Terrorismo de Estado no Pinheirinho reitera democracia
policial-imobiliária
Por Gabriel
Brito*
No último
domingo, a cidade de São José dos Campos, mais precisamente o bairro
do Pinheirinho, foi palco de novas cenas da brutalidade e completa
ausência de sentido democrático do governo tucano. Como tratamos na
matéria sobre a Cracolândia, trata-se, definitivamente, de uma cidade
e estado subjugados por um autêntico reich, que já leva duas décadas e
não pára de intensificar suas ações contra as maiorias, massas
trabalhadoras, pobres, desvalidas, em geral negras e periféricas.
Para qualquer
pessoa que goste de se declarar “de bem”, favorável ao bom cumprimento
de leis e direitos, sem distinções de classe, raça, idéias, as cenas
da barbaridade policial permitidas pelo judiciário e prefeitura locais
causam engulho profundo, ferem a alma e trazem revolta em relação às
eternas opressões e humilhações que a burguesia e sua milícia armada
impõem às classes subalternas, que costumam ganhar a dura vida
prestando importantes serviços a esses mesmos privilegiados.
Interesses
mafiosos
No entanto, antes
de prosseguir na descrição de toda a desumanidade e corrupção que
regem os governos tucanos, cada vez mais desmascarados e
desmoralizados, é preciso situar o leitor a respeito de toda a
história em torno do terreno localizado na cidade também dominada pelo
PSDB – afinal, o interior paulista é um grande sustentáculo do
conservadorismo e direitismo nacionais.
Ocupado desde
2004 por pessoas que não tinham casa para morar, a área possui 1,3
milhão de metros quadrados, sendo, obviamente, extremamente cobiçada
pelo mercado imobiliário e construtor, que, também dito acerca da
Cracolândia, é quem verdadeiramente manda e desmanda na atual
“política”, em todas as escalas, municipais, estaduais e federal.
Originalmente,
era uma vasta área de fazenda pertencente à família Kubitzky, de
imigrantes alemães, desejada por empresários da época, que tentaram
por algumas vezes, em vão, adquirir a propriedade. Misteriosamente,
toda a família de quatro irmãos idosos foi exterminada, numa chacina
registrada pela imprensa grande de então, ocorrida em 1º de julho de
1969. Sem herdeiros, o terreno passou automaticamente para a posse do
Estado. Quanto ao crime, jamais foi esclarecido.
Depois de certo
tempo, empresários milionários já apareciam como proprietários do
local, que passou a integrar o patrimônio da empresa Selecta, que,
entre outros cabeças, incluía Naji Nahas, conhecido especulador e
doleiro, historicamente envolvido, e condenado, em inúmeros crimes
financeiros.
Com uma dívida de
cerca de 10 milhões de reais de IPTU, o terreno é massa falida, há
décadas, da Selecta. Ou seja, ao defender a reintegração de posse, a
prefeitura de São José simplesmente atuou em favor de seu devedor,
contra famílias compostas por trabalhadores que há anos davam vida ao
Pinheirinho, que já se constituía como mais um bairro popular de
modestas condições, como milhares que conhecemos Brasil afora. Não se
tratava de uma favela, como noticiou maliciosamente a grande mídia,
outro braço da tropa de choque tucana.
Como já explicado
por jornalistas e também pelo deputado federal Protógenes Queiroz,
conhecedor profundo das práticas de Nahas desde a Operação Satiagraha
- anulada na justiça por envolver até a mãe dos plutocratas nacionais,
à “esquerda” e à direita -, o criminoso financeiro libanês tem
interesse total em retomar o terreno e usá-lo no abatimento da
estrondosa dívida de sua antiga empresa – dentre tantas...
“Justiça” de
classe, como sempre
Mostrando sua
cara mais patrimonialista e anti-social, o judiciário local, através
da juíza Marcia Faria Mathey Loureiro, concedeu, reiteradamente, a
ordem de reintegração de posse, a ser promovida pela PM, com seus
conhecidos métodos. Até aí, nenhuma menção ao caráter escuso dos
interessados em reaver o terreno, muito menos à questão da função
social da terra, outro ditame que não sai do papel neste país.
Prevendo um
massacre, movimentos sociais e algumas autoridades de Estado
conseguiram promover reuniões entre as partes envolvidas e adiar a
reintegração. Tudo parecia relativamente acalmado, principalmente após
reunião que envolveu o próprio governador Alckmin e outros políticos,
ainda no sábado, quando se acordou que não haveria reintegração
abrupta e não negociada. Ainda mais com a ordem da juíza Roberta Monza
Chiari, do 3º. Tribunal Regional Federal, de suspensão temporária da
ação, expedida na sexta-feira, 20.
No entanto, no
alvorecer do último domingo, a farsa e má-fé dos tucanos se mostraram
ao mundo inteiro. 2000 policiais fortemente armados foram mobilizados
para retirar as cerca de 8000 pessoas que habitam o Pinheirinho,
promovendo uma batalha campal que durou horas, causando desespero,
sofrimento e muito pânico nos moradores, com enorme número de
mulheres, crianças e idosos.
Só o fato de
haver desobediência à ordem de instância superior, federal, sob a
benção presencial do desembargador Rodrigo Capez, irmão do deputado
estadual tucano Fernando Capez, já mostra claramente as intenções
dessa ala política seqüestrada e financiada pelo setor imobiliário.
Sabendo-se claramente da violência que a desocupação do local geraria,
em momento algum se quis suspender a operação, que tampouco poderia se
realizar numa madrugada dominical.
"O proprietário é
um notório devedor de impostos, notório especulador, proibido de atuar
nas bolsas de valores de 40 países. Só aqui ele é tratado tão bem",
afirmou, em entrevista ao Portal Terra, Aristeu Cesar Pinto, da OAB
local. Por sinal, a entidade apura as inúmeras denúncias de óbitos,
tendo anunciado na segunda-feira que os indícios de morte são os
maiores possíveis.
Uma tragédia
ainda a ser contabilizada
Ao menos de
acordo com moradores e militantes presentes na reintegração, as mortes
já são uma certeza. “É preciso fortalecer a denúncia dos três
assassinados no domingo, com total bloqueio da imprensa. Os corpos não
foram levados para o IML de São José e estão desaparecidos. Um deles é
uma criança de 4 anos de idade, que chegou morta ontem às 18 horas ao
PS Vila Industrial, após levar um tiro de borracha no pescoço. Temos
várias testemunhas, mas os hospitais - por ordem expressa da
prefeitura e da PM - não confirmam as informações, temendo ampliar a
indignação e a resistência”, contou Guilherme Boulos, militante do
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, em protesto em frente ao
Palácio dos Bandeirantes que marcou o início da semana.
Por sinal, Boulos
foi covardemente espancado pelos policiais militares, que novamente
voltaram a demonstrar uma tenebrosa vocação que em nada deve aos
oficiais nazistas, colocando-se perfeitamente à altura da Gestapo e
SS. Não à toa, brotam sem parar pela internet ilustrações e insígnias
relacionando os tucanos aos nazistas alemães, visto ser cada vez maior
o número de pessoas que notam como todos os assuntos sociais vêm sendo
“resolvidos” pela PM em São Paulo. Folgam exemplos, como os fatos
recentes da USP, na Cracolândia, na favela do Moinho, nos protestos
contra aumento da tarifa do transporte público...
Como dito pelos
próprios moradores, pessimamente alojados em tendas ao lado do local
onde até outro dia tinham suas vidas pra tocar, sem a mínima estrutura
e garantias, o balanço dos prejuízos só poderá ser feito após a
polícia deixar o local, completamente sitiado, com a ajuda da Guarda
Civil Metropolitana, que se caracteriza pela implacável violência
destinada aos trabalhadores informais, pobres, miseráveis e afins.
Porém, muitos
seguem afirmando que, sim, ocorreram mortes, pois, além de entrarem na
área disparando suas balas de borracha, os policiais possuíam pistolas
e luvas de borracha (para assassinar sem vestígios?!), informações
omitidas, ou mentidas, pelo governo Alckmin e sua mídia aliada. Basta
pesquisar imagens e vídeos feitos por diversas pessoas para se
comprovar a violência letal com que a polícia atacou os moradores.
Além do mais,
logo surgiram denúncias a respeito de pressões e ordens partidas dos
policiais à administração do hospital público de São José, que recebia
as vítimas da reintegração em favor do doleiro procurado pela Interpol
e proibido de entrar em 40 países. “Polícia de São José e a Rota, da
polícia militar do estado de São Paulo, estão SEQUESTRANDO os feridos
e mortos, e SUMINDO com os corpos! Isso é REAL!”, denunciou Pedro Rios
Leão, via internet, outra testemunha ocular dos fatos.
Talvez sem medir
o nível de barbárie atingido, o governo tucano ignorou claramente
todas as tentativas de resolução pacífica, e justa, do conflito de
interesses tão diametralmente opostos. De um lado, 1500 famílias, de
outro, um notório gângster, envolvido com a quebra da bolsa do Rio nos
anos 80, o escândalo dos precatórios dos malufistas nos anos 90, a
privataria e seus dutos em paraíso fiscal até os dias atuais... Ah,
sim, também bilionário freqüentador dos mesmos ambientes sociais de
todos os políticos e juízes aqui citados, como explicou o jornalista
Marques Casara.
Diante disso,
fica impossível discordar do deputado federal Ivan Valente, que
resumiu a ação tucano-judicial-policial como autêntica “justiça de
classe”, colocando o direito ao patrimônio em patamar superior ao
direito à vida e à moradia, entre outros essenciais direitos humanos,
ignorados por uma juíza que não pode seguir na carreira sem passar por
uma séria investigação – e processo de responsabilização.
País para poucos
“No Brasil, os
comandantes do agronegócio responsáveis pelo desmatamento ilegal de
mata nativa e áreas de proteção ambiental até 2008 podem receber
anistia de suas multas (ou seja, não vão pagar pelos crimes
ambientais) e continuar na área ocupada. No mesmo país, milhares de
pessoas pobres que moram desde 2004 em uma região até então
abandonada, são expulsas violentamente de suas casas, impedidas de
continuar na área ocupada. Em um caso, ocupar foi permitido. Em outro,
não. Brasil, um país de poucos”, resumiu Lívia Morais, cidadã joseense
presente à retirada das famílias, em uma de suas mensagens na internet
– mais uma a garantir que houve mortes.
“É a queda de
braço entre a lei, o povo, e um homem que pode derrubar metade da
República. Todos os agentes sabem exatamente o que acontece, um
assessor da presidência tomou um tiro, pessoas foram assassinadas e
seus corpos seqüestrados na frente de todo mundo. Incluindo duas
crianças, uma de quatro anos e outra de meses. Pessoas foram mortas,
inclusive, depois da desocupação. Sobre tudo isso não existe nenhuma
dúvida. E eu me ponho como fiador dessas provas. Prefiro correr o
risco do que deixar isso acontecer calado. Descobri que existem três
horas de material escondido com algumas pessoas que também estão em
pânico. Também vou ao hospital tentar mais uma vez conversar com David
Washington Castor Furtado, nossa única prova viva e rastreável. O
David tomou um tiro nas costas, de um policial da guarda municipal,
enquanto carregava um bebê de dois anos e agora está correndo risco de
paralisia das pernas. Ele está sendo vigiado pelos seus mesmos
algozes. Não se confundam, essa não é uma disputa jurídica. A lei está
morta aqui. Isso é uma disputa política e depende de nós. Salvem David
Washington Castor Furtado, divulgando o nome dele e cobrando
explicações; se nós esquecermos dele, ele será morto”, clamou Pedro
Rios, reforçando os apelos e denúncias.
Como todos já se
perguntaram, fica a dúvida sobre a atuação do governo federal.
Aparentemente favorável aos moradores, tentou negociar com a
prefeitura e governo estadual e teve, como citado, até um de seus
assessores feridos. Da mesma forma que em outros episódios, poderia
enviar sua Força Nacional de Segurança, Polícia Federal e agentes do
exército ao lugar do conflito. No entanto, atém-se a reuniões internas
e tímidos pronunciamentos. Talvez por ser mais afeito aos repressores
que aos reprimidos do Pinheirinho, como se viu no combate aos
trabalhadores em greve em Jirau, na omissão ao genocídio indígena que
recrudesce, na violentíssima e questionável invasão do Complexo do
Alemão, sempre sob a égide das citadas forças de segurança, que desta
vez descansaram nos quartéis.
Dessa forma, aos
moradores do Pinheirinho resta somente lutar com as próprias energias
e almas, possivelmente contando com a solidariedade dos verdadeiros
militantes da justiça e dos direitos humanos, que se arriscam em meio
à barbárie policialesca que nos assola. A luta não acabou, sabe-se que
a disposição desses moradores é grande e há o mínimo de luz no fim do
túnel, como mostra o Ministério Público, que ainda tenta impedir a
expulsão dos habitantes e a reintegração de posse.
Entretanto, na
democracia policial-imobiliária que vivemos, está mais do que na ordem
do dia retomar a intensidade perdida das lutas sociais. O capitalismo
se expande no Brasil e há um imenso e internacionalizado boom
imobiliário em voga. Senhas suficientes de muitas trevas por vir e
combater. O Pinheirinho não é e não será caso isolado.
* Gabriel Brito é
jornalista.
Fonte: Correio da
Cidadania, 25/1/12.