A Crise do
Capitalismo e o triunfo de Chávez
Boron, que dispensa
apresentação por ser um importante referente da teoria política e
das ciências sociais em Iberoamérica, foi um dos expositores
principais do VI Encontro Internacional de Economia Política e
Direitos Humanos, organizado pela Universidad Popular Madres de la
Plaza de Mayo, que aconteceu em Buenos Aires, entre os dias 4 e 6 de
outubro.
Tópicos como a crise estrutural
do capitalismo, o fenômeno da manipulação dos monopólios midiáticos
e o que significa para a América Latina o triunfo de Hugo Chávez
foram tratados com profundidade por esse destacado politólogo,
sociólogo e investigador social, doutorado em Ciências políticas
pela Universidade de Harvard e, atualmente, diretor do Programa
Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais do
Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini, na capital argentina.
Para aprofundar sobre alguns
desses temas, o Observatorio Sociopolítico Latinoamericano
(www.cronicon.net) teve a oportunidade de entrevistá-lo no final de
sua participação em dito fórum acadêmico internacional.
Rumo a um projeto
pós-capitalista
No desenvolvimento de sua
exposição no encontro da Universidad Popular de Madres de la Plaza
de Mayo, Boron analisou o contexto da crise capitalista.
"Hoje em dia é impossível
referir-se à crise e à saída da mesma sem falar do petróleo, da água
e das questões meio ambientais. Essa é uma crise estrutural e não
produto de uma má administração dos bancos das hipotecas subprime”.
Recordou que, recentemente,
foram apresentadas propostas por parte dos Prêmios Nobel de Economia
para tornar mais suave a débâcle capitalista. Uma, a esboçada por
Paul Krugman, que propõe revitalizar o gasto público. O problema é
que os Estados Unidos estão quebrados e o nível de endividamento das
famílias nos Estados Unidos equivale a 150% dos ingressos anuais.
"Krugman propõe dar crédito ao Estado para que estimule a economia.
Porém, os Estados Unidos não têm dinheiro porque decidiram salvar os
bancos”.
A outra proposta é de Amartya
Sem, que analisa a situação do capitalismo como uma crise de
confiança e é muito difícil restabelecê-la entre os poupadores e os
banqueiros devido aos antecedentes desses últimos. Por isso, essas
não deixam de ser "pseudo explicações que não levam à questão de
fundo. Não explicam porque caem os índices do PIB e sobem as bolsas.
Ambos índices estariam desvinculados e as bolsas crescem porque os
governos injetaram moeda ao sistema financeiro”.
A crise capitalista serviu para
acumular riqueza em poucas mãos, uma vez que "o que os democratas
capitalistas fizeram no mundo desenvolvido foi salvar os banqueiros,
não os endividados, ou seja, as vítimas”.
Exemplificou com as seguintes
cifras: enquanto o ingresso médio de uma família nos Estados Unidos
é de 50.000 dólares ao ano, o daqueles de origem latina é de 37.000
e o de uma família negra é de 32.000, o diretor executivo do Bank of
America, resgatado, cobrou um salário de 29 milhões de dólares.
Então, é evidente que cada vez
mais há uma tendência mais regressiva de acumular riqueza em poucas
mãos. Em trinta anos, o ingresso dos assalariados foi incrementado
em 18% e o dos mais ricos cresceu 238%.
"No capitalismo desenvolvido
houve uma mutação e os governos democráticos transformaram-se em
plutocracias, governos ricos”. Porém, além disso, "o capitalismo se
baseia na apropriação seletiva dos recursos”.
Por isso, citando o economista
egípcio Samir Amin, Boron afirma sem medo que "não há saída dentro
do capitalismo”.
Como alternativa, Boron
sustenta que "hoje, pode-se pensar em um salto para o modelo
pós-capitalista. Há algo que pode ser feito até que apareçam os
sujeitos sociais que darão o ‘tiro de misericórdia’ no capitalismo.
O que se pode fazer é desmercantilizar tudo o que o capitalismo
mercantilizou: a saúde, a economia, a educação. Assim, estaremos em
condições de ver o amanhecer de um mundo mais justo e mais humano”.
A reeleição na Venezuela
Sobre a matriz de opinião que
os monopólios midiáticos da direita têm tentado impor no sentido de
que a reeleição do presidente Chávez é um sintoma de que ele quer se
perpetuar no poder, a análise de Boron foi contundente:
"Há um grau de hipocrisia
enorme nesse tema, porque os mesmos que se preocupam com o fato de
Chávez estar por 20 anos no governo, aplaudiam fervorosamente a
Helmut Kohl, que permaneceu no poder por 18 anos, na Alemanha; ou
Felipe González, por 14 anos, na Espanha; ou Margaret Thatcher, por
12 anos, na Inglaterra”.
"Há um argumento racista que
diz que somos uma raça de corruptos e imbecis; que não podemos
deixar que as pessoas mantenham-se muito tempo no poder; ou há uma
conveniência política, que é o que acontece ao tentarem limar as
perspectivas de poder de líderes políticos que não são de seu
agrado. Agora, se Chávez instaurasse uma dinastia onde seu filho e
seu neto herdassem o poder, eu estaria em desacordo. Porém, o que
Chávez faz é dizer ao povo que eleja; e, em âmbito nacional, por um
período de 13 anos, convocou o povo venezuelano para 15 eleições,
das quais ganhou 14 e perdeu uma por menos de um ponto; e,
rapidamente, reconheceu sua derrota. Então, não está dito em nenhum
lugar serio da teoria democrática que tem que haver alternância de
lideranças, na medida que essa liderança seja ratificada em eleições
limpas e pela soberania popular”.
Confira a entrevista:
A canalha midiática assume a
representação de interesses da direita
Hoje, no debate da teoria
política, fala-se de "pós-democracia”, para significar o esgotamento
dos partidos políticos, a irrupção dos movimentos sociais e a
incidência dos meios de comunicação na opinião pública. Que alcance
você dá a esse novo conceito?
Eu analiso como uma expressão
da capitulação do pensamento burguês que, em uma determinada fase do
desenvolvimento histórico do capitalismo, fundamentalmente a partir
do final da I Guerra Mundial, apropriou-se de uma bandeira -que era
a da democracia- e a assumiu. De alguma maneira, alguns setores da
esquerda consentiram nisso. Por quê? Bom, porque estávamos um pouco
na defensiva e, além disso, o capitalismo havia feito uma série de
mudanças muito importantes. Por isso, a ideia de democracia ficou
como se fosse uma ideia própria da tradição liberal burguesa, apesar
de que nunca houve um pensador dessa corrente política que fizesse
uma apologia do regime democrático. Estudavam sobre isso,
possivelmente, a partir de Thorbecke ou de John Stuart Mill; porém,
nunca propunham um regime democrático; isso vem da tradição
socialista e marxista. No entanto, apropriaram-se dessa ideia;
passaram todo o século XX atualizando-a. Agora, dadas as novas
contradições do capitalismo e ao fato de que as grandes empresas
assumiram a concepção democrática, a corromperam e a desvirtuaram
até o ponto de torná-la irreconhecível, perceberam que não tem
sentido continuar falando de democracia. Então, utilizam o discurso
resignado que diz que o melhor da vida democrática já passou; um
pouco a análise de Colin Crouch: o que resta agora é o
aborrecimento, a resignação, o domínio a cargo das grandes
transnacionais; os mercados sequestraram a democracia e, portanto,
temos que nos acostumar a viver em um mundo pós-democrático. Nós,
como socialistas, e, mais, como marxistas jamais podemos aceitar
essa ideia. Creio que a democracia é a culminação de um projeto
socialista, da socialização da riqueza, da cultura e do poder.
Porém, para o pensamento burguês, a democracia é uma conveniência
ocasional que durou uns 80 ou 90 anos; depois, decidiram livrar-se
dela.
Mesmo em uma situação
anômala mundial e levando-se em conta que a propriedade dos grandes
meios de comunicação está concentrada em uns poucos monopólios do
grande capital, como você analisa o fenômeno da canalha midiática na
América Latina? Parece que, paulatinamente, vão perdendo a
credibilidade...?
O que bem qualificas como
canalha midiática tem um poder fenomenal, que vem substituindo os
partidos políticos da direita que caíram no descrédito e que não têm
capacidade de prender a atenção nem a vontade dos setores
conservadores da sociedade. Nesse sentido, cumpre-se o que, Gramsci
muito bem profetizou há quase um século, quando disse que diante da
ausência de organizações da direita política, os meios de
comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus
interesses e isso está acontecendo na América Latina. Em alguns
países, a direita conserva certa capacidade de expressão orgânica,
creio que é o caso da Colômbia; porém, na Argentina, não, porque
nesse país não existem dois partidos, como o Liberal e o Conservador
colombianos; e o mesmo acontece no Uruguai e no Brasil. O caso
colombiano revela a sobrevivência de organizações clássicas do
século XIX da direita que se mantiveram incólumes ao longo de 150
anos. É parte do anacronismo da vida política colombiana que se
expressa através de duas formações políticas decimonônicas [do
século XIX], quando a sociedade colombiana está muito mais evoluída.
É uma sociedade que tem uma capacidade de expressão através de
diferentes organizações, mobilizações e iniciativas populares que
não encontram eco no caráter absolutamente arcaico do sistema de
partidos legais na Colômbia.
Com essa descrição que
encaixa perfeitamente na realidade política colombiana, o que
poderíamos falar, então, de seus meios de comunicação...
Os meios de comunicação
naqueles países em que os partidos desapareceram ou debilitaram-se
são o substituto funcional dos setores de direita.
O que significa para a
América Latina o triunfo do presidente venezuelano Hugo Chávez?
Significa continuar em uma
senda que se iniciou há 13 anos, um caminho que, progressivamente,
ocasionado algumas derrotas muito significativas ao imperialismo
norte-americano na região, entre elas, a mais importante, a derrota
do projeto da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que era a
atualização da Doutrina Monroe para o século XXI e isso foi varrido
basicamente pela enorme capacidade de Chávez de formar uma coalizão
com presidentes que, não sendo propriamente de esquerda, eram
sensíveis a um projeto progressista, como poderia ser o caso de
Lula, no Brasil e de Néstor Kirchner, na Argentina. Ou seja, de
alguma maneira, Chávez foi o marechal de campo na batalha contra o
imperialismo; é um homem que tem a visão geopolítica estratégica
continental que ninguém mais tem na América do Sul. O outro que tem
essa mesma visão é Fidel Castro; porém, ele já não é chefe de
Estado, apesar de que eu sempre digo que o líder cubano é o grande
estrategista da luta pela segunda e definitiva independência,
enquanto que Hugo Chávez é o que leva as grandes ideias aos campos
de batalha, e, com isso, avançamos muito. Inclusive, agora, com a
entrada da Venezuela ao Mercosul, conseguiu-se criar uma espécie de
blindagem contra tentativas de golpe de Estado. Caso a Venezuela
permanecesse isolada, considerado um Estado paria, teria sido presa
muito mais fácil da direita desse país e do império norte-americano.
Agora, não será tão fácil.
Você vê algumas nuvens
cinzentas no horizonte do processo revolucionário da Venezuela?
Creio que sim, porque a direita
é muito poderosa na América Latina e tem capacidade de enganar as
pessoas. E os grandes meios de comunicação têm a capacidade de
manipular, enganar, deformar a opinião pública; vemos isso muito
claramente na Colômbia. Boa parte dos colombianos compraram o
bilhete da Segurança Democrática com uma ingenuidade, como aqui na
Argentina compramos o bilhete de ganhar a Guerra das Malvinas.
Portanto, temos que levar em consideração que, sim, existem nuvens
no horizonte porque o imperialismo não ficará de braços cruzados e
tentará fazer algo como, por exemplo, impulsionar uma tentativa de
sublevação popular, tentar desestabilizar o governo de Chávez e
derrubá-lo.
Fernando Arellano Ortíz, do Cronicon.net
Tradução: Adital