidades. Após este primeiro ciclo, os
estudantes ganham um diploma, mas também podem optar por seguir para
diferentes modelos de formação profissional (de dois a três anos, em
média).
No caso dos
colégios universitários, os alunos terão uma formação geral única
por um ano e meio, quando receberão uma certificação. Após este
período, quem tiver interesse em conseguir o diploma do BI deve
continuar os estudos em um dos campi por mais um ano e meio. Segundo
o futuro reitor da UFSBA, não se trata de “ensino à distância
simplesmente”, mas da adoção de “uma tecnologia pedagógica
avançada”. Sua principal vantagem, explica, é atingir um número
muito maior de jovens.
No primeiro ano
serão 5 mil vagas oferecidas através dos Cunis, que terão processos
seletivos regionais. Os alunos da rede pública de uma cidade
competirão entre si em uma seleção específica para as vagas do
município. Para as sedes, será usada a nota no Enem, através do
Sistema de Seleção Unificado (Sisu), com cotas para 50% das vagas.
— No modelo
tradicional, eu mal conseguiria abrir 3 mil vagas. Esse formato
permite massificação com cobertura territorial. O sul da Bahia tinha
apenas uma universidade estadual e nenhuma federal — diz Almeida
Filho. — Outra vantagem é que o jovem entra primeiro e depois decide
o curso. Isso reduz a evasão. É possível também aproveitar toda a
sua formação, porque os certificados são por etapas.
Já o Programa de
Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público (Pimesp), em São
Paulo, é mais modesto. A meta acordada entre o Conselho de Reitores
das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) e o governo estadual
é ter, até 2014, 50% dos matriculados no sistema de ensino superior
público — Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e
Faculdades Tecnológicas (Fatecs) do Centro Estadual de Educação
Tecnológica Paula Souza — oriundos da rede pública. Dentro deste
grupo, 35% devem ser negros, pardos e indígenas. Para atingir o
número, serão mantidas as políticas atuais já existentes (como
bonificações) e serão criados os Institutos Comunitários de Educação
Superior (ICES).
Nos ICES, os
alunos terão aulas de todas as disciplinas, sem divisão por áreas.
Depois do primeiro ano, caso o estudante tenha aproveitamento acima
de 70%, poderá ingressar num dos cursos oferecidos pelas Fatecs. Ao
final do segundo ano, se manter o rendimento, será possível entrar
em uma graduação da USP, Unicamp ou Unesp ou então dar por encerrada
a sua formação. Após os dois anos, os ICES vão conceder diplomas de
nível superior.
De acordo com o
professor Carlos Vogt, presidente da Universidade Virtual do Estado
de São Paulo (Univesp) e porta-voz da iniciativa, o Pimesp foi
resultado de um pedido do governo estadual. Vogt ressalta que, neste
momento, o programa está sendo discutido internamente nas
instituições. Segundo ele, tomando com base os dados de 2012, para
que a meta seja cumprida, são necessários mais 4.520 estudantes de
escolas públicas no sistema.
— O “college”,
como está no programa, cumpre um papel clássico dessas instituições
de ensino superior em vários países, que é exatamente o de oferecer
condições ao aluno para que dê sequencia à sua formação
universitária. O estudante pode também cursar os dois anos e
considerar que está bem para sua vida profissional e terá um diploma
de nível superior que o habilita para diversas atividades.
Um ponto que liga
as duas iniciativas é a utilização da educação à distância. Assim
como na Bahia, em São Paulo haverá uso intensivo de tecnologia nos
ICES, através da Univesp, com aulas transmitidas pela TV e internet.
Haverá também monitores e tutores nos pólos que estarão espalhados
por todo o estado.
‘O que farão com esses diplomas?’
Para Afrânio
Catani, professor titular da Faculdade de Educação da USP, o
“college”, se bem estruturado, poderia ser interessante, mas ele
critica o que chama de “certificação em larga escala”, já que serão
dados diplomas a cada etapa de formação. Também vê problemas no
emprego do ensino à distância, pois não acredita que alunos com a
defasagem do ensino médio vão superá-la dessa maneira.
— A questão é: o
que eles vão fazer com esses títulos depois que terminarem essa
formação inicial? É uma solução de baixo custo, para mostrar que
algo está sendo feito — questiona.
Para Frei Davi,
presidente da ONG Educafro, o modelo dos “colleges”, tal como
proposto em São Paulo, é extremamente positivo para a juventude
negra e pobre, mas sofre críticas por ser uma experiência pouco
conhecida no Brasil. Ele não vê problemas no fato de , na entrada de
alunos, haver uma segregação entre os oriundos de programas de ações
afirmativas e os da seleção tradicional das universidades.
— Se você visitar
a Faculdade de Medicina da USP, vai encontrar centenas de estudantes
que, mesmo vindos de colégios particulares, fizeram várias vezes o
vestibular até passar. O “college” vai garantir que todo aluno negro
e branco pobre que fizer esse curso universitário intermediário e
obtiver a nota pode entrar diretamente na Medicina da USP, sem
vestibular. Quem diz que o “college” não tem qualidade está
equivocado, é um método eficiente para o mundo que queremos —
defende.
Ao GLOBO, o
Ministério da Educação (MEC) disse, por meio de nota, que as
diferentes opções de curso superior são “importantes para a
democratização do acesso e para o atendimento qualificado da
demanda”. Sobre os diplomas dos “colleges”, o MEC diz que “quem
optar apenas pela formação inicial do curso terá um diploma
superior, que tem o seu valor, mas evidentemente tem as suas
limitações”.
Tanto a UFSBA
quanto as universidades paulistas vão precisar correr para colocar
seus planos em funcionamento em 2014. A criação da nova federal
precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional até abril. Já em São
Paulo, a resistência histórica das instituições paulistas a adotar
políticas desse tipo pode atrasar a implantação do projeto.
Fonte: O GLOBO/Caderno Prosa & Verso, Leonardo Cazes, 9/3/13.