A arte de denunciar
Foto: Google Images
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“A função do artista é violentar”, disse Glauber Rocha. A
frase do cineastana capa do blog do chargista Carlos Latuff
descreve bem o papel de seu trabalho. Conhecido pelos
desenhos críticos, principalmente contra a violência
policial e em defesa da causa palestina, o artista também
empresta seu traço aos movimentos sociais e sindicais e
contribui, com suas charges, a sintetizar vários temas
presentes na luta da classe trabalhadora.
O interesse por temas de cunho político surgiu devido ao seu
trabalho na imprensa sindical, onde tomou contato com as
pautas dos trabalhadores. Já a denúncia frente à atuação da
polícia no Brasil vem da indignação com a impunidade “O
que me tocava era ver que pessoas inocentes eram
assassinadas, sem qualquer possibilidade de defesa”, contou
o chargista ao InformANDES. Confira
a entrevista concedida pelo
cartunista à edição de agosto de 2013 do boletim impresso do
Sindicato Nacional. |
Alguma situação em particular te levou a trabalhar com a questão
política nos seus desenhos?
Latuff:
Eu tinha vontade de trabalhar em um jornal, só que eu não era
famoso, não tinha quem indicasse, eu tentava os grandes jornais e
não conseguia e aí quem abriu as portas para mim foi a imprensa
sindical. É difícil você afirmar o que foi o fator determinante, mas
a eu posso falar que houve um processo de conscientização que se deu
com o meu contato com a imprensa sindical, já que a imprensa
sindical me fez ver as bandeiras da esquerda. Este acúmulo de
conhecimento que eu obtive a partir do contato com a imprensa
sindical foi o que determinou o meu lado artístico militante.
Qual a importância que você do seu trabalho para a luta de classe?
Latuff:
Eu não sei se contribui para a luta de classe, mas creio que a
charge facilita o entendimento de algumas questões, condensando e
tornando de mais fácil compreensão ideias políticas que de outra
maneira seria mais complicado discutir e explicar.
Em vários momentos, você contribui com charges para o movimento
estudantil e alguns de seus desenhos acabaram virando símbolo da
luta dos estudantes. O que leva o seu envolvimento com o movimento
estudantil?
Latuff:
O movimento estudantil é, provavelmente, a primeira experiência de
militância para muitos jovens. É aí que ele vai ter esse contato de
choque com a realidade, começa a partir da escola e vai para as
ruas. Então, é nesse movimento que ele vai saber sobre as mazelas da
política e da sociedade, é ali que ele vai ter esse contato de uma
maneira que ele possa intervir. O movimento estudantil é o primeiro
movimento social que pode participar muitos jovens. Acompanhei o
movimento estudantil não só n o Brasil, mas em outros países como no
Chile, na Turquia e vi o tanto que os militantes estudantis estão
tomando a frente, estão reivindicando, lutando. O movimento
estudantil é um movimento muito nobre e me orgulha muito ser chamado
pelos estudantes em vários estados do Brasil a participar, seja
presencialmente ou através das charges. Eu, quando jovem, não
participei de nenhum movimento estudantil, porque não me interessava
e fui fazer isso depois de ‘burro velho’. Então para mim é uma honra
muito grande ser lembrado pelo movimento estudantil.
Qual sua opinião sobre a cobertura que os veículos tradicionais de
imprensa dãoàs questões que você aborda nos seus trabalhos?
Latuff:
A grande imprensa, que diz ser isenta, na verdade tem um lado e um
lado dela é o lado do grande capital. Então ela apoia Israel, apoia
os Estados Unidos, apoia as grandes corporações, apoia os
anunciantes, porque no final das contas eles que fazem o jornal
funcionar, são os anúncios que os mantêm. A chamada grande imprensa
tem que estar do lado do mais forte.
Como você vê a questão da criminalização dos movimentos sociais e a
forte repressão às manifestações recentes?
Latuff:
Não me surpreende, porque o regime capitalista funciona nesta lógica
realmente. Quem quer que se levante, que se insurja contra essa
desigualdade produzida pelo sistema capitalista vai sofrer as
consequências, essa criminalização. Me causa apreensão o fato de que
alguns segmentos, até mesmo da antiga esquerda no Brasil, têm
abandonado o pensamento revolucionário em troca do pensamento
reformista. O regime capitalista não pode ser melhorado, não pode
ser humanizado, não existe estupro com amor, portanto não existe
capitalismo com amor. É preciso que a gente tenha noção clara de que
o capitalismo precisa ser derrubado. Então, a criminalização do
movimento social, das lutas sociais, da luta do povo que mais sofre
com o capitalismo ela é o alvo. Não espere que o sistema inclua os
movimentos sociais.O sistema é excludente e é exatamente por ser
excludente que faz a máquina funcionar. É preciso ter os pobres
trabalhando para os ricos, então o sistema sempre vai ser
excludente.
Algumas temáticas são recorrentes em seus trabalhos, como a
violência policial. Por que o foco nesse tema? Como você avalia a
questão da violência policial?
Latuff:
Eu quando comecei a desenhar a respeito da violência policial não
houve uma elaboração tão maior sobre a violência do Estado,
terrorismo de Estado. O que me tocava era ver que pessoas inocentes
eram assassinadas, sem qualquer possibilidade de defesa ou dessa
situação se reverter. Então, o que me motivou a desenhar sobre a
violência policial foi este fato.
Você já enfrentou algumas ameaças e inclusive repressão policial aos
seus trabalhos. Você poderia comentar um pouco sobre isso?
Latuff:
Desde que eu comecei a desenhar sobre o segmento policial, a partir
de uma exposição virtual chamada “A polícia mata” em 1999, por conta
dos trabalhos eu fui forçado a prestar depoimento na delegacia por
três vezes. Tive também um outdoor alusivo à violência policial no
Rio de Janeiro que foi vandalizado de madrugada, o governador Sérgio
Cabral interviu para que o outdoor fosse tirado. No Brasil, a
temática da violência policial é um tabu. E quem tem coragem de
denunciar corre um sério risco de censura ou até mesmo de morte.
Na carta em resposta à recente ameaça à sua vida, feita através das
redes sociais por conta da sua manifestação e comentário a respeito
do casal de policiais que foi assassinado em São Paulo, você disse
que se orgulhava das ameaças e faz um chamado aos partidos e
movimentos de esquerda para que continuem na defesa ou para que
entrem na defesa dos direitos humanos e contra a violência
policial. Qual o teu posicionamento sobre a desmilitarização da
polícia e por que você fez esse chamamento?
Latuff:
No caso da desmilitarização, não tem só acabar com a Polícia
Militar, mas sim acabar com a filosofia militarista na força
policial, porque até mesmo a Polícia Civil, como no caso do Rio de
Janeiro com a Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), que
trabalha com uma lógica de Infantaria, de Exército. Você vê o
policial da Core, ele parece um soldado do Exército, de preto,
coturno, capacete, parece um militar. Então, essa a filosofia de
Infantaria, da eliminação física do inimigo tem que ser abolida da
polícia. O policial tem que cumprir a lei, ele não é um infante,
porque na Infantaria o papel dele é eliminar o inimigo. A polícia
não é isso. No caso do Brasil, o inimigo tem sido o pobre, o negro,
o pobre da favela, o movimento social. Então, quando eu conclamei o
movimento social de esquerda a cada vez mais levantar esta bandeira
é porque essa polícia, que a gente tem como aparato de repressão,
ela é utilizada contra o pobre e contra o militante. Têm várias
ameaças que agente consegue denunciar, mas em estados como Rondônia,
Pará, Roraima, os trabalhadores sem terra lá da Liga dos Camponeses
Pobres eles são assassinados cotidianamente e você nem ouve falar.
Assim como das ameaças aos povos indígenas no Mato Grosso.No Brasil,
você tem um histórico de repressão aos pobres das favelas e aos
militantes da esquerda que já vem de longa data. Acredito que a
gente cada vez mais se movimente contra isso. Quando disse que eu me
orgulhava destas ameaças é porque elas vêm de segmentos de extrema
direita, não recebi ameaças do MST, não recebi ameaças dos Sem Teto,
não recebi ameaças de militantes da esquerda. Recebi ameaças de
figuras que se identificam como militares, nacionalistas
exacerbados, anticomunistas, antipetistas, essas figuras todas estão
unidas por um mesmo viés ideológico da extrema direita. Então isso
me faz crer que eu esteja no caminho certo.