STF decide sobre o futuro dos territórios quilombolas
Resultado do
julgamento poderá alavancar os processos de titulação de territórios
ou, por outro lado, criar retrocessos
No dia 18 de
abril o Supremo Tribunal Federal deve iniciar o julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, na qual se discute a
extensão do direito constitucional de acesso ao território para
comunidades quilombolas. O resultado do julgamento poderá consolidar a
interpretação constitucional do direito, gerando efeitos para
alavancar os processos de titulação de territórios quilombolas, ou,
por outro lado, criar retrocessos históricos que trarão grandes
dificuldades para a reprodução física, social e cultural dessas
comunidades no Brasil.
A Constituição
Federal de 1988 reconheceu a importância das comunidades quilombolas
no processo histórico de formação da sociedade brasileira, assim como
o papel que essas comunidades têm na construção do futuro dessa
sociedade. O reconhecimento e a efetivação do direito ao território
para as comunidades quilombolas representam muito mais do que a
necessária reparação do erro histórico da escravidão: é a garantia que
a sociedade brasileira tem de contar com a existência dos quilombos na
continua construção econômica, social e cultural da sociedade.
Assim, a Carta
Constitucional de 1988 garantiu amplamente os meios para que as
comunidades quilombolas possam se desenvolver com plenitude,
conferindo ao Estado o dever de titular um território para cada
comunidade quilombola. A garantia de acesso ao território é um passo
fundamental e determinante para viabilizar a continuidade da
existência das comunidades. Sem garantia de acesso ao território,
elemento base da cultura e da economia quilombola, as comunidades
continuarão a sofrer com as grandes dificuldades que historicamente
oprimiram seu pleno desenvolvimento.
No julgamento
histórico que se avizinha o STF tem o dever, como guardião da carta
política da sociedade brasileira, de rechaçar preconceitos e
determinismos históricos conservadores que oprimem os negros e as
comunidades quilombolas. É função dos ministros do STF, portanto,
consolidar o entendimento de que a sociedade brasileira, no contexto
de libertação democrática pós ditadura militar, determinou
constitucionalmente ao Estado garantir a sobrevivência das comunidades
quilombolas.
Conservadorismo
racista e antidemocrático do DEM
No ano de 2004 o
então PFL, hoje DEM, composto pelos principais herdeiros políticos do
processo da escravidão no Brasil, ajuizou a ADI 3239 buscando declarar
inconstitucional o Decreto Federal 4887/03. Esse decreto é o principal
instrumento administrativo que viabiliza a execução da política
pública de titulação dos territórios quilombolas. Com essa medida, o
DEM busca utilizar-se do poder judiciário para inviabilizar o direito
de acesso à terra para as comunidades quilombolas, retirando do Poder
Executivo as normas que regem os atos que a administração deve tomar
para executar o direito constitucional.
Alega o DEM que o
art. 68 do ADCT da Constituição, norma que expressamente declara o
direito das comunidades quilombolas ao território, não pode ser
aplicado sem que exista uma outra lei infraconstitucional que
determine os sujeitos e a abrangência do direito. Ou seja, o DEM se
utiliza de um argumento técnico formal para instrumentalizar o STF no
alcance de seus objetivos políticos.
Vale ressaltar
que o DEM, assim como o grupo político conservador que o apoia, já
havia, em 2001, durante o governo FHC, utilizado de um decreto federal
para regulamentar a atuação da administração pública na efetivação do
art. 68 do ADCT. A diferença entre o decreto dos governos Lula e FHC
não está na forma de regulamentar, mas na interpretação do direito
constitucional de acesso ao território para quilombolas.
Para o DEM a
Constituição não garante o direito de reprodução física, social e
cultural das comunidades quilombolas. Reconhece apenas um direito à
terra, sem que deva existir qualquer garantia de que a terra titulada
servirá efetivamente às necessidades dos quilombos. É por essa razão
que o decreto de FHC, inviabilizando a titulação dos territórios,
obrigava quilombolas a provar que detinham a posse da terra de 1888 a
1988 para terem direito à titulação.
De outro lado, o
decreto do governo Lula interpreta que a Constituição de 1988
reconheceu que o direito ao território tem a finalidade específica de
garantir a existência das comunidades quilombolas, titulando o
território tradicionalmente utilizado para a reprodução física,
econômica e cultural dos quilombos.
Julgamento com
déficit democrático
A sociedade
Brasileira, entendendo a importância do julgamento que se fará,
participa dos debates feitos no processo através do instituto do
“amigos da corte”. Esse instituto permite que na discussão sobre o
direito territorial das comunidades quilombolas participem, para além
da União e do DEM, setores organizados da sociedade que tenham
interesse na causa. São mais de 20 organizações de direitos humanos,
comunidades quilombolas, entre outros, que já se manifestaram na ADI
3239.
Todos aqueles que
apoiam o direito das comunidades quilombolas no processo requereram ao
Ministro Cezar Peluso, relator da ADI 3239 e presidente do STF, a
realização de uma audiência pública. A realização da audiência pública
no STF é de fundamental importância para o amadurecimento do debate
social sobre o tema, propiciando participação democrática de setores
pró e contra direitos dos quilombolas. Além de contribuir para
instruir o processo que leva ao STF, pela primeira vez na história, um
debate de tamanha relevância.
Apesar dos vários
requerimentos de audiência pública feitos no processo, o Ministro
Cezar Peluso deve colocar o caso em julgamento sem sequer decidir
motivadamente porque não quer fazer a audiência. Sabe-se que o
aprofundamento do debate sobre o tema favorece o direito quilombola,
pois são a desinformação e o preconceito os principais argumentos do
DEM contra os quilombolas.
A Terra de
Direitos, que atua na defesa dos direitos territoriais de comunidades
quilombolas nos estados do Paraná, Pernambuco e Pará é testemunha da
importância do reconhecimento dos territórios quilombolas para a
efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais
dessas populações.
Fonte: Brasil de
Fato, [Terra de Direitos],16/4/12.