Por Ricardo
Antunes*
A expansão do
ensino superior durante os governos Lula e Dilma foi quantitativamente
ampla, tanto para as universidades públicas quanto para as privadas.
O primeiro grupo
vivenciou uma expansão dos campi muito significativa, através da
profusão de cursos -muitos dos quais, entretanto, pautados pela razão
instrumental, de qualidade duvidosa e em sintonia com a era da
flexibilidade.
O segundo grupo
viu o governo do PT mostrar também um lado generoso em relação aos
mercados.
Faculdades em sua
grande maioria de fachada, autodefinidas como "instituições do ensino
superior", carentes de rigor científico mínimo em sua docência e
pesquisa (esta, salvo raras exceções, inexiste neste ramo
empresarial), tiveram seus cofres inflados com o ProUni.
Já que os pobres
são tolhidos em larga escala das universidades públicas -uma vez que
frequentam o ensino fundamental em escolas públicas, que se encontram
destroçadas-, o governo Lula encontrou uma saída bárbara: reuniu-os
nos espaços privados do ProUni.
De outra parte,
deu-se positivamente a ampliação das universidades públicas, através
da expansão dos cursos nas instituições federais e da contratação
significativa de docentes. Mas o governo o fez deslanchando o Reuni,
programa de expansão das universidades federais.
Constrangidos
pelo produtivismo (anti)acadêmico e calibrados pela competição, há
precarização de condições de trabalho. Os salários são baixos. A
carreira, mal estruturada.
Mas o governo não
contava que essa ampliação quantitativa tivesse fortes consequências
qualitativas: a nova geração de jovens professores, doutores em sua
grande maioria, parece não aceitar sem questionamentos esse lado
perverso do Reuni, que quer assemelhar universidades públicas àquelas
onde viceja o ProUni.
Dando aulas
muitas vezes em galpões, sem salas de professores (quando há, sem
condições de pesquisar), os docentes, cujos adoecimentos e
padecimentos, para não falar de mortes, não param de se ampliar,
decretaram uma ampla e massiva greve nas federais.
Querem melhores
salários, condições de trabalho dignas e carreira efetivamente
estruturada.
Os conservadores
dizem, tentando mascarar o desejo pela completa privatização, que a
greve dos docentes públicos é uma forma de "receber sem trabalhar".
"Esquecem" algo elementar: qual docente, no juízo razoável de suas
faculdades, quer arrebentar seu calendário e repor aulas quando
deveria estar em férias?
Só mesmo as vozes
conservadoras podem identificar uma greve, com suas atividades,
assembleias, debates, desgastes, riscos e tensões, como "descanso
remunerado", argumento histórico das direitas derrotado pela
Constituição de 1988.
Para muitas
dessas vozes, a pesquisa e a reflexão livres incomodam. Elas gostariam
de privatizar as federais, convertendo-as ou em universidades
profissionalizantes ou, ao menos parte delas, em "universidades
corporativas", uma flagrante contradição, pois universalidade não rima
com corporação.
Há um segundo
ponto importante: muitos alegam que é preciso investir no ensino
básico, o que os leva a recusar o apoio à universidade pública. Mas
alguém seriamente acredita que aqueles que querem destroçar a
universidade pública querem, de fato, um ensino básico público, laico
e de qualidade?
*
Ricardo Antunes,
59, é professor titular de Sociologia na Unicamp e autor de "O
Continente do Labor" (Boitempo)
Fonte: Folha de S. Paulo