O possível fim da União Europeia
Por Achille
Lollo*
Muitos analistas começam a dizer publicamente que o bloco poderá
implodir em 2013
O dado
estatístico mais dramático do último Natal na União Europeia vem da
Grécia: apenas um em cada dez trabalhadores foi comprar os
tradicionais presentes. Os restantes gastaram seus salários pagando as
dívidas e estocando produtos alimentares indispensáveis para se
sobreviver até fevereiro.
Tal quadro de
recessão que se abateu sobre a Grécia após as medidas impostas pela
União Europeia já não é uma novidade nos outros países do bloco, em
particular na Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, onde a crise do
euro e a descontrolada especulação com os títulos do tesouro de cada
uma dessas nações está determinando um contexto econômico e financeiro
de “default generalizado”; ou seja, desde já se está anunciando a
bancarrota da grande maioria de bancos europeus.
Na Itália, por
exemplo, a direção da poderosa Unicredit já avisou seus acionistas de
que está com dificuldades para conseguir uma nova capitalização de
seus títulos, suspendendo temporariamente todas as carteiras de
empréstimos de grande e de pequeno porte.
“Salvadores da
pátria”
Segundo Pier
Luigi Bersani, secretário-geral do partido progressista PD (Partido
Democrático), sua agremiação “considera que o governo do professor
Mario Monti [atual primeiro-ministro da Itália] é a última esperança
para os italianos saírem da crise e, por isso, nós do PD o apoiaremos
fazendo a nossa parte”.
Porém, Bersani
não disse que o partido fez questão de apoiar cegamente o tecnocrata
Mario Monti porque achava que suas lideranças poderiam integrar o
chamado governo de salvação nacional. Em segundo lugar, a direção do
PD acredita que se Monti conseguir impedir a bancarrota, a agremiação
vai lucrar em termos políticos e, consequentemente, ganhar as eleições
em 2013.
Aliás, a etiqueta
de “salvadores da pátria” já está sendo utilizada pela direção do
partido para silenciar suas bases, que já não sabem mais se o PD é um
partido progressista que gerencia o neoliberalismo ou se seu chamado
social-liberalismo é apenas uma tática dos dirigentes para alcançar o
poder com o sonhado 51% de votos.
Algo parecido
aconteceu na década de 1960, quando o PCI de Palmiro Togliatti,
querendo fazer concessões aos industriais, tentou convencer os
sindicalistas da CGIL (Confederação Geral Italiana do Trabalho)
dizendo-lhes: “primeiro tomamos o poder e depois veremos o que fazer”.
Na realidade a
Itália, graças também à cumplicidade do PD, é o único país europeu
onde partidos e sindicatos não foram às ruas para protestar contra as
medidas recessivas que a chefe de governo da Alemanha Angela Merkel e
a direção do Banco Central Europeu exigiram que o presidente italiano
Giorgio Napolitano e o parlamento italiano adotassem com urgência.
Porém, os
destinos políticos e partidários do PD serão cada vez mais incertos e
ambíguos se a direção do partido – em particular Pier Luigi Bersani –
justificar a implementação do novo programa de privatização que o
tecnocrata Mario Monti apresentou em 6 de janeiro dizendo: “somente
com a liberalização da economia e a criação de um clima de confiança
na livre concorrência poderemos ganhar a batalha contra a recessão”.
Liberalização
geral
De fato, para
legitimar o programa de privatização – que vai infernizar a vida dos
italianos – o primeiro-ministro, com o apoio do presidente Giorgio
Napolitano (ex-dirigente do PCI e teórico do compromisso histórico)
articulou a apresentação aos italianos da proposta de liberalização e
privatização dos diferentes setores da economia.
Uma artimanha
midiática para impor o fim do monopólio estatal e a privatização das
grandes empresas públicas, tais como a de ferrovias (Ferrovie dello
Stato), rodovias (Anas), distribuição de gasolina (Agip), importação
do gás (Grupo ENI), correio e seus serviços financeiros (Posta e Banco
Posta), companhia aérea (Alitalia) e distribuição de energia (Enel).
Dessa forma, será anulado o resultado do referendo popular do ano
passado, que vetou ao governo de Silvio Berlusconi a privatização da
água e das empresas públicas que fazem a distribuição do recurso nas
prefeituras.
Para convencer os
italianos que com as privatizações vai acabar a recessão, o tecnocrata
Mario Monti se apresentou no programa televisivo de maior audiência da
emissora RAI, “Que tempo faz ”, dirigido pelo jornalista Fabio Fazio,
muito ligado ao PD.
Diante das
câmeras e com muito atrevimento, Mario Monti declarou: “o pacote
taxativo chamado ‘Salva Itália’ na realidade retirará dos bolsos dos
italianos, em três anos, 78 bilhões de euros, apenas para pagar as
dívidas antigas do Estado com os bancos, sem praticamente obter nada
em troca. Consequentemente o único caminho que temos para fazer caixa
é privatizar todas as empresas públicas e acabar com o monopólio
estatal nos principais setores da economia”.
Nessa entrevista,
que registrou 73% de audiência nacional, não havia interlocutores
críticos. Entre os debatedores não foi convidado nenhum sindicalista
da Fiom (Federação dos Metalúrgicos), nenhum estudante, nenhum
trabalhador com contrato temporário e nenhum economista disposto a
dizer o que o movimento popular pensa sobre o pacote. Apareceram
apenas sujeitos que apoiavam e respeitavam as regras do mercado.
No fim da
entrevista, o primeiro-ministro italiano oficializou a decisão tomada
anteriormente pelo governo Berlusconi de “reformular o artigo 8 do
Estatuto dos Trabalhadores, introduzindo, assim, a livre negociação
contratual e permitindo a introdução de novas regras na legislação
trabalhista, além de flexibilizar as funções e os custos do trabalho
fabril”.
A única voz que
no dia seguinte criticou Mario Monti foi o secretário da Fiom,
Maurizio Landini: “A verdade é que o governo Monti se aproveitou desse
momento de crise para legitimar a chantagem da recessão e, assim,
acabar com a principal conquista dos trabalhadores. Outra verdade é
que agora com este governo todos os trabalhadores, e não só os
metalúrgicos, retrocederam quarenta anos!”
Autofagia
A globalização da
economia favoreceu o surgimento dos chamados conglomerados, que reúnem
bancos, instituições financeiras, indústrias de alta tecnologia civil
e militar, empresas energéticas, jornais, televisões e, também, muitas
ONGs. Um processo acumulativo que é pouco visível e pouco
centralizado. Cada um das diferentes branches tem sua aparente
autonomia produtiva mas, na realidade, se desenvolve dentro dos
parâmetros fixados pela direção de cada conglomerado.
Assim, por
exemplo, quando um desses conglomerados decide que no biênio 2012/13 o
objetivo é se apropriar dos lingotes de ouro que navegam no mercado
como garantia de empréstimos contraídos (e não pagos) por bancos
estatais ou por outras instituições financeiras públicas, então todas
as branches do conglomerado – sobretudo jornais e televisões – começam
a agitar o mercado para criar um clima de medo com uma possível
bancarrota.
Um contexto que
mexe profundamente com a desvalorização dos títulos das dívida e que
visa obrigar os governantes a tomar a decisão de retirar da reserva
estratégica do tesouro público uma certa quantidade de lingotes de
ouro para o Banco Central vendê-los silenciosamente nas bolsas. Algo
que está acontecendo na Itália que, por sua parte, ainda detém a maior
reserva de lingotes de ouro na Europa.
Tal operação, em
condições normais, deveria acalmar o “mercado”. Porém, acontece o
contrário: quanto mais o Banco Central italiano vende lingotes de
ouro, mais a mídia volta a falar em queda do spread dos títulos do
tesouro italiano.
Quanto mais os
governos europeus decidem repassar dinheiro líquido aos bancos, mais
estes dizem que não têm capitais para financiar o desenvolvimento,
visto que tal recurso serve para liquidar parcelas da dívida pública
comprada anteriormente pelos bancos.
Enfim, um ciclo
vicioso que permitiu aos partidos de direita e centro-direita de toda
a Europa se apropriar dos Estados que formam a União Europeia,
transformando os governos em uma central de negócios em que os
principais clientes são os conglomerados, sejam eles europeus,
estadunidenses, japoneses, árabes ou chineses.
Fim da União
Europeia?
É por isso tudo
que muitos analistas começam a dizer publicamente que a União Europeia
poderá implodir em 2013, porque a partir do mês de março deste ano
vários países podem pedir a saída da zona do euro e, consequentemente,
rever a participação na própria União Europeia. É o que anunciou o
primeiro-ministro da Grécia, Lucas Papademos, é o que ameaça fazer o
chefe do governo da Hungria, o direitista Victor Orban, e é o que
serão obrigados a fazer todos os países que, por estarem atrelados ao
euro, não podem mais desvalorizar sua moeda e fazer respirar a
economia sem cair na recessão. É o que está acontecendo na França e na
Espanha, onde as respectivas dívidas públicas alcançaram 87% e 67% do
PIB.
Mas o drama disso
tudo é que os trabalhadores e a maior parte da população não se deram
conta do que realmente está acontecendo. Por exemplo, na Itália, na
Espanha e na própria França, onde os trabalhadores sempre jogaram um
papel crucial nos momentos de crise, hoje eles não têm os instrumentos
políticos necessários para impedir a explosão de uma crise financeira
generalizada, cujo custo irá recair, unicamente, nas costas dos
trabalhadores, dos pobres e da própria classe média.
* Achille Lollo é
jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e
editor do programa de TV Quadrante Informativo.
Fonte: Brasil de
Fato, 27/1/12.