Massacre do Carandiru: é melhor esquecer?
Por Inês
Virgínia P. Soares e Paula Bajer F. M. da Costa*
Em São Paulo
capital, na Avenida Cruzeiro do Sul, ao lado da Estação Carandiru do
Metrô, está o Parque da Juventude, um complexo dividido em três
grandes espaços: o Parque Esportivo, o Parque Central e o Parque
Institucional, com prédios bem arquitetados, abrigando uma biblioteca
e duas escolas técnicas profissionalizantes.
No mesmo lugar do
Parque da Juventude, antes de os pavilhões serem implodidos em
dezembro de 2002, havia mais de 7.000 pessoas presas. Era a Casa de
Detenção de São Paulo (Carandiru), construída em 1956 e desativada em
2002. Lá, homens cumpriram longas penas privativas de liberdade,
participaram de rebeliões e, em 2 de outubro de 1992, 111 foram mortos
no episódio conhecido com Massacre do Carandiru.
O antigo local do
Carandiru tem agora novos frequentadores e usos bem distintos,
voltados para a cultura e prática de esportes, além de outros
entretenimentos. Enfim, é um espaço público construído para celebrar o
futuro e a escolha do nome do parque já é bem significativa. A escolha
e a apresentação dos novos usos do espaço do antigo Carandiru são uma
boa indicação de que se deseja esquecer (ou de que não vale a pena
lembrar?) o que foi ou para quê servia aquele lugar. As ruínas do
presídio (conservadas assim: como velhas ruínas!) não contam nada
sobre o passado. A única pista que dão é que tudo aconteceu há muito
tempo atrás. Uma pista equivocada, aliás... Não faz tanto tempo assim:
nem para esquecer nem para dizer que é tarde para adotar as medidas de
recordação.
Mas que medidas e
quais recordações? Prisões são, em geral, lúgubres. A violência está,
nelas, latente, marcando as paredes, o chão, as grades das portas e
das janelas. Quando desativadas, sobra, no espaço vazio, a sombra do
sofrimento. Preservar a memória é alternativa para diluição da
violência e reconstrução de espaços prisionais preocupados com a
dignidade das pessoas presas.
Por que, passados
20 anos do Massacre do Carandiru, pensar na concepção e instalação de
um espaço para lembrar um local lúgubre, marcado por um episódio de
horror? Qual seria a utilidade de um espaço desse tipo?
Em resposta
imediata, a razão é a necessidade urgente de humanização do sistema
penitenciário brasileiro, com medidas que permitam a inclusão social
daqueles que cumprem pena privativa de liberdade em todo o país. A
intervenção policial no Carandiru, em 1992, resultou na morte de 111
presos e é esse o fato guardado na memória coletiva, mesmo depois que
o presídio foi desativado. Ao mesmo tempo, apagaram-se outras tantas
histórias das pessoas que ali viveram.
Até agora, a
política pública adotada no Brasil em relação aos presídios, em geral,
reforça a cultura da exclusão. Essa exclusão é latente tanto na
escolha de locais para a construção de novos presídios, afastados de
centros urbanos e de linhas de transporte que viabilizem visitas de
familiares a amigos, como na opção de implosão dos presídios e casas
de detenção desativados.
Com a desativação
do Carandiru, os presos foram deslocados para outras prisões, também
lotadas. A superlotação, que caracteriza o sistema prisional
brasileiro, estava na Casa de Detenção. A deficiência nos serviços de
atendimento à saúde dos presos e outras situações degradantes à
condição humana permanecem nos presídios brasileiros. O Carandiru foi
implodido. A superlotação, não.
Não se defende,
aqui, a preservação de todos os presídios desativados. No entanto, há
situações em que a implosão não apaga a memória de violência e não
marca etapa que inicie tratamento digno dos presos. É o que acontece
com a implosão do Carandiru. Naquele espaço, a edificação de lugar de
memória significa compromisso do Estado de que violências contra
pessoas presas não mais ocorram e de que a dignidade é objetivo máximo
no encarceramento – como, aliás, está na Constituição.
Por isso,
expressivo resultado que lugar de memória chamado Carandiru pode
proporcionar para seus visitantes é o despertar para o compromisso que
todos temos com os direitos humanos dos presos.
Não dá para
esquecer o massacre. Ainda há tempo, porém, para contar a história,
evitando-se, com isso, conformação com o estado de violência latente
nas prisões.
* Inês
Virgínia Prado Soares é mestre e doutora em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; pós-doutora pelo Núcleo
de Estudos da Violência (NEV/USP); Procuradora da República em São
Paulo.
* Paula Bajer
Fernandes Martins da Costa é mestre e doutora em Direito
Processual Penal pela Universidade de São Paulo; Procuradora Regional
da República; membro de Grupos de Trabalho Sistema Prisional da
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC-Ministério Público
Federal, SP-PFDC-MPF).
Fonte: Correio da
Cidadania, 3/10/12.