Abrir-se para a
onda
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Para o cientista político e professor Giuseppe Mario Cocco,
protestos de professores no Rio de Janeiro mostram a força
das mobilizações de junho |
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Cenário de
algumas das mobilizações mais intensas ocorridas em junho, o Rio de
Janeiro voltou a registrar, em outubro, protestos de grande
proporção. Se naquele momento a redução das tarifas era a motivação
principal, dessa vez o mote é o apoio aos professores da rede
municipal de ensino, em greve desde 8 de agosto.
A mobilização
mais intensa, até o momento, ocorreu em 7 de outubro – dias depois
de os docentes serem duramente reprimidos pela Polícia Militar.
Convocado pelas
redes sociais – característica comum dos eventos de rua deste ano –
o ato reuniu milhares de pessoas que, além de cobrar melhorias na
educação, protestavam contra a violência das polícias.
A solidariedade
aos professores cariocas se estendeu para São Paulo, onde estudantes
organizaram uma manifestação pelo centro da capital paulista.
Em ambas as
cidades, os protestos terminaram com repressão, prisões e
criminalização dos manifestantes.
Para o cientista
político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) Giuseppe Mario Cocco, a magnitude do ato em apoio aos
professores no Rio de Janeiro é reflexo da força das mobilizações
que eclodiram em todo o país na metade do ano. “É uma movimentação
de categoria, mas que se faz na brecha aberta pelo movimento de
junho”, afirma.
Em entrevista ao
Brasil de Fato, ele fala sobre o poder da internet na conjuntura
atual e a necessidade de abertura nos movimentos organizados e
critica a atuação do governo federal.
“Em vez de se
aproveitar esse momento como uma brecha para a radicalização
democrática está se aproveitando para ir em direção a um Estado de
exceção”, diz.
Brasil de Fato
– Depois da mobilizações massivas em junho, o Rio de Janeiro voltou
a registrar, nas últimas semanas, mobilizações que reuniram milhares
de pessoas, desta vez em apoio aos professores da rede municipal.
Esses novos protestos, na sua opinião, são uma continuidade do
movimento iniciado em junho ou fazem parte de um novo contexto?
Giuseppe Mario
Cocco
– O movimento dos professores se constitui em uma continuidade dos
movimentos de junho, veio naquela onda e tem todas as
características, como a massificação. Quando os professores se
mobilizaram o fizeram de uma maneira tradicional, com passeatas,
organizados a partir do carro de som do sindicato, com uma dinâmica
que não era aquela do movimento de junho. Mas de repente a
mobilização não encontrou nenhum espaço de negociação junto aos
poderes públicos, nenhuma mediação por parte da Prefeitura e foi se
radicalizando. A partir da ocupação da Câmara Municipal passou a ser
algo diferente, dialogando diretamente com o levante da multidão. É
uma luta da categoria que acabou sendo uma luta da cidade. É uma
movimentação de categoria, mas que se faz na brecha aberta pelo
movimento de junho que, em particular no Rio de Janeiro, teve uma
continuidade praticamente diária.
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O cientista político e professor da UFRJ Giuseppe Cocco.
Foto: Gabinete Digital/Governo do Rio Grande do Sul |
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Qual a influência
da internet e, principalmente, das redes sociais nesse processo de
mobilizações?
O papel da
internet é fundamental. No caso dos professores, por exemplo: eles
ocuparam a Câmara, foram despejados de maneira violenta, e isso foi
transmitido por um sem número de pessoas [na internet]. A decisão da
mídia de apresentar apenas o que ela quer, de evitar a notícia, não
funciona mais.
Temos a
possibilidade de ver ao vivo, ou logo depois, reproduções de
imagens, fotos, vídeos, depoimentos, que permitem uma verdadeira
democratização do evento.
Além disso, hoje
uma organização não tem mais que fazer uma plenária, compor com
outras, chamar para uma manifestação. Um evento pode se produzir e
reproduzir sem passar por nenhuma mediação, é uma coisa que acontece
de maneira horizontal e virtual. A internet e as redes, de forma
geral, não são uma opção: são a nossa condição de vida e de
trabalho. Nós trabalhamos entre as redes e as ruas, e os movimentos
também se organizam e se articulam entre as redes e as ruas. Há uma
articulação entre a comunicação que acontece pela internet e a
mobilidade dentro da metrópole, não é por acaso que o movimento
começou dentro da metrópole, em função do transporte.
Que lições os
movimentos organizados de esquerda podem tirar desses protestos?
A primeira
[lição] é que nenhuma das formas tradicionais de organização, sejam
elas partidárias, sindicais ou de movimentos organizados, sabe lidar
com essa nova dinâmica. O movimento de junho é uma bifurcação, já
estava presente de maneira muito menor nas margens, mas a partir de
junho virou um movimento capaz de uma ação potente. Se dizia também
que era um movimento que não tinha liderança, organicidade,
objetivos. Isso é errado: na realidade o que nós assistimos é que é
um movimento capaz de ter lideranças, organicidade e objetivos, só
que eles são internos à sua própria dinâmica, sem separação entre o
processo e o resultado. A partir dessas considerações é que tem que
se escutar, estudar, se abrir a essa dinâmica.
A segunda lição,
portanto, é entender antes de fazer críticas ou constatações de
desqualificação, de apologia, até criminalizadoras às vezes. A
terceira lição é que as formas representativas, sobretudo os
partidos, quando participam de algum momento da dinâmica de governo,
ou se abrem para a onda entrar ou vão ser deslegitimados.
Parece-me que o
partido do governo, o PT, não entendeu nada. Está optando pela
repressão e só, com alguns exercícios retóricos, e eu acho que isso
vai criando um problema para 2014. Não estou dizendo que isso
necessariamente vai se transformar em uma derrota eleitoral da
eventual candidata do PT para as eleições presidenciais, mas acho
que está mudando a significação do pleito.
A postura deveria
ser de se abrir, de negociar, sobretudo de se distanciar dessa
relação pragmática com a direita no Rio de Janeiro. Todos os
movimentos organizados, inclusive os partidos que têm um mínimo de
sensibilidade com relação à democracia, deveriam usar a potência do
movimento para abrir momentos assembleares, chamar todo mundo para
discutir e, se estão no governo, abrir espaços para a participação
real. Mas usar as redes para novas formas de participação e não para
fazer consultas eletrônicas como o Gabinete Digital do Rio Grande do
Sul, do governo Tarso [Genro]. É uma proposta de experimentar formas
de democracia em rede que se reduz fundamentalmente a uma consulta
em torno de temas fechados.
Democracia em
rede não é isso, é uma participação em rede é capaz de determinar,
mudar e produzir as pautas. Implica em uma abertura muito mais
radical. Mas fazer isso significa abrir mão de querer dirigir, de
mandar, precisa se abrir para dinâmicas que sejam de baixo para
cima.
A partir de junho
não adianta dizer que a sociedade não está mobilzada, que todas as
mediações e limitações dos governos e as coalizões das quais
participa – estou falando das forças de esquerda – não podem ir além
de certo limite porque a sociedade é despolitizada. Agora é porque o
pessoal não quer.
Algumas das
mobilizações mais massivas têm ocorrido depois de episódios de
repressão violenta das polícias. Você acredita que a repressão
policial tem sido um “estopim” nesses casos?
A repressão da
polícia tem dimensões diferentes. A brutalidade da polícia nas
manifestações não só em São Paulo e no Rio, mas em todo o Brasil, só
foi massificando a participação nas manifestações seguintes. E isso
se renovou no Rio, com a manifestação dos professores e a
truculência do governo do Rio, que tem sinal verde do governo
federal. Mas tem outro tipo de repressão que usa o Estado e as leis
de exceção. As prisões de dois jovens em São Paulo [enquadrados na
Lei nº 7.170, conhecida como Lei de Segurança Nacional], as
operações que a Polícia Federal está realizando no Rio de Janeiro
com prisões de anarquistas, esse é outro tipo de repressão que passa
pela criminalização.
Não é mais a
truculência generalizada da tropa de choque, é a criminalização com
a participação eventual de setores da magistratura e que usa a lei a
partir das determinações do Executivo.
Aí começa uma
situação na qual o nível de radicalidade vai crescendo, não tem
negociação, tem massificação, aí vem a mídia, aliada do governo... O
governo federal usa o apoio que a mídia conservadora dá para fazer
essas operações que tentam enquadrar esses garotos [Black Blocs]
como se fossem crime organizado. É um arbítrio geral, ainda mais no
Brasil onde a gente sabe que crime organizado é outra coisa.
A gente lê nas
páginas dos jornais as relações espúrias entre os poderes
constituídos e as milícias, isso para falar do Rio de Janeiro. Nunca
vi usar a lei de Força de Segurança Nacional para reprimir a polícia
que mata e que tortura. Aparentemente, torturar o Amarildo não é um
atentado contra o Estado, quebrar um caixa eletrônico sim.
Quais as
perspectivas para as grandes mobilizações no Brasil, na sua
avaliação?
Acho que ninguém
sabe, nem aqueles que estão mais envolvidos com a própria dinâmica
do movimento. Por enquanto a coisa está acontecendo no Rio de
Janeiro, o episódio dos professores mostra que o movimento está lá,
que uma greve de categoria acabou se transformando em mais um
episódio de movimento de multidão. Então todo novo conflito que
ocorrer no Rio de Janeiro tem a tendência de se integrar nessa
dinâmica de uma nova versão entre as redes e as ruas, mas ninguém
sabe como isso pode acontecer.
Antes a gente
tinha uma agenda positiva, a dos megaeventos, e que agora está
funcionando no sentido oposto, portanto o horizonte é que o carnaval
e a Copa do Mundo se tornem momentos de mobilização. Aliás, esse
sinal verde do governo federal para os governos autoritários do Rio
de Janeiro e essa determinação de reprimir e de fazer o conflito
agora é porque eles querem pacificar a Copa do Mundo. Não sei se a
repressão vai ser eficaz ou não, o que sei é que para a democracia
não é nada positivo.
Em vez de se
aproveitar esse momento como uma brecha para a radicalização
democrática está se aproveitando para ir em direção a um Estado de
exceção, e isso para a Fifa organizar os jogos e a Ambev vender
cerveja. Eu estou preocupado e todos os movimentos progressistas
deveriam estar. O PT está perdendo definitivamente a sua alma. Falo
do PT não como partido, mas como partido de governo. As mediações
que ele fez ao longo desses anos, os desvios e os pragmatismos, não
são nada em comparação ao que está optando em fazer agora.
Fonte: Brasil de Fato, Patrícia Benvenuti, 22/10/13.