“De 1500 para cá,
tudo é feito na base da tortura”, diz relatora da ONU
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Margarida Pressburguer, relatora do Subcomitê de Prevenção à
Tortura da ONU, repudia tortura contra Amarildo praticada
na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha |
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Choques elétricos
e asfixiamento com saco plástico são as causas apontadas no
inquérito que apurou a morte de Amarildo. O ajudante de pedreiro,
morador da Rocinha, sofreu por minutos ou horas as torturas
praticadas por policiais militares. A prática dos supostos
torturadores da Unidade da Polícia Pacificadora (UPP) teve a “pior
repercussão possível” no Comitê de Combate à Tortura da Organização
das Nações Unidas (ONU). A informação é da relatora do Subcomitê, a
advogada Margarida Pressburguer, 69 anos.
Em entrevista,
Margarida defendeu que os policiais militares indiciados no caso
sejam encaminhados para a prisão comum. “Por que o crime deles é
menor?”, questionou. Segundo ela, somente a desmilitarização da
polícia poderá resultar em mudanças significativas nas forças de
segurança. “Enquanto não desmilitarizar a polícia, vamos continuar
vendo essas barbáries com polícia militar jogando bombas em
professores”, criticou.
Brasil de Fato –
Como repercutiu no Subcomitê da ONU a notícia de que a “polícia
pacificadora” é adepta da prática de tortura?
Margarida
Pressburguer
– A repercussão é a pior possível. Ainda não estive com eles, nossa
próxima sessão será no dia 15 de novembro, em Genebra. Teremos uma
reunião conjunta do comitê, do subcomitê e com o relator especial da
ONU sobre a tortura, Juan Méndez. Só aí teremos uma posição sobre o
que tem acontecido no Brasil. Esse grito “Cadê Amarildo” não reflete
apenas este caso. Amarildo é um desaparecido da democracia. Falamos
dos desaparecidos da ditadura nas Comissões da Verdade, mas na
democracia temos muitos casos. São exemplos: João Antônio Carelli,
da Fiocruz; Patrícia Amieiro, engenheira da Esso; a irmã do Victor
Belford e centenas de outros.
Essa truculência
pode ser atribuída a quais fatores?
A Polícia Militar
(PM) aprende na mesma cartilha que formava as forças armadas da
ditadura. Ou seja, eles não têm a menor noção que a obrigação da PM
é defender a população. Quando eles enfrentam uma manifestação, eles
entendem que o povo é inimigo. Estou envolvida com esse tema há 50
anos e nada mudou.
Nove PMs e o
Major Edson Santos, suspeitos de terem assassinado Amarildo, foram
presos preventivamente. Isso basta?
É uma prisão
muito confortável. Eles estão num Batalhão especial, no meio dos
colegas. Esta é uma situação totalmente diferente do sistema
prisional brasileiro. Destaco que crime de tortura é um crime de
lesa-humanidade. Esses dez, ainda que estejam em prisão preventiva,
deveriam estar na prisão comum. Por que o crime deles é menor?
Amarildo não teve
direito de defesa e foi julgado e condenado pelos policiais da UPP.
Como a senhora avalia isso?
O que aconteceu
com o Amarildo foi um crime hediondo. Houve tortura psicológica
contra a família e contra as testemunhas que foram subornadas.
Também houve uma acusação de que Amarildo seria um elemento do
tráfico. E se ainda o fosse, Amarildo teria de ter sido preso,
julgado e, se fosse condenado, cumprisse pena e não morto e
torturado.
As declarações do
secretário José Mariano Beltrame e do governador Sérgio Cabral
minimizaram a tortura contra Amarildo. Em que medida esse
posicionamento contribuiu para a impunidade?
Cada vez mais
[contribuem para impunidade]. Desde que Beltrame assumiu, nós temos
presenciado chacinas do Complexo do Alemão e da Providência, também
teve o caso do menino que foi metralhado na Tijuca. E é sempre a
mesma história: inicialmente nega e depois muda o comandante. Isso
torna a situação cada vez pior. Não se mudam práticas sem mudar a
mentalidade. Enquanto os comandantes acharem que a população é
inimiga, não tem jeito.
Em outras
ocasiões a senhora afirmou que existe uma “cultura da tortura” no
país. Por quê?
No momento em que
o primeiro português aportou em praias brasileiras, ele torturou o
índio. De 1500 pra cá, tudo é feito na base da tortura. Na
escravidão, os negros eram torturados até a morte. Nos anos 1960, a
ditadura civil-militar fez a mesma coisa. Enquanto não
desmilitarizar a polícia, vamos continuar vendo essas barbáries: PMs
jogando bombas em professores, os heróis que se predispõem a educar.
* Foto: Pablo
Vergara
Fonte: Brasil de Fato, Vivian Virissimo, 11/10/13.