Oscar Niemeyer, a Veja online e o Escaravelho
A figura que me
ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a
do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um
besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo
rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta
Por Leonardo
Boff*
Com a morte de
Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro
cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial,
absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza,
simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma
pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.
E o fazemos por
duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca
considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao
campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das
formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.
A segunda, para
Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e
contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e
sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com
coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para
transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar
as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de
afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos
aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da
pele e o nível de sua instrução.
Isso foi que
alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por
aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para
dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso,
sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos
mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.
Mas seu comunismo
era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários
pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso,
alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de
todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de
marxismo.
Na medida em que
pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi
unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua
vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas
páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro
com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista
abriga.
Ele foi a voz
destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou
daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa
de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do
outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face
às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se
identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é
por ela publicado.
Notoriamente,
VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa
cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista
parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo
que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura
norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao
contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo
da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela
seu caráter viciado e malevolente: ”Para instruir a canalha ignorante.
O gênio e o idiota em imagens”. Seu texto piora mais ainda quando, se
esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12
também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo
e anti-democrático:”Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da
VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?” Sujo é
ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria
tendenciosa e injusta.
O que se quer
insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode
ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim
o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos,
apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar
Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado.
Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert
Einstein: ”conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito
dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza”. O
articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem
um lugar de honra no altar da idiotice.
O que não tolera
em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário,
compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e
glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de
mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de
concorrência, de “greed is good”(cobiça é coisa boa), de acumulação à
custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de
justiça em nível internacional.
Mas não nos causa
surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari,
Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei
Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um
monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana
do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte
opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na
periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um
completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.
A figura que me
ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a
do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um
besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo
rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo
semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar
excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é
hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com
naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta
continuamente. Nada de surpreendente, portanto.
Paro por aqui.
Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em
versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime
lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas
pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em
Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido
Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU
em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas
vezes, pela revista-escaravelho.
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Oscar Niemeyer e
a imprensa tupiniquim – Antonio Veronese
Crítica
mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar os
cornos acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país
do mundo, é indigerível por parte da imprensa, que se acocora,
devorada por inveja intestina. Capitania hereditária de raivosos
bufões que já classificou a voz de Pavarotti de ruído de pia entupida;
a música de Tom Jobim de americanizada; João Gilberto de desafinado e
Cândido Portinari de copista…
Quando morre um
homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos bufões
babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.
Não discuto a
liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como um cidadão,
com a dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi
reverenciada na primeira página de todos os grandes jornais do mundo)
pode ser chamado, por um jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa
de cobertura nacional, de metade-gênio-metade idiota? Isso após sua
morte, quando não é mais capaz de defender-se, e ainda que sob a
desculpa covarde, de reproduzir citação de terceiros…
O
consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos
da estupidez. Quem
se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos? Ao
talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.
Antonio Veronese
(mideart@gmail.com)
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Meu caro Antonio,
Que beleza o seu
texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda acreditam no mundo de
amanhã nascendo do espírito, da fé e do caráter dos homens de hoje!
Não é toda a
imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na mídia
brasileira. Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em
termos de vileza, ela sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo
ou mais tarde, o destino de todas as iniquidades: a vala comum do
lixo, onde nem a história se dará o trabalho de julgá-la.
Os arquivos do
Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta rancorosa
revista, assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai, Cândido
Portinari e outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos,
infames e covardes, como este que vem agora tentar apequenar um grande
homem que para sempre enaltecerá a nossa terra e o nosso povo.
Caro amigo, é
impossível ficar calado, diante de tanta indignidade.
Com o carinho e a
admiração do
Professor João
Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)
* Leonardo Boff é
filósofo, teólogo, escritor e comisionado da Carta da Terra.
Fonte: Brasil de
Fato, 11/12/12.