Projeto de lei quer punir ‘terroristas’ e grevistas durante a Copa
Enquanto as
atenções estão voltadas para o projeto de Lei Geral da Copa (2.330/11)
que deve ser votado na Câmara na próxima terça-feira (28), os
senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter
Pinheiro (PTB-BA) correm com outro Projeto de Lei no Senado, conhecido
pelos movimentos sociais como “AI-5 da Copa” por, dentre outras
coisas, proibir greves durante o período dos jogos e incluir o
“terrorismo” no rol de crimes com punições duras e penas altas para
quem “provocar terror ou pânico generalizado”.
O PL 728/2011,
apresentado no Senado em dezembro de 2011, ainda aguarda voto do
relator Álvaro Dias (PSDB-PR) na Comissão de Educação, Cultura e
Esporte do Senado. Se for aprovado, vai criar oito novos tipos penais
que não constam do nosso Código Penal como “terrorismo”, “violação de
sistema de informática” e “revenda ilegal de ingressos”, determinando
penas específicas para eles. Essa lei – transitória – valeria apenas
durante os jogos da FIFA.
Na justificativa
da proposta, os senadores alegam que a Lei Geral da Copa deixa de fora
a tipificação de uma série de delitos, necessária para “garantir a
segurança durante os jogos”.
O projeto prevê
ainda que quem “cometer crimes contra a integridade da delegação,
árbitros, voluntários ou autoridades públicas esportivas com o fim de
intimidar ou influenciar o resultado da partida de futebol poderá
pegar entre dois e cinco anos de prisão”.
Para quem
“violar, bloquear ou dificultar o acesso a páginas da internet,
sistema de informática ou banco de dados utilizado pela organização
dos eventos” a pena seria de um a quatro anos de prisão, além de
multa. E para deixar a aplicação das penas ainda mais eficaz, o
projeto prevê a instauração de um “incidente de celeridade processual”
(art. 15), um regime de urgência em que a comunicação do delito
poderia se dar por mensagem eletrônica ou ligação telefônica e
funcionaria também nos finais de semana e feriados.
O presidente da
Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo Martim Sampaio
considera o projeto um “atentado contra o Estado Democrático de
Direito”. “É um projeto de lei absurdo que quer sobrepor os interesses
de mercado à soberania popular. Uma lei para proteger a FIFA e não os
cidadãos e que, além de tudo, abre precedentes para injustiças por
suas definições vagas”, diz o advogado.
Para Thiago
Hoshino, assessor jurídico da organização de direitos humanos Terra de
Direitos e integrante do Comitê Popular da Copa de Curitiba, a questão
é ainda mais complicada. Ele acredita que a junção de tantos assuntos
em um mesmo projeto é uma tentativa de aprovar leis antigas que
endurecem principalmente a legislação penal: “É um bloco perigoso que
viola garantias básicas da Constituição. E há sempre o risco de estas
leis transitórias se tornarem permanentes. A legislação da Copa é, na
verdade, um grande laboratório de inovações jurídicas. Depois o que
for proveitoso pode permanecer. É mais fácil tornar uma lei
transitória permanente do que criar e aprovar uma nova” explica.
Terrorismo
O que chama a
atenção logo de cara no projeto de lei é a tipificação de
“terrorismo”, que até hoje não existe no nosso código penal. No PL,
ele é definido como “o ato de provocar terror ou pânico generalizado
mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de
pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito
racial, étnico ou xenófobo” com pena de no mínimo 15 e no máximo 30
anos de reclusão. Martim Sampaio diz que este é o artigo mais perigoso
por não dar definições exatas sobre o termo: “Da maneira como está na
lei, qualquer manifestação, passeata, protesto, ato individual ou
coletivo pode ser entendido como terrorismo. Isso é um cheque em
branco na mão da FIFA e do Estado”.
Documentos
revelados pelo WikiLeaks revelaram a pressão americana para que o
Brasil criasse uma lei para o “terrorismo”, principalmente para
assegurar os megaeventos. No relatório de Lisa Kubiske, conselheira da
Embaixada americana em Brasília, enviado para os EUA em 24 de dezembro
de 2010, a diplomata mostra-se preocupada com as declarações de Vera
Alvarez, chefe da Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação
Esportiva do Itamaraty porque a brasileira “admite que terroristas
podem atacar o Brasil por conta das Olimpíadas, uma declaração pouco
comum de um governo que acredita que não haja terrorismo no País”.
Os banqueiros
também pressionam o Estado a criar uma lei antiterrorismo há algum
tempo. Também em 2010, a falta de uma legislação específica sobre
terrorismo foi o principal foco em um congresso sobre lavagem de
dinheiro e financiamento de grupos extremistas organizado pela
Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo. A questão
poderia custar ao Brasil a exclusão do Grupo de Ação Financeira
Internacional (Gafi), órgão multinacional que atua na prevenção desses
crimes.
Greves
O projeto de lei
também mira reduzir o direito à greve, prevendo a ampliação dos
serviços essenciais à população durante a Copa – como a manutenção de
portos e aeroportos, serviços de hotelaria e vigilância – e restringe
a legalidade da greve de trabalhadores destes setores, incluindo os
que trabalham nas obras da Copa, de três meses antes dos eventos até o
fim dos jogos. Se aprovado, os sindicatos que decidirem fazer uma
paralisação terão de avisar com 15 dias de antecedência e manter ao
menos 70% dos trabalhadores em atividade. O governo ainda estará
autorizado a contratar trabalhadores substitutos para manter o
atendimento, o que é proibido pela lei 7.283/1989 em vigor no país,
que estabelece 72 horas de antecedência para o aviso de greve e não
determina um percentual mínimo de empregados em atividade durante as
paralisações.
Eli Alves,
presidente da Comissão de Direito Trabalhista da OAB-SP, lembra que o
direito à greve também é garantido na Constituição Federal e diz que a
sensação que fica é a de que “o Brasil está sendo alugado para a FIFA,
flexibilizando suas próprias regras para fazer a Copa no país”. Martim
Sampaio lembra que as greves foram proibidas durante a ditadura
militar: “A gente conquistou este direito com o fim da ditadura,
muitas vidas foram perdidas neste processo. Não é possível que agora
criemos uma ditadura transitória da FIFA”. E convoca: “O único jeito
de não deixar esta lei ser aprovada é por pressão popular. A gente tem
bons exemplos de que isso funciona como a da lei da ficha limpa. É
preciso conquistar a democracia todos os dias”.
Fonte: Carta
Capital, Andrea Dip, da Ag. Pública, 27/2/12.